31 de janeiro de 2011

As duas portas e a segurança do crente

Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. Mt 7:13-14

O texto acima apresenta um quadro bem nítido. São duas portas, uma estreita e outra larga. São também dois caminhos, um espaçoso e outro muito apertado. E também, são dois destinos, a vida eterna e a perdição eterna.

Agora note que os dois caminhos estão separados, não se cruzam. O único jeito de alguém caminhar por um deles é ter entrado por sua respectiva porta. E uma vez estando a trilhar num desses caminhos, a chegada no destino é certa. Não se concebe que alguém ande no caminho apertado e chegue no lago de fogo, nem que alguém, tendo percorrido o caminho espaçoso se depare com a vida eterna.

Logo, tudo se decide pela porta por onde se entra, pois ela dá para um único caminho e que conduz a um único destino. Não há atalhos que permita corrigir a rota ou sair da estrada em que se está. Pode-se até parar ao longo do caminho, mas nunca pular para o outro lado, sem passar pela porta. Acertando a porta, tudo se resolve. Por isso, Jesus disse "esforçai-vos por entrar pela porta estreita" (Lc 13:24).

Jesus é a porta. Ele disse "Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens" (Jo 10:9. Nenhuma possibilidade de entrar por ele e encontrar a perdição no outro lado. Ele também é o caminho. "Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14:6). E Ele também é a vida. "E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17:3).

Você já entrou pela porta estreita, que é Jesus? Se sim, está no caminho apertado, que é Ele próprio. E chegará com segurança na vida eterna.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

28 de janeiro de 2011

Cristianismo em linha reta

Publicado originalmente no Optica Reformata.

***

Qualquer um admitiria de pronto que a arrogância e a mania de grandeza é algo que devemos abominar com todas as forças de nossa alma; que detratar os outros é feio; que não devemos "passar por cima" das pessoas; e que devemos sempre respeitar os espaços e as limitações (físicas, intelectuais e "espirituais") de cada um. Contudo, na maioria das vezes nossas ações conflitam flagrantemente com nosso discurso: assumimos uma postura arrogante para com os mais limitados e depois usamos de uma mea culpa "politicamente correta" para camuflar nossos intentos - mea culpa esta que, no fim das contas, servirá apenas de cal para embranquecer ainda mais as paredes dos nossos imponentes - embora podres - mausoléus.

Abaixo segue o Poema em linha reta, do Fernando Pessoa, para que meditemos na necessidade daquilo que eu chamaria de um Cristianismo em linha reta (a cada um caberá a contextualização mais pertinente).

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Sem mais comentários.

Soli Deo Gloria!



27 de janeiro de 2011

O sofrimento dos bons

Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.
Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o SENHOR. Então, o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por ela.

Perguntou o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.

Então, Satanás respondeu ao SENHOR: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a mão, toca-lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema contra ti na tua face.

Disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está em teu poder; mas poupa-lhe a vida.

Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó, sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se. Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre.

Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios. (Jó 2:1-10)
Imagine acordar sábado de manhã para fazer uma viagem. Você se levanta, ora, pede a proteção divina para você e para a sua bagagem, que está trancada com cadeados. Algumas horas depois, no aeroporto de destino, a sua mala aparece rasgada e sem cadeado...com várias coisas roubadas.

Isso foi o que aconteceu comigo há alguns dias. E nessas horas, por mais que você não queira, algumas perguntas começam a surgir. Por que Deus não protegeu o que eu pedi pra que Ele protegesse? Será que não tive fé o suficiente? Será que Deus falhou? Terá sido tudo uma armadilha diabólica?

Se um pequeno incidente como esse gera tantos questionamentos, o que pensar quando, em um curto espaço de tempo, somos atingidos por uma catástrofe que leva tudo: posses, família e a saúde! De certa forma, essa é a realidade de vários cristãos brasileiros atingidos por enchentes no estado do Rio de Janeiro, de outros que são perseguidos, presos e até torturados em países onde o Evangelho é proibido e de vários que servem a Deus fervorosamente e, de repente, são atingidos subitamente por algum tipo de mal.

Quando isso acontece, o que pensar? Deus perdeu o controle? Ele cochilou e o diabo se aproveitou para destruir os filhos d'Ele? A fé não foi forte o bastante para alcançar o favor divino? Para muitos, certas respostas são tão insuportáveis que é melhor pensar que esses incidentes são obras diabólicas (onde o papel de Deus é ignorado) ou castigos divinos a pecadores (porque pessoas boas não são afligidas com esses sofrimentos).

Mas, será que é sempre assim? Não é o que a Bíblia ensina.

Os justos também sofrem
Se você ficou com dó de mim porque eu fui roubado, então você se derretaria em lágrimas e indignação se soubesse o que aconteceu com Jó. Afinal, quantas pessoas você conhece que receberam, verbalmente, a aprovação pública do próprio Deus? Uma coisa é ouvir uma mãe dizendo como seus filhos são bons, outra é Deus dizer que um homem é "íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal", alguém tão especial que "ninguém há na terra semelhante a ele". Se existia uma pessoa na terra que merecia tudo de bom, ah, com certeza era Jó.

E, de fato, Deus o abençoou com muitas coisas: riqueza, filhos, saúde e o respeito da sociedade. Em qualquer dimensão pela qual um homem possa ser medido, Jó poderia ser considerado um vencedor, inclusive na devoção ao Senhor. Se as obras, a conduta e as orações são o melhor seguro contra o mal, ninguém era mais protegido do que Jó.

Mas ele perdeu tudo. Os bens e os filhos foram destruídos ou roubados em um único dia. Como se isso não bastasse, Satanás foi até a presença de Deus para acusar a Jó...e o Senhor autoriza o diabo a tirar dele a saúde. A santidade de Jó não o livrou de sofrimentos profundos e intensos.

Quando o mal nos atinge, nós questionamos a Deus porque, inconscientemente, pensamos que pessoas boas não sofrem. No fundo de nossos corações, achamos que nossos atos são bons e puros, que somos melhores do que a média e que merecemos um tratamento à altura do Senhor. Nossas obras seriam uma espécie de apólice de seguro, um pagamento dado a Deus em troca de livramentos e proteção. Quando alguém perde tudo, fica doente ou é roubado, isso é porque houve algum pecado ou falha. Ainda acreditamos que pessoas boas ficam longe do mal.

No entanto, o ensino bíblico é o de que ninguém é, de si mesmo, bom e justo:
Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado;como está escrito: Não há justo, nem um sequer,não há quem entenda, não há quem busque a Deus; (Romanos 3:9-11)
Nem mesmo Jó, que teve um testemunho tão elevado da parte do Pai escapa do pecado, como é revelado por Eliú quando ele diz a Jó:
Na verdade, falaste perante mim, e eu ouvi o som das tuas palavras: Estou limpo, sem transgressão; puro sou e não tenho iniqüidade. Eis que Deus procura pretextos contra mim e me considera como seu inimigo. Põe no tronco os meus pés e observa todas as minhas veredas. Nisto não tens razão, eu te respondo; porque Deus é maior do que o homem. (Jó 33:8-12)
Coisas ruins acontecem a pessoas boas porque, na verdade, ninguém é bom.

Deus manda o bem e o mal
Contudo o problema não é só admitirmos que todos, sem exceção, são pecadores e sujeitos a ação do mal. A própria ideia de que uma enfermidade, um roubo ou um acidente tenham sido autorizados por Deus é intolerável a muitos. Talvez por esta razão alguns evangélicos neopentecostais rejeitem a ideia de que um cristão pode adoecer ou empobrecer.

Eu vi essa crença na Namíbia. Lá conheci um jovem que estuda para ser pastor e teve uma diarreia um dia após comer uma carne apimentada demais. A maioria das pessoas procuraria comer algo mais leve no dia seguinte ou buscaria um remédio. Esse jovem preferiu orar repreendendo o demônio que o deixou doente porque ele não acreditava que um filho de Deus pudesse adoecer.

No entanto, Deus não é apenas o Doador da vida, Ele também é o Pai que disciplina duramente os Seus filhos:
porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. (Hebreus 12:6)
E, muitas vezes, o chicote divino pode ser um demônio. Lendo o livro de Jó vemos que era o diabo quem roubou seus bens, matou seus filhos e o encheu de tumores. Jó, porém, disse à mulher que eles recebiam de Deus o bem e também o mal. E tem mais: ele não pecou quando disse isso! Em última análise, o mal causado pelos demônios vinha da mão de Deus. Nada no mundo, nem mesmo as piores calamidades ou violências, acontecem sem a permissão divina. Ele realmente está no controle de tudo, inclusive do mal.

No caso dos Seus filhos, o mal não é a punição pelos pecados, mas sim a disciplina que nos corrige. Não importa se ela vem na forma de um roubo, de uma diarreia, uma enchente ou mesmo o maior ataque diabólico possível. Ao contrário do que Jó pensava, Deus não procura pretextos contra Seus filhos nem os considera como inimigos. Não importa o que de ruim aconteceu: Deus não é nosso inimigo.

Mesmo quando o mal atinge aqueles que não servem a Deus, ainda aí o mal é permitido para levar os homens ao arrependimento. Quando sofremos por causa do nosso pecado ou do pecado de outros, o Senhor nos lembra que deixar os Seus mandamentos é algo que causa dor e prejuízo. Quando sofremos por causa de fatores que fogem ao nosso controle, como em uma catástrofe natural, o Senhor nos lembra de que o fim de todas as coisas vai acontecer de modo tão imprevisível quanto o momento da nossa morte. Se não temos controle sobre a próxima calamidade, devemos confessar isso diante do Deus que controla todas as coisas e nos rendermos diante d'Ele.

Todo sofrimento será compensado
Mas, afinal, qual a vantagem em servir a Deus? Se a nossa salvação não é uma garantia infalível contra os males que atingem a todos, por que deixar o pecado e servi-Lo? Era exatamente essa a angústia de Jó.

Jó não sabia, mas na verdade ele estava personificando a vida de Jesus. Se Jó era justo, Jesus viveu de modo perfeito. Se o sofrimento de Jó era uma injustiça, a maior de todas era fazer o Filho de Deus sofrer.

Quando sofremos, podemos encontrar consolo no fato de que Jesus também sofreu. Deus Pai não açoitou somente aos seus filhos adotivos, o seu Unigênito, embora inocente, também foi aperfeiçoado na mesma escola que nós:
Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, tendo sido nomeado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. (Hebreus 5:7-10)
Jesus foi rejeitado, xingado, acusado, caluniado, surrado, torturado, roubado e morto. Mais do que isso: Ele carregou em Seu corpo a culpa dos pecados da Igreja. Se a nossa carga de dores parece enorme, a d'Ele foi ainda maior.

Mas todo esse sofrimento foi compensado. Jesus, enquanto homem, aprendeu. Foi aperfeiçoado. Ganhou como prêmio o ser nomeado sumo sacerdote de Deus. Como diz a Bíblia:
Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu. (Isaías 53:10-12)
Jesus sofreu, mas ficou satisfeito quando viu o resultado de seu penoso trabalho. No final, aquele que teve o sofrimento supremo, foi exaltado acima de todos. E, de certa forma, isso é o que acontece com a igreja.

No final do livro de Jó, ele ora por amigos que pecaram contra ele, acusando-o (Jó 42:8-9). O justo sofredor ainda pediu ao Pai que perdoasse aqueles que fizeram falsas acusações. E, assim como Jesus, Jó também foi exaltado por Deus após seu sofrimento:
Assim, abençoou o SENHOR o último estado de Jó mais do que o primeiro; porque veio a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Também teve outros sete filhos e três filhas. Chamou o nome da primeira Jemima, o da outra, Quezia, e o da terceira, Quéren-Hapuque. Em toda aquela terra não se acharam mulheres tão formosas como as filhas de Jó; e seu pai lhes deu herança entre seus irmãos. Depois disto, viveu Jó cento e quarenta anos; e viu a seus filhos e aos filhos de seus filhos, até à quarta geração. Então, morreu Jó, velho e farto de dias. (Jó 42:12-17)
O que aconteceu com Jó é o que vai acontecer com todos os irmãos de Jesus, com todos os filhos de Deus. Pode ser que a exaltação só aconteça no último dia, quando o Senhor Jesus voltar. Mas cada presente roubado, cada pessoa perdida, cada dor que sentimos...tudo isso será compensado.

Males grandes e pequenos atingirão a mim, a você e a todos os filhos de Deus enquanto vivermos. Mas com Jó podemos aprender que Deus está sim no controle de tudo e que essas dores fazem parte de um plano maior do Senhor.
Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.
Soli Deo Gloria!

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

26 de janeiro de 2011

Coram Deo

Olá caros amigos e leitores,

Este é menos um post decente do que um breve comunicado. Embora tenha a matéria prima para trabalhar alguns pontos por aqui - as idéias que levantam as discussões - tenho pouco acesso à internet, e pouco tempo para desenvolver algo nestes dias.

No próximo sábado celebrarei a Deus pelo casamento com minha noiva - a blogueira do IvoneTirinhas - e vamos encarar o desafio de uma união Teorreferente (que busca reconhecer Deus como ponto de referência último de nossa vida), ou, como outros gostariam de dizer, um casamento Coram Deo (vivido diante da face de Deus).

A consciência de Deus faz toda a diferença na vida. Solteiro ou casado, sua existência é profundamente transformada pelo reconhecimento do Altíssimo revelado na Escritura. Este é o desafio que encaramos, esta é a batalha que travamos.

É sempre muito mais fácil escrever artigos sobre Teorreferência do que vivê-los. E, certamente, um cético ou outro cínico, podem ler tais posts com aquela expressão de desdém, dizendo que nunca conseguiremos cumprir tais preceitos por nós. Eu concordo plenamente. Nunca conseguiremos viver Coram Deo por nosso próprio esforço, inteligência, sofisticação, ou qualquer coisa considerada uma virtude. Tudo vem do alto.

A beleza da Teorreferência é que ela nos é concedida. Assim como a graça salvadora, a consciência de Deus vem do próprio Deus.

E assim temos esperança. Enquanto o ceticismo quanto ao casamento cresce, e muitos casais caminham para o divórcio, podemos seguir a contramão, sabendo que não precisamos (nem devemos) depender de nós para permanecermos juntos. Existe esperança enquanto houver reconhecimento de nossa condição frágil, e dependência do Autor do casamento.

E este é o anúncio. No próximo sábado, 29.01.2011, às 17h (horário de Brasília), cultuaremos a Deus pelo nosso casamento. Se vocês moram em Brasília, visite o http://www.eucaso.com/ para saber como cultuar conosco. Se vocês moram em qualquer outro lugar do País, ou do mundo, podem acompanhar a transmissão online, pelo mesmo site. (EuCaso.com). Apenas lembrem: se não adotam o horário de verão, acessem às 16h.

Orem por nós, para que sejamos testemunhos vivos de uma união Coram Deo, e uma evidência incontestável de que a graça abençoa e preserva o casamento em nossos dias.

Allen Porto edita o BJC e o EuCaso.com, e está com um friozinho gostoso na barriga =)

25 de janeiro de 2011

“Algumas certezas, muitas dúvidas” – Sobre a fé incrédula da espiritualidade pós-moderna

dúvida4

[Este é um post antigo do Optica Reformata. Fiz questão de reproduzi-lo aqui por conta de um certo alguém ter me feito lembrar de um certo Gondim…]

***

É interessante como o lema da propaganda do seriado global Malhação, algumas certezas, muitas dúvidas”, tem tudo a ver com o tipo de “espiritualidade” que muitos evangélicos tem abraçado nos dias de hoje. Ao contrário da espiritualidade do antigo Evangelho, que sempre se pautou mais pelas certezas do que pelas dúvidas dos crentes, o que pode ser percebido pela grandeza dos credos e confissões de fé antigas, a nova espiritualidade não apenas se firma sobre um terreno movediço, mas também parece até se orgulhar disso. E não estamos falando daquele tipo de questionamento sobre se o batismo deve ser por imersão ou por aspersão; ou se as mulheres devem ou não orar no culto, mas se os pontos fundamentais do cristianismo são mesmo tão fundamentais assim. Para quem ainda não a conhece, esta é a boa (ops!) e velha incredulidade, que na maioria das vezes se esconde sob a capa de um dócil espírito piedoso.

Ricardo Gondim escreveu um livro cujo título reflete muito bem o que propõe esse tipo de espiritualidade. O livro se chama Eu creio, mas tenho dúvidas – a graça de Deus e as nossas frágeis certezas [o negrito não é meu], e foi lançado pela editora Ultimato em 2007. Apesar do título aparentemente inofensivo e “piedoso”, o livro, que na realidade é uma coletânea de artigos do autor, no conjunto se mostra um verdadeiro amálgama não de crenças, mas de descrenças (salvo alguns capítulos em que ele apropriadamente rejeita o evangelho da prosperidade e outras esquisitices neopentecostais), onde há endossos (por vezes explícitos) a engodos como a teologia relacional e as teorias desconstrucionistas de Foucault e Derrida, somente para citar os mais relevantes. Curiosamente, o mesmo Ricardo Gondim fez a apresentação de outro livro com o mesmo tema, agora lançado pela editora Mundo Cristão, cujo título é Fé e Descrença, de autoria de Ruth Tucker (na realidade, o evento foi um debate sobre o assunto do livro, promovido pela própria editora). Confesso que não li toda a obra, mas a julgar pelo seu próprio título e também pelo tema abordado por Gondim em sua palestra de apresentação, a qual ele sugestivamente intitulou de “A fé de mãos dadas com a dúvida” (aqui), nem é preciso folheá-la toda para saber do que se trata.

O mais interessante é que os duvidosos se mostram sempre muito humildes e, na maioria dos casos, muito piedosos. Aliás, é bom que se diga que esta é, na realidade, uma das principais táticas que eles usam para não serem precocemente rechaçados. Na grande maioria das vezes eles adotam uma postura defensiva contra tudo aquilo que eles chamam de cristianismo “elitista”, “desumano”, “opressor”, “arrogante” e até “anticristão”, exaltando conceitos nobres como liberdade, diversidade, justiça e democracia, sempre com o intuito de que as pessoas os vejam como vítimas da “ortodoxia fundamentalista” (a “monolítica teologia evangélica estadunidense”) daqueles que reclamam para si o cristianismo histórico. Assim como existem os marginalizados sociais, os duvidosos se sentem como os “marginalizados teológicos” dessa disputa. Mas cuidado: em alguns casos tudo isso pode não passar de pura ironia.

Arrependo-me de ter aliciado algumas pessoas para meu texto. Atraí alguns imprudentes leitores e eles, coitados, passaram a gostar das minhas doidices autofágicas, das minhas apostasias teológicas e dos meus delírios existenciais. Pior, condenei-me a continuar escrevendo para alimentar esses famintos pintassilgos que, de bico aberto, esperam o insípido pão que regurgito em forma de palavra.

Gondim, Ricardo. Op. cit. p. 13.

É justo reconhecer, entretanto, que nem todos usam essa tática com o fim último de ganhar adeptos, embora isso acabe, no fim das contas, por aliciar gente inconstante e imatura para o terrível, porém convidativo, mar da incerteza, onde há pouquíssima luz e muita escuridão. A despeito de sua crença (ou da falta dela), também é bom que se diga que nem todos os duvidosos são, por assim dizer, libertinos práticos, pois nem todos estão envolvidos em escândalos sexuais, drogas, alcoolismo, lavagem de dinheiro e coisas do tipo, o que não os melhora em muita coisa, é verdade, mas que pelo menos livra suas caras das páginas que os jornais dedicam aos abusos eclesiásticos nossos de cada dia.

Toda essa maré de incertezas me faz crer que a máxima modernista de que “tudo o que é sólido desmancha-se no ar” (Marx) parece ter encontrado terreno fértil na religiosidade dos dias atuais. Na cultura hodierna a fé não pode mais sobreviver sem a dúvida. Melhor: as incertezas são infinitamente mais sublimes do que as convicções. A virtude de um homem não está mais na robustez de sua fé, e sim na fragilidade da mesma. Incrível isso, não? Como diria Humberto Gessinger, líder da banda de rock Engenheiros do Hawaii, “a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza”. Ora, é o próprio deus (de cognome “Papai”) do best-seller A Cabana quem diz que “a fé não cresce na casa da certeza”. Se foi “Deus” mesmo quem disse, o que questionar? Até mesmo o Espírito Santo (de cognome “Sarayu”) disse que “gosto demais da incerteza”. E, para que toda a Trindade enfim endosse esse culto à dúvida, só falta o parecer de Jesus, que não diz exatamente que está “incerto” quanto a algo, mas hilariamente declara que “eu não sou cristão” e que “minha vida não se destinava a tornar-se um exemplo a copiar”[1]. De fato, numa sociedade onde nem a própria divindade crê mais em uma verdade absoluta, nada disso surpreende.

Mas apesar de estar bastante em voga nos dias de hoje, essa temática na realidade é bem antiga. Não, não estou me referindo às teorias ateias de Marx nem ao Iluminismo, muito menos aos seus filhotes – os liberais. Estou me remontando ao Éden, pois foi lá que a guerra pela Verdade adentrou na História. Com uma clareza mais que indubitável, Deus havia dito ao casal que ele acabara de criar que se eles comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal certamente morreriam. Deus não disse que “provavelmente” a desobediência desembocaria em morte, mas “certamente morrerás” (Gn 2.17). Então a serpente, o mais sagaz de todos os animais selváticos, semeou a dúvida na mente de Eva: “Foi assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). O resultado final foi que o casal acabou cedendo à tentadora oferta que Santanás lhes propôs, a de ser “como Deus”, tendo sido lançada naquele dia as bases de um piso escorregadio que até hoje tem levado a humanidade a deslizar e cair em todas as formas de paganismo. E é justamente por isso que a dúvida tem conquistado o seu espaço no panteão moderno como uma divindade digna de ser adorada.

Àqueles que me oferecem, muito obrigado, mas eu não quero abraçar essa tal “espiritualidade”, pois ela propõe exatamente um outro deus, apesar de este ser sempre inclusivo, não preconceituoso e indulgente para com tudo, até mesmo para com os nada-indulgentes cristãos “tradicionais”. Não quero essa espiritualidade porque ela cheira àquilo que Paulo tanto advertiu a Timóteo, de que certas pessoas ostentariam um certo tipo de “piedade”, mas que no fim de tudo negariam o poder desta tanto por seu credo quanto por suas práticas malignas (2Tm 3.5), ainda que estas reluzissem como verdade (cf. 2Co 11.14). Não quero essa tal espiritualidade porque ela me faz lembrar dos místicos medievais, que, de tanto abraçar o “mistério”, acabaram por reduzir a fé cristã a meros exercícios ascéticos e contemplativos, mantendo viva a tocha gnóstica que os pais primitivos tanto lutaram para apagar. E por fim, não quero essa tal espiritualidade porque no fim das contas ela acaba desacreditando daquilo que o apóstolo denominou de “coluna e baluarte da verdade”: a igreja (1Tm 3.15).

Vou ficar mesmo com a fé do cristianismo histórico, que, a despeito da fragilidade de seus personagens, certamente diria com a mais firme convicção que as certezas sempre sobrepujam as dúvidas, ainda que estas não sejam poucas.

Soli Deo Gloria!

________________________________________

[1] Young, William P. A Cabana. Editora Sextante. As citações “entre aspas” encontram-se nas páginas 176, 190, 168 e 136, respectivamente.

24 de janeiro de 2011

O livre-arbítrio e Romanos 8:8

Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus. Rm 8:8

Introdução

A teoria do livre arbítrio pretende provar que o homem tem capacidade inerente para crer no evangelho e aceitar a Cristo. Pressupõe que o homem está numa situação de neutralidade ou equilíbrio moral e que diante da escolha proposta no evangelho o mesmo pode optar igualmente pela salvação ou condenação. Essa teoria tem ampla aceitação no meio evangélico, enquanto que a inabilidade inata do homem é vista como uma desculpa diante de Deus. Se o homem é incapaz de crer no evangelho por si mesmo, dizem, então ele não pode ser responsabilizado pela sua incredulidade. À parte e acima dessa aparente lógica, está o que a Bíblia declara a respeito da condição do homem. E o que ela declara é que é impossível que aqueles que estão na carne agradem a Deus.

1. Agradar a Deus

Agradar é fazer a vontade de alguém, acomodando-se aos desejos e interesesses de outros. Agradar a Deus é fazer aquilo que Lhe dá prazer, que lhe traz satisfação. Isso envolve disposição para abrir mão de agradar a si mesmo. Nesse sentido “Cristo não se agradou a si mesmo” (Rm 15:3), mas sempre fazia a vontade do Pai. Para os cristãos, como soldado de Cristo, “seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou” (2Tm 2:4). Além disso, agradar a Deus muitas vezes implica desagradar a outras pessoas. Paulo dizia “ou procuro agradar a homens? Se agradasse ainda a homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1:10), uma vez que “fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar Ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus” (1Ts 2:4).

Merece especial consideração o fato de que “sem fé é impossível agradar a Deus” (11:6). Dessa forma, a primeira coisa que se exige dos que se aproximam de Deus é que creiam nele. Os que estão na incredulidade não podem agradar a Deus, não importa o quanto suas obras sejam louváveis diante dos homens, pois “tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14:23). Para Deus, a primeira coisa que lhe é agradável é a fé depositada em seu Filho Jesus Cristo, mediante a pregação do evangelho. Mas, os que estão na carne não podem proporcionar-lhe este prazer, pois todos os ditames da sua natureza são no sentido de agradar a si mesmos.

2. Estar na carne

O que significa estar na carne? A expressão refere-se aos não regenerados apenas ou inclui também os chamados crentes nascidos de novo? A princípio, isso é indiferente para nossa análise, pois seja um crente ou um não nascido de novo, estando na carne não pode agradar a Deus. Mas, estar na carne é diferente de andar segundo a carne, como veremos.

A palavra carne na Bíblia tem uma ampla gama de significados, mas nas epístolas refere-se com frequência à natureza pecaminosa. Um cuidado que se deve ter é diferenciar as alusões ao corpo (σωμα) e carne (σαρξ), pois esta última é que frequentemente representa aquilo no homem que intenta agir à parte e ao contrário da vontade de Deus.

Paulo diz “eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7:18), João se refere “à concupiscência da carne” (1Jo 2:16) e Pedro às “concupiscências carnais que combatem contra a alma” (1Pe 2:11). Essa natureza pecaminosa, ou “inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7). Paulo, especialmente, usa a palavra carne como termo ético significando uma pessoa vivendo separada de Deus e sob domínio do pecado.

Há, contudo, uma diferença entre andar segundo a carne e estar na carne. Embora o crente possa “andar na carne”, não “está na carne”, pois mesmo “andando na carne, não militamos segundo a carne” (2Co 10:3). O crente não deve viver em conformidade com os instintos e pensamentos que surgem de sua natureza carnal, mas ser guiado pelo Espírito Deus. Embora possamos nos deixar levar por nossa natureza carnal, não devemos andar “segundo a carne, mas segundo o Espírito. Porque os que são segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito para as coisas do Espírito” (Rm 8:4-5). Aqueles “que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito” (Gl 5:24-25).

Mas no caso do não regenerado a situação é diferente, ele “está na carne”. Eles seguem a lei de sua própria natureza que “não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7). Sua natureza é hostil a Deus e àquilo que Deus exige na sua Santa Palavra. Por isso, em seu estado natural, o homem caído não tem prazer em Deus e não faz aquilo que agrada a Deus.

3. Não podem

O espírito denota poder. No Antigo Testamento o Senhor já havia dito “não por força nem por violência, mas sim pelo meu Espírito” (Zc 4:6). Prometendo o Consolador, Jesus disse “ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49) e “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo” (At 1:8). Por outro lado, “a carne é fraca” (Mc 14:38), identificada com enfermidade incapacitante, haja vista que “o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne” (Rm 8:3) teve que ser feito por Deus. Porque “o espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita” (Jo 6:63), só podemos agradar ao Senhor quando “servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne” (Fp 3:3).

Portanto, quem está na carne, não pode agradar a Deus. Não podemos atenuar essa declaração, fazendo parecer que é difícil ao não convertido agradar a Deus. A escritura está falando de uma impossibilidade absoluta, pois “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8:7). O termodunamis” refere-se a “ser capaz, ter poder quer pela virtude da habilidade e recursos próprios de alguém, ou de um estado de mente, ou através de circunstâncias favoráveis, ou pela permissão de lei ou costume; ser apto para fazer alguma coisa” (Strong). Essa palavra é precedida pela partícula de negação absoluta “ou” e não pela partícula de negação qualificada “me”. Portanto, quem não nasceu de novo é absolutamente incapaz de agradar a Deus.

Somente pelo Espírito Santo alguém pode vir agradar a Deus. “Ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo” (1Co 12:3). Mas, ao contrário do que pensam alguns, o Espírito não é dado indiscriminadamente, pois é “o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber” (Jo 3:27). O Senhor Espírito Santo age soberanamente no coração de Seus eleitos.

Conclusão

Aceitar a Jesus é, seguramente, algo que agrada a Deus. A teoria do livre-arbítrio declara que todo homem tem a capacidade, ante a oferta do evangelho, de igualmente aceitar ou rejeitar a Cristo. Porém, a declaração de Paulo em Rm 8:8 colide frontalmente com tal teoria, reduzindo-a a pó. Todo homem natural é absolutamente incapaz, de si e por si, de aceitar a Cristo, do que concluímos que o livre-arbítrio é uma quimera, algo puramente imaginário. Por outro lado, o Espírito Santo, operando pela Palavra de Deus, é o poder vivificante, que ressuscita o homem e o leva a viver uma nova vida em Cristo. E nisto o Senhor é glorificado.

Soli Deo Gloria

23 de janeiro de 2011

O mal de Agostinho e a graça de Deus

Acabei a leitura de "Santo Agostinho: o problema do mal", Ivan de Oliveira Silva, publicado pela editora Pilares. Trata-se do TCC do autor, para o curso graduação em Filosofia, da Universidade Mackenzie. Confesso que muita coisa me escapou, por minha deficiência em filosofia em geral, mas especialmente quanto alguns conceitos e terminologia.

O livro, como anuncia o título, trata da visão agostiniana sobre o problema do mal. O que segue, não é uma resenha do livro, mas uma síntese do que ele diz, sem entrar no mérito se concordo ou não, pois como disse, falta-me pré-requisitos para isso. Algumas afirmações do autor me pareceram não muito agostinianas.

O tratamento que Agostinho dá ao problema do mal é motivado pela sua rejeição ao maniqueísmo, que ele havia professado no passado. Segundo os seguidores de Mani, o mal coexiste eternamente em oposição ao bem, sendo os dois "poderes" iguais em força. No universo, o bem e o mal estão intermesclados e procuram vencer um ao outro. Pularei as implicações disto.

Em resposta, Agostinho afirma que o mal não existe ontologicamente, sendo mero distanciamento do bem. Não tendo existência real, o mal não foi criado e nenhuma criatura carrega a substância do mal, pois como alguém portaria o nada? E sendo nada, o mal sob o ponto de vista ontológico não pode ser evitado, pois o nada não pode se aproximar do bem.

Por outro lado, em sua relação com o homem, o mal existe como mal moral, que consiste no comportamento humano de afastar-se do Sumo Bem. Neste sentido, o mal é o pecado, sendo este tanto a causa como o efeito do mal. E esse afastar-se do bem se dá em função da vontade caída do homem, do uso que o homem faz de seu livre-arbítrio. Quanto mais se afasta do Criador, mais o homem piora a sua condição moral, o que vem acontecendo desde a queda.

Ao contrário do mal ontológico, o mal moral carece e tem antídoto. O remédio para o mal moral é a graça. Assim como o homem pela sua própria vontade pode somente afastar-se do bem, com o concurso da graça, pode aproximar-se do bem, o que pode ser entendido de Agostinho como sendo a salvação.

A graça não é imprescindível apenas para aproximar-se do bem, mas para a permanência nele também. Como a vontade do homem é tendenciosa ao mal moral, a perseverança no bem, é devida somente à graça. Para Agostinho, eis "que a perseverança final no bem seja um excelente dom de Deus e que sua procedência seja aquele do qual está escrito: 'todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do pai das luzes' Tg 1:17".
 
Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

20 de janeiro de 2011

Como o calvinismo pode salvar seu casamento

Também publicado no EuCaso.com

O título do post engana. Não se trata de um artigo para pessoas com casamento em crise - embora possa ser aplicado nesse contexto. Não tenta descrever o calvinismo como um método de "terapia conjugal", mas descreve elementos do pensamento reformado que possibilitam uma vida a dois mais saudável.

Estou às vésperas do casamento - exatamente a 9 dias dele. E por isso é natural que minha mente esteja voltada para o assunto. Minhas leituras também.

Enquanto leio e reflito sobre os autores reformados que escrevem sobre o casamento e a vida em família, como C. J. Mahaney, Paul Tripp, Martyn Lloyd-Jones e Augustus Nicodemus Lopes, percebo que existe uma maneira distinta do calvinista observar o matrimônio. Que elementos, então, tornam o calvinismo melhor preparado para abordar o casamento e a vida em família? Listo alguns:

1. O calvinismo observa a realidade a partir da tríade Criação-Queda-Redenção

Existe um modo peculiar do pensamento reformado encarar a realidade. Agostinho, Calvino, Kuyper, Herman Dooyeweerd e Francis Schaeffer são exemplos de uma linhagem calvinista que produziu bastante a partir desse modo de perceber o mundo e a história. Por meio do pensamento deles, somos confrontados com uma visão integrada e completa dos fenômenos - obviamente, não perfeita. Em vez de um ferramentário dicotômico (ao estilo matéria x forma, ou natureza x graça), o pensamento calvinista lida com o casamento usando instrumentos adequados - percebe que o homem foi criado sem pecado, e o casamento foi instituído ainda em um tempo de pureza e plenitude. Compreende que o homem pecou, e os efeitos do pecado foram cósmicos - por isso o casamento apresenta lutas e dificuldades. Crê que existe redenção na obra de Jesus, que restaura o homem como um todo, resgatando o significado do casamento, o amor, e as virtudes que possibilitam a vida a dois.

Sem fantasiar sobre a realidade, ou fugir da tentativa de compreendê-lo, o calvinista possui um quadro de referência que permite uma análise cautelosa e verdadeira das crises conjugais, bem como o conhecimento do "lugar" onde tais questões encontram luz e solução. [Na verdade é uma pessoa, não um lugar].

2. O calvinismo compreende a depravação do coração humano

Uma aborgadem comum de problemas conjugais tentará identificar "causas" em objetos ou circunstâncias. A TPM, o estresse, a roupa, a falta disso ou daquilo, será identificado como "o problema a ser resolvido". Com tal diagnóstico, o tratamento será um mês de férias, a diminuição do ritmo de trabalho, a mudança de alguns hábitos, etc. Provavelmente algum resultado positivo será obtido nas primeiras semanas, mas logo se perceberá que o problema, se não retornou como antes, foi "realocado" para uma área próxima.

O calvinista compreende que o problema central no casamento não são as circunstâncias. Elas apenas criam ocasiões para transbordar o que está no coração humano. Assim, o foco do tratamento deve ser o coração.

A antropologia reformada permite compreender a questão central que direciona todos os outros problemas surgidos no contexto do casamento - o pecado no coração do homem. No calvinismo existe um diagnóstico correto, o que permite o tratamento devido.

Como reformado, eu deveria reconhecer que o problema no meu casamento é o meu coração - sou eu.

3. O calvinismo enfatiza a soberania e providência de Deus

Enquanto outras correntes do cenário cristão buscam salvaguardar o livre-arbítrio humano, e assim tentam limitar pelo menos um pouco a atuação Divina, o calvinismo proclama, sem reservas, o governo absoluto de Deus sobre todas as coisas.

Nada surpreende o Senhor, nada foge de Seus decretos. Nada frustra os Seus planos e nada (nem ninguém) resiste à Sua vontade. Deus é soberano. Perfeita e plenamente Senhor sobre os céus e a terra, bem como sobre todos os que neles habitam. O Seu governo se estende do elemento mais simples ao mais complexo, da situação mais singela à mais difícil.

No contexto do casamento, a fé na soberania e providência de Deus traz conforto e segurança. As piores lutas não estão fora do controle do Senhor, e não passam despercebidas por Ele. As maiores alegrias também são desfrutadas a partir do reconhecimento de que há um "dedo" Divino nisso tudo.

A fé na soberania de Deus nos dá o maior de todos os recursos na luta contra o pecado da ansiedade - o olhar para o Senhor de tudo, e clamar a Ele. Não há luta que Ele não possa resolver.

4. O calvinismo ressalta o propósito da existência humana: a glória de Deus

A máxima calvinista grita alto: "Soli Deo Gloria!". O Catecismo Maior de Westminster responde: "o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre". Está cristalizada na tradição reformada a noção da glória de Deus como o fator que dirige a vida humana. Ecoando o apóstolo Paulo, os reformados dizem que as coisas são feitas "para o louvor da Sua glória" (Ef.1.12), e que devemos "fazer tudo para a glória de Deus" (1Co.10.31).

Na vida conjugal, tal noção indica que o casamento é mais sobre Deus e Sua glória do que sobre a união de duas pessoas. O matrimônio é melhor vivido quando a sua Teorreferência é deliberada e contínua. Deus é o centro. A Ele a glória.

Isso significa que, no conflito de opiniões, a busca de satisfação pessoal - como se a minha glória fosse o mais importante - deve ser colocada em segundo plano, diante da tentativa de glorificar a Deus na resolução de conflitos e na tomada de decisões. Obviamente, como o coração do homem está comprometido, várias serão as vezes em que os calvinistas não cumprirão este propósito. Mas eles têm um alvo, uma confissão. Eles caminham para isso, e por isso lutam.

O credo calvinista reserva a Deus o lugar mais importante na vida a dois. Ninguém mais é tão relevante, nem os noivos, nem os familiares, nem os filhos. Ninguém além do Senhor.

Ad infinitum (?)

Cada um dos pontos do calvinismo, ou dos solas, ou dos símbolos de fé, poderia gerar um elemento que distingue o calvinismo e possui aplicações para o casamento. Alguns argumentarão aqui que muitos dos princípios que destaquei são partilhados tanto por calvinistas, quanto por não-calvinistas. Eu não criaria confusão com isso. Posso concordar que alguns dos pontos mencionados são, de fato, abraçados por irmãos não-reformados. A questão é que, fora do conjunto de pressupostos do pensamento calvinista, esses pontos estão soltos e mal explicados. Fora do contexto no qual eles são integrados e fazem sentido, perdem força - embora ainda tenham alguma.

Por isso penso ser o calvinismo distinto no casamento. Ele pode salvar a vida a dois, na medida em que trabalha com pressupostos e princípios fundamentais para promover a humildade no trato com o outro, o reconhecimento da incapacidade pessoal, a dependência da ação Divina, e o objetivo correto de se unir eternamente a alguém.

Soli Deo Gloria.


Allen Porto escreve no BJC está louco para casar.

18 de janeiro de 2011

Cessacionismo x Continuísmo: a Grande (e confusa!) Batalha

Se o debate entre cessacionistas e continuístas se resumisse apenas a questões terminológicas, talvez a gente tirasse de letra. Mas não é. Tudo bem. Vamos considerar por ora as terminologias. O que configura exatamente as duas perspectivas? Talvez a resposta mais convencional seja a de que o cessacionista é aquele que crê que certos dons espirituais e extraordinários (miraculosos) operaram na igreja somente na era apostólica, e que os mesmos cessaram definitivamente até o final do primeiro século; ao passo que o continuísta é aquele que crê que todos os dons existentes no Novo Testamento, miraculosos ou não, ainda continuam sendo derramados pelo Espírito até que Cristo volte. Satisfeitos? Eu não. Aliás, tenho enormes dificuldades com certas terminologias. Em muitos casos elas não dizem muita coisa.

[Onde começa um e onde termina o outro?]

Apesar do “x” que coloca as duas perspectivas em extrema oposição no título deste post, penso que seja mais razoável falarmos em “cessacionismo e continuísmo”. Isto porque, em minha opinião, todo cessacionista é um continuísta potencial, e vice-versa. Antes dos “fiscais da ortodoxia alheia” (adorei essa, Gaspar!) me acusarem de “traidor da Confissão” e coisas do tipo, vou dar aqui um belo exemplo daquilo que eu chamaria de “continuísmo cessacionista”; exemplo este baseado no conceito que nós, reformados em geral, temos da tarefa da pregação. Veja o que diz Paulo Anglada, um dos mais respeitados teólogos reformados do Brasil:

A autoridade da pregação no Novo Testamento se fundamenta na comissão do pregador e depende da sua fidelidade à mensagem. Algumas passagens do Novo Testamento e a própria terminologia empregada indicam que, na qualidade de arauto, o pregador é um porta voz de Cristo, que sua pregação deve ser recebida como Palavra de Deus, e sua voz equiparada à voz de Cristo. […] Deveriam esses textos [no caso, Mt 10.17;20; 28.20; 2 Co 2.17; e 1 Ts 2.9,13] ser interpretados como casos particulares, relacionados apenas à inspiração apostólica; ou em termos mais amplos, com relação à autoridade da pregação dos ministros da Palavra? Algumas passagens [no caso, Lc 10.16; Rm 10.14; e Hb 1.1-2; 2.1-3; 3.7,8,15; 4.7; 12.25; 13.7-8] parecem apontar para a segunda possibilidade.

(ANGLADA, Paulo. Introdução à pregação reformada – uma investigação histórica sobre o modelo bíblico-reformado de pregação. Knox Publicações, 2005. Pág. 41, 42, 43. Itálicos meus).

Anglada é ainda mais contundente quando, fazendo exegese, se refere à carta aos Hebreus:

Quando, no final da carta, o autor exorta seus leitores a lembrarem-se dos seus guias espirituais “os quais vos pregaram a palavra de Deus” (13.7), mencionando no verso seguinte que “Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre”, não estamos autorizados a concluir que na pregação da Palavra de Deus, Cristo faz ouvir a sua voz, exigindo irrestrita obediência dos ouvintes?

(Idem. Pág. 43-44).

As resoluções de Anglada lembram e muito um dos aspectos do dom de profecia no Novo Testamento, que é justamente a explicação e aplicação da Palavra à igreja (sobre o que pretendo tratar em outro post, se Deus permitir). Mas se você perguntar a um cessacionista se ainda existe profetas nos dias de hoje, poucos farão um esforço no sentido de definir biblicamente quais eram os atributos dos profetas, bem como o conteúdo de suas mensagens. Provavelmente, a resposta para sua pergunta seria um apressado e sonoro “não!”. Longe estou de sugerir que Paulo Anglada deva ser enquadrado naquilo que falei sobre o “continuísmo cessacionista”, visto que ainda não li nada dele sobre o debate em questão. Mas se ele ainda não se constitui em unanimidade entre os calvinistas cessacionistas e continuístas, talvez Calvino sim. Ou, de repente, não… Vejamos:

Onde quer que seja pregado o evangelho, é como se Deus viesse para o meio de nós. […] É certo que se vamos à igreja, não ouviremos apenas um homem mortal falando, mas sentiremos que Deus (por meio do seu poder secreto) está falando à nossa alma; sentiremos que Ele é o professor. […] Deus nos chama para si como se estivesse falando-nos por sua própria boca e pudéssemos vê-lo ali, em pessoa.

(CALVINO, João. Sermon on the epistle to the Ephesians. Carlisle, PA; Edinburgh, Scotland: The Banner of Truh Trust, 1562, 1577, 1973, 1979, 1987, 1998. p. 42. Citado por Steven Lawson em A arte expositiva de Calvino. Editora Fiel, 2008. p. 37).

Novamente, não me estenderei aqui por já estar preparando um post acerca da perspectiva de Calvino quanto à profecia. Embora não seja justo cansar a noiva antes do baile, faço questão de adiantar que a pesquisa apenas confirmará o mesmo ponto supracitado.

Mas os continuístas também tem lá o seu quê de cessacionismo. E como tem! Um exemplo? Simples: pergunte a qualquer continuísta sério se ele realmente crê que alguém, por mais cheio que seja (ou esteja) do Espírito, tenha a graça de ressuscitar alguém dentre os mortos, como o fez Pedro, por exemplo (At 9.40,41); ou então de curar enfermos simplesmente por meio de peças de roupas, como aconteceu a Paulo (At 19.12); ou então de estender um pedaço de pau e abrir um mar inteiro, como Moisés (Êx 14.15-31). Tudo bem, o exemplo citado de Moisés (e Paulo, quem sabe…) não se trata exatamente de um dom. Mas aqui temos outra confusão, e esta é entre dons e milagres. Se você me perguntar se Deus ainda cura doenças eu lhes respondo que “sim”. Mas se você me perguntar se existe alguém com o dom de cura, aí eu devo responder que “não”. Milagres, sim; dom, não necessariamente. Aqui ainda cabe outra confusão, e esta se refere aos tipos de milagres em si. Se alguém chegar para mim argumentando que podemos tudo porque “Jesus mesmo disse que ‘obras maiores do que estas vocês realizarão’”, aí eu vou pedir a esse irmão para realizar não menos que a ressurreição de algum morto. Entendam bem: a grande questão não é se Deus pode fazer estas coisas (abrir o mar, trasladar pessoas para o céu, retroceder a sombra do sol em dez graus, ruir as muralhas de Jericó, etc.). Sim, Ele pode! Mas a questão é: Ele está fazendo coisas assim nos dias de hoje? Pode Deus transportar o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro para São Paulo? Visto que é Ele quem domina sobre os montes, claro que sim! Mas até que Ele não faça isso, os paulistas deverão se contentar apenas com a rede de supermercados homônima. Afora o tom irônico, há ou não certo cessacionismo no continuísmo?

[Mais confusão…]

Mas a confusão criada pela ala tresloucada dos continuístas (a qual eu chamaria de “caosrismáticos”) tem feito com que os cessacionistas acabem considerando quase todos os continuístas como farinha do mesmo saco. A julgar pelo trato que alguns cessacionistas dispensam aos que pensam diferente deles, inclino-me a crer que os reformados continuístas acabam escapando da degola (ou do “saco”, como queiram) somente porque ainda são “conservadores” em termos de soteriologia. Digo isso porque há, lamentavelmente, cessacionistas que chegam ao ponto de considerar os nossos irmãos pentecostais como “hereges” e “apóstatas”. E não porque os pentecostais tenham negado a divindade de Jesus ou sua ressurreição (como os liberais), mas extamente porque negam o que o cessacionismo (pelo menos ala mais radical deste) afirma. Desconfio seriamente que essa postura soa como um aviso para que os continuístas calvinistas ponham suas barbas de molho.

Mas é bom que se diga que certos continuístas também pecam pela falta de tato e pelo extremismo ao rotular os outros. Por exemplo, Vincent Cheung disse que considera os cessacionistas como “deístas práticos” e que, “sem relegá-lo ao nível de heresia”, vê o cessacionismo como uma doutrina “perigosa, vergonhosa e falsa”, que tem inflingido “tremendo dano à causa de Cristo, e contribuído para a situação lúgubre de alguns setores da igreja por toda a história e nos presentes dias”. Cheung ainda diz que “não contribui para uma discussão sóbria usar pessoas como Benny Hinn e Kenneth Copeland para determinar se a Escritura ensina a continuação dos dons espirituais”, e que “os carismáticos poderiam muito bem usar os ateístas para representar os cessacionistas, em cujo caso ganhariam o debate imediatamente”. Devo concordar com Cheung no que tange a usar como parâmetro para o debate líderes carismáticos caóticos, esdrúxulos e explicitamente desequilibrados como Benny Hinn e semelhantes. Certamente os “caosrismáticos” não representam a ala mais sóbria dos continuístas. “Existem vários recursos eruditos que refutam o cessacionismo, e é contra eles que os cessacionistas devem responder” [1], completa Cheung. Certíssimo! Contudo, discordo totalmente da noção de que o cessacionismo se constitui num deísmo prático; que é perigoso, vergonhoso e falso; e que tem contribuído para a situação letárgica de alguns setores da igreja ao longo dos séculos. Ora, se for assim é justo dizer que os responsáveis diretos pelo surgimento dos “Hagins” e “Hinns” da vida são os pentecostais. Discordo ainda mais do paralelo desrespeitoso e descabido entre cessacionistas e ateus. Então quer dizer que, dentro dessa linha de racioncínio, os cessacionistas estariam certos se comparassem a teologia pentecostal à salada mística da Nova Era, não é? Embora eu entenda Cheung, não justifico sua postura. Ele deveria pelos menos reconhecer que nem todo cessacionista é xiita, assim como nem todo continuísta é xamã. Um extremo leva a outro.

[Matéria de salvação?]

Além disso tudo, outro grande problema é que as partes discutem o assunto como se o mesmo fosse matéria de salvação; como se algum ponto fundamental do Cristianismo (como as doutrinas da justificação pela fé somente, da Encarnação e da ressurreição de Cristo, por exemplo) estivesse em jogo. Entendam bem: não estou relegando a pneumatologia a um plano inferior dentro da teologia, mas apenas dizendo que esse tipo de divergência ao qual estamos nos referindo aqui não torna absurdamente heréticas as partes conflitantes, como são absurdamente heréticos o sabelianismo, o teísmo aberto e o liberalismo, por exemplo. Sustentar o contrário seria o mesmo que dizer que apenas os que entendem a eleição é que serão salvos. Quando a coisa vai por esse caminho, declino do debate. Já se foi o tempo em que eu arrancava os cabelos por essas coisas.

[Conclusão]

Os cessacionistas dirão: “fim de papo”. Os continuístas dirão: “to be continued…”. Até que Cristo de fato volte, penso que sempre será assim. Que seja, mas que haja mais respeito entre as partes! Que cada um procure entender a perspectiva alheia e esclareça a sua própria, não somente para um melhor entendimento do assunto, mas para que a Verdade promova a humildade no seio dos envolvidos. E que a Escritura sempre seja, como bem rezam nossos símbolos de fé, o Juiz em tudo. Submetamo-nos, pois, ao Espírito que por ela ainda fala.

Soli Deo Gloria!

P.S.: Em meu blog falei algo sobre o “cessacionismo que defendo” (aqui). A presente postagem aqui no 5 Calvinistas, portanto, vem esclarecer em parte o que eu quis dizer alhures.

______________________

[1] Site Monergismo.

14 de janeiro de 2011

Como ajudar os afetados pelas enchentes no Rio de Janeiro


Post atualizado em 16 de janeiro de 2011.

Amados leitores,

Conselho de Ação Social da IPB abriu uma conta no Banco do Brasil específica para ajudar os afetados pelas enchentes e desmoronamentos no estado do Rio de Janeiro. Os dados são:

Igreja Presbiteriana do Brasil
CNPJ: 001183310002/01
Banco do Brasil
Agência: 4442-3
Conta Corrente - 6000-3

Todas as doações devem terminar com R$ 2,00 (por exemplo, R$ 202,00).

Além disso, a IPB pede a doação dos seguintes materiais: água, velas, alimentos não perecíveis, leite em pó, material de limpeza e higiene pessoal, colchão, roupas e calçados em bom estado, roupas íntimas novas para adultos e crianças, roupas de cama, mesa e banho.

Segundo o blog O Tempora, O Mores, o Presbitério de Magé (RJ) também está recebendo doações para ajudar os afetados pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro. Quem puder fazer doações diretamente a este Presbitério por meio de transferência bancária:

Para doações em dinheiro - Presbitério de Magé, Banco Bradesco, Agência 1546-6, conta corrente, 7806-9. (CNPJ 01.264.150-0001/75)

Quem quiser doar alimentos ou roupas, pode levar as suas doações para o seguinte endereço: Avenida 02, No. 21, Jardim Novo Mundo, Magé. As necessidades são de roupas em perfeito estado; roupas íntimas novas; roupas de cama, mesa e banho; alimentos não perecíveis, velas, material de higiene pessoal, limpeza, entre outros.

Uma outra denominação, tradicional mas não reformada, a Igreja Cristã Evangélica do Brasil também está recebendo doações. A Igreja Cristã Evangélica de Queirós fica em São José do Vale do Rio Preto (RJ), uma  das cidades mais atingidas. As doações em dinheiro podem ser feitas na seguinte conta:

SOS ICE Queirós - Banco Bradesco, agência 0240, c/c 59677-9, em nome da Igreja Cristã Evangélica do Brasil.

Que possamos nos mobilizar para ajudar os nossos irmãos em Cristo em dificuldade...e também ajudá-los a terem com o quê socorrer aos demais, em nome de Jesus.

Governo
Quem quiser também pode doar quantias em dinheiro para prefeituras e para a Defesa Civil. As informações abaixo foram obtidas no site do Estadão:

Prefeitura de Teresópolis - Banco do Brasil, agência 0741, C/C 110000-9

Prefeitura de Nova Friburgo - Banco do Brasil, agência 0335-2, C/C 120000-3

Defesa Civil - Caixa Econômica Federal, Agência 0199, C/C 2011-0 para a operação 006

Publique essas informações em seu blog e divulgue no Twitter, no Facebook, no Orkut, em sua igreja local, na sua escola, no trabalho e onde mais for possível.

12 de janeiro de 2011

A doutrina da imputação

E, se algum dano te fez ou se te deve alguma coisa, lança tudo em minha conta. Fm 18

Numa forma bastante simplificada, imputar significa “colocar na conta de”, “atribuir a”. Nas Escrituras, o termo imputar denota atribuir alguma coisa a uma pessoa ou encarregar alguém de algo ou, ainda, lançar alguma coisa na conta de alguém. Num sentido judicial, a imputação pode ser a base para recompensa e punição. O termo imputar e seus cognatos são utilizados várias vezes para traduzir o verbo hebraico chashabh e o verbo grego logizomai (ISBE).

O conceito está intimamente relacionado a três grandes verdades teológicas: o pecado original (a culpa de Adão é imputada a todos os seus descendentes), a expiação (nossos pecados são imputados a Cristo) e a justificação (a justiça de Cristo é imputada a nós). Ou seja, a imputação está fortemente ligada à reconciliação entre Deus e o homem. Na carta de Paulo a Filemon a idéia é belamente exemplificada. Paulo pede a Filemon que se reconcilie com Onésimo e para isso aceita que a dívida deste seja lançada em sua própria conta.

A imputação da culpa de Adão à sua descendência

O pecado original é um defeito da natureza humana causada pela Queda e consiste na perda e, consequentemente, na ausência da retidão original. O pecado original consiste na culpa hereditária, imputada a toda descendência de Adão e na corrupção hereditária, transmitida a todos os descendentes de Adão e Eva por geração.

No que se refere à imputação do pecado original, os teólogos constumam distinguir, e discordar quanto, a imputação mediata e imediata. Imputação mediata refere-se à divina atribuição da culpa pelo pecado por causa da corrupção hereditária de todas as pessoas. Assim, a imputação mediata é dependente da corrupção individual dos seres humanos. Por outro lado, a imputação imediata refere-se à divina atribuição de culpa a todas as pessoas por causa da Queda, isto é, a culpa pela Queda é atribuída a toda descendência de Adão e Eva à parte de sua corrupção hereditária. Os luteranos tendem a reconhecer tanto a imputação mediata quanto a imediata, os reformados, seguindo a teologia dos pactos e sua visão de Adão como representante federal, tendem a aceitar a imputação imediata apenas, excluindo a imputação mediata. A escola de Saumur vai na direção contrária, ensinando a imputação mediata apenas, o que é rejeitado pelos calvinistas, pois é prejudicial à imputação da satisfação de Cristo. Os socianianos e alguns arminianos negam qualquer tipo de imputação do pecado. Pelágio, acreditava que Deus criava todas as almas diretamente, por isso cada pessoa nascia inocente e imaculada. Para Armínio, a culpa pelo pecado de Adão não era imputada diretamente, mas apenas quando o homem aliava-se a esse pecado pelos seus próprio. Embora não considerasse que o homem nasce com a retidão original, entendia que “Deus concede a cada indivíduo, desde a primeira aurora da consciência, luz que é suficiente para anular a influência da depravação herdada”.

Paulo escreve que “por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (Rm 5:12). Esclarece o apóstolo que “pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores”, ou seja, o pecado de um foi imputado a toda a raça, haja vista ser este homem representante de todos, por isso que “todos morrem em Adão” (1Co 15:22).

A imputação dos nossos pecado a Cristo

Além da culpa herdada pelo pecado de Adão, cada pessoa é culpada pelos seus próprios pecados. Quanto ao Senhor Jesus, devido à sua concepção sobrenatural, nasceu livre da culpa pelo pecado de Adão e durante toda sua vida nunca pecou. Porém, quando “Aquele que não conheceu pecado” morreu como nosso substituto, Deus “O fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5:21). Então, Cristo estava “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça” (1Pe 2:24), pois “o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (Is 53:6).

Embora o termo imputação não apareça em textos bíblicos sobre a transferência de nossos pecados a Cristo, o conceito é tipificado no sistema sacrifical do Antigo Testamento. “E Arão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniqüidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode, e enviá-lo-á ao deserto, pela mão de um homem designado para isso. Assim aquele bode levará sobre si todas as iniqüidades deles à terra solitária; e deixará o bode no deserto” (Lv 16:21-22). A aplicação disso a Cristo é visto, por exemplo, em Hb 2:9: “aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos”.

A imputação da justiça de Cristo a nós

De Gênesis a Apocalipse a Bíblia ensina que a condição do pecador é a de “um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu” (Ap 3:17, cf. Gn 3:7). Diante da expectativa de encontrar-se com Deus, sua reação instintiva é de vestir-se de justiça própria, mas o Senhor considera “todas as nossas justiças como trapo da imundícia” (Is 64:6). Somente quando Deus nos veste com Sua justiça, podemos dizer “regozijar-me-ei muito no SENHOR, a minha alma se alegrará no meu Deus; porque me vestiu de roupas de salvação, cobriu-me com o manto de justiça, como um noivo se adorna com turbante sacerdotal, e como a noiva que se enfeita com as suas jóias” (Is 66:10). E este vestir de Deus vem a nós por imputação.

A imputação da satisfação de Cristo é a base da justificação pela graça mediante a fé. O pagamento de Cristo pelos pecados é imputado a nós, de forma que não precisamos mais pagar pelos nossos pecados. Os injustos são considerados justos sobre o fundamento de sua fé. E como a justa satisfação de Cristo é imputada imediatamente aos crentes, sem que nenhuma justiça esteja presente neles ou quallquer satisfação seja feita por eles antes da imputação, então a imputação do pecado também deve ser imediata.

A imputação da retidão de Cristo ao crente é o tema do quarto capítulo de Romanos, além de outras passagens. Pela Sua vida de perfeita obediência, Jesus é chamado de “o Santo e Justo” (At 3:14). Jesus viveu uma vida santa não apenas para Si, “mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4:24-25). É somente por causa da justiça de Cristo a nós atribuída que poderemos, naquele dia, ser apresentados “imaculados diante da sua glória” (Jd 24). Aliás, em qualquer momento, nós so podemos ficar em pé na presença de Deus por causa da justiça que Cristo atribuiu a nós pela Sua morte sacrificial em nosso favor.

Implicações

É impossível referir todas as implicações que podemos derivar da doutrina da imputação. Refiro-me a três delas, apenas. A primeira, é que sendo descendência de Adão, não nascemos inocentes e somos culpados diante de Deus. Considerar isso injusto é também insurgir-se contra a justificação pela fé, pois o mecanismo, por assim dizer, é o mesmo. Somos culpados diante de um Deus três vezes santo.

Em segundo lugar, é que sendo justificados através da imputação da justiça de Cristo, não temos do que nos gloriar diante de Deus. Não somos menos merecedores do inferno do que aqueles que para lá vão. Se podemos comparecer diante de Deus em retidão, isso é devido unicamente, à justiça de outro, a saber, Jesus Cristo. Portanto, toda glória é devida a Ele, e nada a nós.

Finalmente, há a segurança que a doutrina da imputação nos dá. Pois se somos aceitos diante de Deus pela justiça de Cristo, e sendo esta perfeita, não há por que temer pela nossa segurança eterna. Paulo se refere a isso quando diz “agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1). No final do capítulo ele pergunta: “quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8:33). Portanto, se cremos na justificação por imputação a nós da justiça de Cristo, não tememos pela nossa salvação eterna.

Soli Deo Gloria
Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.