26 de maio de 2011

A obtusidade evangélica

...with Kuyper I believe that unless we press the crown rights of our King in every realm we shall not long retain them in any realm. Cornelius Van Til

...com Kuyper eu acredito que a menos que imprimamos os direitos de coroa do nosso Rei em cada esfera, não mais manteremos tais direitos em qualquer esfera. CVT

    Os acontecimentos recentes envolvendo rumos jurídicos, políticos e educacionais do Brasil - aprovação da união estável de homossexuais, discussões sobre o PLC 122/06 e a elaboração de um kit exaltando o homossexualismo a ser entregue para crianças na escola - provaram um ponto: os evangélicos são mestres em "entregar o ouro ao bandido". Por "evangélicos" aqui, pretendo ser o mais abrangente possível: reformados, pentecostais clássicos, neopentecostais, tradicionais... o raio! Em uma expressão de ecumenismo poucas vezes manifestada na história brasileira, os evangélicos dão as mãos para manifestar sua obtusidade.
    Obviamente, há quem faça a diferença aqui e ali. Pela graça de Deus, algumas dessas manifestações até produzem resultados benéficos, como a recente vitória quanto à distribuição dos kits pró-homossexualismo para crianças. Provavelmente a vitória neste último item é estritamente a proibição da entrega de tais kits, pois a abordagem da bancada evangélica e os compromissos assumidos não honram o cristianismo.
Os crentes: reivindicam o Brasil para Jesus em marchas,
enquanto entregam o país a satanás no dia a dia
    Avaliando o cenário geral, creio que estamos colhendo o que plantamos, para usar a linguagem de Gl.6. Não cultivamos, em nosso país, a cultura de uma presença evangélica marcante no espaço público. Sempre caminhamos à margem da sociedade, em um discurso paralelo, ora de pessimismo, ora de triunfalismo. Levamos a declaração "o meu reino não é deste mundo" (Jo.18.36) ao extremo de desvincular absolutamente a obra de Jesus da realidade extra-eclesiástica. E assim seguimos apresentando na igreja assuntos desconectados da vida comum do povo - os assuntos "espirituais". Cheios de boa intenção, irmãos piedosos ficaram exclusivamente com a oração e evangelismo, entregando suas vidas a Deus, enquanto entregavam a satanás as demais esferas da sociedade, como a família, o Estado, a ciência e universidade, e as artes. A tragédia é que nem o evangelismo fizemos adequadamente, porque logo desviamos o foco do evangelho para o moralismo. Pagamos o preço por uma omissão cultural tão grande, que agora os ímpios pretendem nos dizer o que é a arte cristã - cf. a presença da Sony no mercado gospel, e a entrevista de Latino afirmando que pretende entrar no ramo - sem se converter, lógico.
    Temos pecado. Ao entregar as esferas da vida a satanás - não digo intencionalmente, é apenas o que aconteceu em termos práticos - cavamos a cova na qual seríamos enterrados, criamos um cerco ao nosso redor, do qual precisamos nos livrar, mas não sabemos como. O que nos resta, agora, é retuitar mensagens de reclamação, postar alguma coisa em tom inconformado no facebook, e, talvez, fazer um abaixo assinado aqui ou ali - com pouca, ou nenhuma articulação consistente. Enquanto isso, o lobby gayzista ganha uma batalha após a outra, as estruturas de poder caminham para a iniquidade sem pensar duas vezes, a sociedade se acostuma com noções cada vez mais anticristãs, e a bancada evangélica no congresso mantém apenas o nome, sem pensar o Estado a partir da Bíblia e do evangelho.
    O que causou e tem causado tal omissão? Por que deixamos de imprimir a marca dos direitos reais de Jesus sobre o todo da vida? Que forças nos têm levado à obtusidade? Penso que, em uma rápida listagem, pelo menos cinco itens precisam ser considerados.

1 A fraqueza bíblico-teológica da igreja
    A nascente da irrelevância evangélica - embora o termo "relevância" seja muito querido em nossos arraiais - está em nosso modo de lidar com a Bíblia. Conquanto o discurso fale bem da Palavra de Deus, a prática revela desconhecimento e descaso para com o Livro Sagrado. Os pentecostais e neopentecostais diminuíram a autoridade da Escritura diante das experiências, e os reformados e tradicionais reduziram tal autoridade em face das tradições. A Bíblia passou a ser vista pelo povo evangélico como um livro de receitas, um manual pragmático para lidar com situações pontuais, normalmente relacionadas ao contexto específico da igreja, ou ao que chamamos de "vida espiritual".
    Os resultados desta aproximação da Escritura são estudos fracos do texto, exegese pobre (quando há), hermenêuticas diversas sem objetivos fiéis, e o despreparo de várias gerações diante do todo da vida. Sabemos encontrar o livro e o versículo, mas não sabemos fazer a correlação entre o conteúdo bíblico e a integralidade de nossa experiência presente. A Bíblia nem mesmo continuou sendo percebida como a história da redenção promovida pelo Pai, por meio de Jesus, no poder do Espírito - as reuniões de pequenos grupos e estudos bíblicos hoje lêem o texto e perguntam: "o que isso significa para você?", desprezando a interpretação em termos do contexto redentivo.
    A reflexão teológica foi deixada em segundo plano, como obra de pessoas frias e sem o Espírito, e com isso entregamos a nossa alfabetização teológica a seres despreparados (talvez com boa retórica, apenas). É fácil notar: muitas igrejas não possuem uma teologia do culto definida - e assim adotam o que aparecer como algo inovador ou "relevante" - , não possuem uma teologia da adoração definida - e assim transitam entre esquemas opostos de oração, cânticos, leitura e vida cristã -, não sabem o que é uma teologia da cultura - relacionando-se com o mundo e a vida na base de critérios moralistas, e por aí vai. Pergunte para o membro comum de sua igreja se ele sabe definir essas questões de acordo com o ensino ali apresentado - talvez tal ensino nem exista.
    Sem estrutura bíblica e teológica, o povo evangélico vive à deriva, incapaz de articular qualquer coisa além de alguns "passos para a vitória" , ou algumas "leis espirituais".

O símbolo da espiritualidade evangélica
é sintomático: olhos fechados
2 A presença de dicotomias/dualismos na compreensão cristã
    Caminhando a partir da base mal formada do pensamento evangélico nacional, seguimos para o edifício mal construído. O seu primeiro andar traz uma visão fragmentada da realidade: ela está dividida entre o espiritual e o natural, o sagrado e o secular, e o público e o privado.
    Tais dualismos promovem uma interação conflituosa com a cultura (e o todo da vida). Valorizamos os momentos e as práticas relacionadas à igreja: evangelismo, oração... isso é espiritual. E desprezamos o estudo, a reflexão, o voto, o lazer, as artes, a natureza do Estado, etc... isso é natural, e portanto está fora do reino cristão. Como a maior parte da vida - para as pessoas normais - é vivida fora do âmbito da igreja, na cultura, ficamos desarmados em "território inimigo" - entregamos o universo à natureza, e vivemos no mundo dela, como se houvesse um espaço neutro, isento de influência "espiritual", no qual as pessoas vivem, e com as quais nos relacionamos na mesma base "natural".
    Dividimos a realidade entre o sagrado e o profano. Nesta base, apenas nos interessamos pelas atividades e objetos sagrados, como a música gospel (?), as publicações evangélicas e tutti quanti. Deixamos de lado as coisas e ações que não trazem o nome "evangélico" ou algo do tipo, ora opondo-nos ao que não é cristão, ora simplesmente ignorando o que acontece à nossa volta. É assim que os crentes se tornam ilhados e alienados. Enquanto os pais cristãos apenas ficam preocupados com o novo cd de músicas gospel infantis, os seus filhos estão sendo alimentados na escola com o que há de mais elaborado para a sua secularização e destruição de quaisquer resquícios judaico-cristãos presentes em sua forma de observar o mundo e a vida.
    Contribuindo para esta degradação, há a dicotomia do público e privado. O povo da música gospel, e da arte gospel, e dos chaveiros gospel, e dos adesivos de peixinho no carro, assimilou muito bem a cultura relativista (já que não estava preparado para discerni-la e combatê-la), e criou guetos específicos de influência religiosa. Existem os espaços privados - separados para a influência da fé, e os espaços públicos, nos quais a minha fé não deve ter lugar. É assim que muitos cristãos ficam calados diante das decisões do STF em prol do homossexualismo, pois "no espaço público e democrático (eles adoram essa palavra) as questões religiosas não têm lugar". Será? Confinamos a fé cristã ao patamar da subjetividade, retirando-a do único lugar onde ela poderia ser relevante. Em outras palavras, não apenas nos desarmamos, como demos a arma aos inimigos da fé, para nos massacrar como quiserem.

3 A ausência de uma forma cristã de pensar o mundo e a vida
    Além da visão dicotômica das coisas, e talvez como resultado dela, os evangélicos não possuem um modo distintamente cristão de pensar a realidade. Nosso aporte teórico para as ciências está fundamentado na autonomia da razão humana, e assim, quando um cristão tenta romper a barreira da dicotomia e se manifestar como cristão nas ciências, ele pensa a partir dos pressupostos anticristãos.
    A fundamentação para a prática política e jurídica em nosso país é aquela de um Estado formado a partir do consenso. Mesmo os cristãos que desejam se manifestar enquanto tais nesse âmbito, acabam trabalhando a partir do pressuposto de que "o poder emana do povo", sem considerar a autoridade de Deus.
    Os cristãos que desejam trabalhar na educação - professores e pedagogos - trazem, no meio de suas frases sobre a "educação de Jesus", noções construtivistas e/ou pragmáticas, que brotam de uma antropologia radicalmente contrária ao ensino do mesmo Jesus.
    Nossos cientistas sociais e historiadores estão afogados no marxismo, observando a história não como o desenrolar da Providência, mas como o resultado da luta de classes.
    Nossos biólogos são "cristãos darwinistas".
    Não bastasse o dualismo no povo evangélico, os que tentam rompê-lo estão condenados pela estrutura utilizada para sua reflexão, que nega em cada instância o conteúdo religioso proclamado por eles.
    Também por isso estamos indefesos diante da maré gayzista e marxista. Nós usamos as categorias de pensamento propostas por eles, então acabamos pensando que a fala deles faz muito mais sentido. Desconhececemos a matriz Criação-Queda-Redenção.

4 A falta de uma abordagem estratégica e consistente das questões públicas
    Digamos que um cristão heróico conseguiu fugir da primeira barreira e compreende a Bíblia adequadamente; livrou-se da segunda e não trabalha a partir de dualismos; venceu a terceira e desenvolve uma forma de pensar legitimamente cristã; ainda assim ele encontra um quarto problema, que pode se manifestar de duas formas.
A bancada evangélica: fundamentação bíblica?
    A primeira delas é patente na raridade de cristãos auto-conscientes da Bíblia, da integralidade da realidade, e da estrutura cristã para o pensar. Sendo poucos, e espalhados, não se reúnem para ações conjuntas e significativas, e ficam como vozes soltas no espaço cibernético.
    A segunda forma se manifesta quando tais cristãos se encontram, organizam núcleos para reflexão e divulgação dessa "forma cristã auto-consciente de ser", mas, sem nenhum senso estratégico, começam a atirar para todos os lados, e não tratam nenhuma questão consistentemente.
    Uma boa estratégia envolverá planos adequados de curto, médio, e longo prazo. Envolverá discussões e reflexão, formação de novas gerações nesta perspectiva, e a identificação de pontos centrais que precisam ser abordados estrategicamente, para que os demais - secundários - sejam tratados em seu devido tempo, ou venham na esteira dos principais.
    No direito, por exemplo, não adianta ficar discutindo se os homossexuais serão felizes ou não no casamento, mas indicar para a esfera do Estado como submetida à autoridade de Deus, e paralela (nem acima, nem abaixo), da esfera da família. Nesta perspectiva, não cabe ao Estado interferir na esfera da família, cuja estrutura foi dada soberanamente por Deus. (Vale a pena pensar mais sobre isso posteriormente)

5 Ataques internos
    O último problema gerador da obtusidade cristã no espaço público são as disputas internas que pretendem derrubar o edifício evangélico. Aqui eu penso, também, em dois caminhos.
PL122: nós fechamos a boca
e colocamos o zíper, eles só estão puxando
    Por um lado existem os cristãos nominais (falsos cristãos) e os cristãos inconsistentes que trabalham em projetos contrários ao cristianismo bíblico. Penso, por exemplo, nas declarações recentes de Ricardo Gondim, na abertura ao pós-modernismo proposta pela Igreja emergente, e no inclusivismo de gente como Ed René Kivitz. Caminhando lado a lado com o segmento cristão, e provavelmente bem intencionados, tais cristãos estão, continuamente, lançando bombas sobre o cristianismo bíblico, operando em prol da relativização e enfraquecimento da consistência de um pensamento rigorosamente centrado na Palavra de Deus. Tais ataques dividem a igreja, confundem as ovelhas, e contribuem para a irrelevância cristã.
    Por outro lado, existem aqueles que caminham juntos e possuem uma mesma confissão, mas, em vez de abordarem questões comuns a partir dos mesmos pressupostos, preferem digladiar-se mutuamente. Penso aqui em discussões que dividem as Assembléias de Deus, por exemplo, e na prática dos chamados "neopuritanos", que, em vez de contribuírem para uma reflexão reformada da realidade, preferem discutir se Mark Driscoll é reformado ou não.

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O texto ficou maior do que eu esperava, e isso é outra tristeza, pois sei que muitos não chegarão até aqui por preguiça. Em parte eu não os condeno, pois a proposta de um blog, normalmente é mais dinâmica. Por outro lado, muitos deixarão de ler não por fugir de um padrão estipulado na blogosfera, mas simplesmente por não possuírem interesse no assunto, nem conseguirem caminhar com qualquer análise um pouco (e bem pouco) mais estendida de uma questão.
Contudo, embora a linguagem inteira do post seja pessimista e triste, e embora tenhamos nos colocado em uma situação lastimável, ainda tenho esperança. Creio que, identificando tais problemas e trabalhando consistentemente neles podemos melhorar a nossa condição, e creio, em um nível mais fundamental, que Deus continua guiando a Sua Igreja, de modo que ela nunca estará desamparada.
Deus nos ajude.
Soli Deo Gloria.

23 de maio de 2011

21 de maio passou, o dia do julgamento não chegou. E agora?

O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se. Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato, e piedade, aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus, em que os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? (2Pe 3:9-12)
Como era de esperar, Jesus não voltou na data marcada por Harold Camping e os seus seguidores da Family Radio. Mesmo antes da data marcada, vários sites e programas de TV, como o Jornal Nacional, ridicularizavam a tentativa de acertar a data da vinda do Senhor. Nem todos deixavam claro que se tratava de uma seita em particular e não os evangélicos em geral, e assim, a bem aventurada esperança da Igreja foi incluída no erro divulgado. Agora que a data passou e mais uma vez um falso profeta reprovou no teste, o que devemos fazer?

Em primeiro lugar, devemos manter viva a doutrina e a esperança da volta de Cristo. A despeito dos fiascos históricos dos que pretenderam marcar datas para a volta do Senhor, permanece o fato de que “o dia do Senhor virá” (2Pe 3:10). Esta certeza deve determinar a maneira como vivemos nestes dias que antecedem a volta do Senhor. Convém procurar saber “que pessoas vos convém ser em santo trato, e piedade, aguardando, e apressando-vos para a vinda do dia de Deus” (2Pe 3:11-12), entendendo que a aparente demora do Senhor nada mais é do que a longanimidade de Deus para com Seu povo “não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se” (2Pe 3:9).

Devemos também alertar os perdidos a respeito da iminente volta do Senhor. Ao contrário do que apregoam os marcadores de datas, a volta do Senhor não terá aviso prévio, pelo contrário, “o dia do Senhor virá como o ladrão de noite” (2Pe 3:10). Além de inesperada, a volta do Senhor trará sérias consequências à atual ordem de coisas. “Os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão” (2Pe 3:10), realmente, “os céus, em fogo se desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão” (2Pe 3:12). Não haverá ponto de apoio para aqueles que não estiverem aguardando e apressando-se para encontrar o Senhor.

E quanto aqueles que caíram no erro de acreditar que Jesus voltaria em 21 de maio de 2011? Deve ser grande o desapontamento dos que deixaram tudo e se prepararam para o dia do julgamento. Nessas horas, não querendo abandonar o erro, muitos inventam explicações e saídas para o fracasso, como já aconteceu no passado com outras seitas. Outros, se decepcionam com Deus, como se Ele fosse o responsável pelas mentiras dos homens, e afastam-se da comunhão com a igreja. Mas alguns, arrependem-se do erro e procuram voltar-se para a simplicidade do evangelho, apegados à esperança da volta do Senhor, mas deixando de lado malabarismos numéricos sobre a data do retorno de Cristo. Os que permanecem no erro devem ser advertidos, os decepcionado buscados e os arrependidos acolhidos. Simplesmente tripudiar sobre os que erraram e ridicularizar tais pessoas, não é uma atitude cristã e o mundo já está fazendo muito bem. Nossa atitude deve ser outra.

Finalmente, podemos aprender alguma coisa com os seguidores de Harold Camping. O zelo e o empenho em que demonstraram em divulgar a falsa data da volta do Senhor serve de exemplo para os que proclamam o retorno do Senhor como parte da pregação do evangelho. Deles se pode dizer que tiveram zelo sem entendimento, que não se diga de nós que temos entendimento com falta de zelo.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

19 de maio de 2011

Uma visita ao L'Abri Brasil

Placa na entrada
Desde que comecei a ler as obras de Francis Schaeffer e conheci um pouco mais de sua história, passei a sonhar com o seu centro de estudos, evangelização, devoção e relacionamentos: o L'Abri.

Pela providência divina, quando estava mergulhando na leitura do autor, outras pessoas estavam em viagem para os L'Abris europeus (mais especificamente da Inglaterra e Holanda), a fim de se qualificarem para abrir um branch no Brasil.

Mesmo de longe, acompanhei o blog do Guilherme de Carvalho e seus relatórios do ano que passou na Europa. Acompanhei as iniciativas de apoio e arrecadação, com o blog pró-L'Abri Brasil, e, finalmente, a aprovação pelo board internacional e os trabalhos iniciais da unidade, situada em Belo Horizonte.

À medida em que caminhava nas leituras schaefferianas, seguia sonhando com o dia em que conheceria o ambiente e as pessoas envolvidas com o trabalho. Lembro-me bem de visitar periodicamente o blog, observando os cursos, congressos, retiros de fins de semana, e termos de inverno e verão. Por mais de uma vez tentei me inscrever no congresso anual - em uma delas até efetuei o pagamento da inscrição - mas o preço das passagens sempre foi um empecilho, entre outras dificuldades.

Nesse intervalo, conheci a mulher que hoje compartilha a vida comigo. Ela me ouvia falar apaixonadamente das obras e idéias do tal "autor americano que fez um belo trabalho na Suíça, envolvendo filosofia, arte e o evangelho". Ela vislumbrou a perspectiva de cima: começou com leituras e pesquisa em Herman Dooyeweerd, que, através de Hans Rookmaaker, teve profundo impacto sobre o pensamento e a prática de Schaeffer. Conheceu as obra deste último e as leu posteriormente, mas também passou a gostar de seu pensamento e da proposta do L'Abri.

Quis a Providência que apenas depois de casados, pudéssemos conhecer o local. As coisas foram encaminhadas pelo Senhor de tal modo, que mais de um propósito foi realizado: além de conhecer as pessoas e o ambiente, também fomos com o objetivo de participar do I Seminário de Neocalvinismo da AKET (associação Kuyper para estudos transdisciplinares). Desta forma, aprofundaríamos as pesquisas em Kuyper, Dooyeweerd e Rookmaaker, e veríamos os desdobramentos disso em Schaeffer e no L'Abri.

Sob a direção do Altíssimo, conseguimos nos inscrever, comprar as passagens com preço promocional, e ainda perceber o encorajamento e apoio de nossa igreja. Como  é bom reconhecer que as coisas são providenciadas pelo Senhor no seu devido tempo!
Em cada quarto, um herói

Aliás, a história das passagens é digna de relato. Ainda em Fevereiro começamos a sonhar com o seminário. Mas dependíamos de preços razoáveis quanto ao transporte. O tempo passou, e em Abril consideramos novamente a possibilidade de ir, pois uma promoção de passagens estava em voga. Por alguma razão, não conseguimos comprar os bilhetes na ocasião, e quase demos por certa a nossa ausência no evento. Mas o Senhor direcionou as coisas, de modo que alimentamos o desejo de estar lá mais uma vez, e, em nova pesquisa por bilhetes aéreos, nova promoção foi lançada: finalmente iríamos!

É nesse contexto que nos organizamos para a viagem. A dificuldade de morar em um extremo do Brasil é que para visitar qualquer canto se passeia pelo país inteiro. Para chegar em Belo Horizonte fizemos o trajeto São Luís – Fortaleza – Brasília – Belo Horizonte. A volta foi um pouco menor, sem passar por Fortaleza. Ao  todo, fizemos 6.928 km. Para se ter uma idéia, do Rio de Janeiro à Cidade do Cabo, na África do Sul, são 6.036 Km. Mas eu fujo do assunto. Voltemos.

Chegamos a Belo Horizonte, e fomos muito bem recebidos pelo Igor Miguel, blogueiro do “Pensar”. Até então, só havia troca de e-mails, comentários no blog e tweets, mas o contato pessoal revelou uma pessoa bastante receptiva e vibrante. Acho que o pessoal em torno do L'Abri recebe uns treinos em “hospitalidade” - todos são bons na coisa. Uma rápida volta pela UFMG, e logo estávamos na casa do L'Abri, conhecendo Vanessa Belmonte, Guilherme de Carvalho e sua esposa Alessandra, e outro visitante: o paraense Jackson Salustiano.
Um corredor recheado de beleza

Apresentados à equipe e à casa, as impressões foram se disseminando. O ambiente é marcado pela combinação entre simplicidade e beleza. Os quartos, sem pompa, trazem lustres e luminárias confeccionados manualmente pela Alessandra (não sei se com a ajuda de alguém). O corredor também é decorado com quadros confeccionados à mão. Cada quarto traz uma placa sobre a porta, identificando-o com um referencial do pensamento de L'Abri. Encontramos: Wilberforce, Rembrandt, Kuyper e Schaeffer. Ficamos no quarto Rembrandt, com estrutura para casal.
A biblioteca: suficiente

A biblioteca não é das maiores. Uma rápida olhada na biblioteca pessoal do Guilherme de Carvalho me deu a impressão de que ele possui mais livros do que o L'Abri. Mas isso não deve enganar: os livros ali presentes são cuidadosamente selecionados, de modo que nenhum cumpre o papel de apenas “preencher espaço na estante”. Se, por um lado, a descrevi como “não tão grande” (leve-se em conta que, de algum modo, tenho o refencial da biblioteca do Andrew Jumper, que ocupa dois andares de um prédio – porém, com objetivo diferente do L'Abri), nem por isso pretendo dizer pouco abrangente. Os livros estão organizados em áreas distintas do pensamento – biografias, Kuyper e Dooyeweerd, Schaeffer, educação, psicologia, filosofia, autores de L'Abri, cultura e fé cristã, política, história da filosofia, arte, igreja emergente, economia, teologia reformada, entre outras categorias. Passei um tempinho considerável “namorando” algumas obras, e anotando nomes. Saí de lá com uma lista de 56 obras que pretendo adquirir aos poucos.
Os quadros estão em toda parte

Conhecemos a sala de estudos – um quarto com a coleção de Philosophia Reformata (periódico editado por Herman Dooyeweerd), uma mesa, uma luminária, uma cadeira, uma poltrona, o catálogo de palestras do L'Abri e quadros na parede. Os quadros estão por toda a parte. Já mencionei os confeccionados manualmente, mas há também pinturas clássicas. Reconheci o “noite estrelada”, de Van Gogh na sala principal da casa, e muito da pintura holandesa.

Almoçamos com o pessoal, ao som de um agradável jazz. Música permeia o ambiente de L'Abri, e isso me lembrou passagens dos registros de Edith sobre o gosto musical de Francis Schaeffer – especialmente os trechos no fim da vida dele, ouvindo Haendel enquanto o câncer (ou Deus) o levava aos poucos.

 O Seminário começou à noite, e pudemos conhecer mais pessoas, como Rodolfo Amorim, o casal Tijs e Kelly Van den Brink, e a Joyce, outra worker. Ouvimos palestras sobre o pensamento neocalvinista, ministradas por Rodolfo e Guilherme. Foi tarde, noite, e o primeiro dia.
Interações das palestras

O segundo dia foi corrido. Todo imerso no seminário. Pela manhã, e entrando na tarde, ouvimos comunicações orais, envolvendo o pensamento neocalvinista com as mais diversas áreas do conhecimento, como Teoria do Estado, Relações Internacionais, Pedagogia e Artes.

Cada comunicação era recheada de interações não apenas com autores respeitáveis, mas entre o próprio pessoal do L'Abri. Foi impactante perceber o quão intelectualmente rigorosos são aqueles irmãos, ao mesmo tempo em que, profundamente humilhante e estimulante. Humilhante no sentido de demonstrar o quanto ainda há para ser lido e conhecido por mim. Estimulante pelas exatas mesmas razões!

Neste segundo dia conheci mais irmãos, como o André Tavares, o Fred – um dos pastores da Caverna de Adulão – e suas respectivas esposas. Fiquei bastante feliz na troca de idéias com o Fred, por perceber sua compreensão teológica e o direcionamento da Caverna em bases calvinistas.
alimento físico e estético

Ainda ouvimos palestras sobre o narcisismo da cultura contemporânea, e críticas à perspectiva da cosmovisão cristã, bem como respostas a tais objeções. De fato, foi inovador perceber a ênfase ali dada à noção de que cosmovisão não é tudo. É preciso ir além, e forjar uma experiência cristã da realidade.

Novo jantar, e mais uma vez a combinação de alimento físico com sensorial. O L'Abri busca uma experiência integral, então uma simples refeição pode promover estimulação física – pela comida –, intelectual – pelas conversas –, e estética (luz de velas, flores sobre a mesa, jazz ao fundo...). Após as refeições sempre há trabalho voluntário. Lavamos a louça, arrumamos a sala, e servimos conforme a necessidade.

Ao fim do dia, tivemos agradável conversa com Guilherme e Alessandra, conhecendo mais de sua história e do L'Abri. Foi a ocasião para gravarmos uma breve entrevista, postada em seis partes no BJC.
Quando a gente volta?

Logo cedo no dia seguinte voltamos para São Luís. O curto período de tempo não restringiu a alimentação de nosso espírito. As marcas de irmãos em Cristo, comprometidos com uma experiência integral diante de Deus, e em levar todas as áreas da vida submetidas ao senhorio de Cristo, deixaram impressões tão fortes em nosso coração, que os posts, vídeos e relatos serão ainda descrições limitadas. Louvado seja Deus pela AKET, pelo L'Abri, e pelas pessoas que Ele vocacionou nesse país para tal obra.

16 de maio de 2011

Firmes, constantes e abundantes

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor. 1Co 15:58

Paulo está discorrendo sobre a doutrina da ressurreição, de Cristo e a nossa. Termina sua argumentação doutrinária com palavras de ações de graças: “Graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15:57). Mas ele não encerra assim o assunto. Como sempre faz, ele aplica a doutrina à vida prática da igreja e ao caráter cristão. A palavra “portanto” faz a ligação entre a doutrina da ressurreição e a prática que deve resultar da fé nela. Hoje consideraremos como deve ser a pessoa que crê na doutrina da ressurreição e como isso deve afetar o seu trabalho na obra do Senhor. 

Consideraremos três aspectos do caráter de quem crê na ressurreição:

O cristão deve ser firme. A palavra firme (gr. hedraios) significa “o que está sentado, imóvel”. Descreve a condição de alguém que tem uma firme convicção, que não fica mudando de opinião a todo instante. Não se trata de uma pessoa que tem um credo para cada dia, hoje crê numa coisa, amanhã em outra e quem sabe semana que vem em outra completamente diferente. O termo descreve “o que está firme em seu coração, não tendo necessidade, mas domínio sobre o seu próprio arbítrio, e isto bem firmado no seu ânimo” (1Co 7:37). A ele não cabe a repreensão “até quando coxeareis entre dois pensamentos?” (1Rs 18:21), pois é firme em suas convicções, somente mudando quando convencido pela Palavra de Deus.

O cristão deve ser constante. Firmes e constantes não formam uma redundância, pois as palavras tem nuanças que as diferenciam entre si. Constante (gr. ametakinetos) significa inabalável, inamovível. Se firme descreve alguém imóvel, que não muda facilmente por si mesmo, constante descreve alguém que não é movido por outros ou por circunstâncias exteriores. Assim, firme descreve a posição de alguém em tempo de paz, constante descreve a pessoa na mesma posição, mas agora sob ataque. Ou seja, a ideia é de alguém que guarda o seu posto sob fogo intenso. O termo é usado por Paulo quando encoraja aos colossenses dizendo “não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes” (Cl 1:23). 

O cristão deve ser abundante na obra do Senhor. Se você mantém a convicção interior e resiste com êxito aos ataques externos, está pronto para o próximo passo. Pois de um soldado espera-se não apenas que tenha firmeza e constância, mas também que apresente entusiasmo na batalha, dando de si além do que se espera. Em outras palavras, convém que ele seja abundante. 

Abundar (gr. perisseuo) significa “exceder um número fixo previsto, ir a mais e acima de um certo número ou medida”. Em outras palavras, é fazer mais que o acordado, ir além do combinado, superar as expectativas. A ideia implícita é de um progresso contínuo, como em Atos 16:5, onde se diz que “as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número” ou em 1Ts 4:10, em que Paulo destaca o amor fraternal dos tessalonicenses para com os macedônios, “contudo, vos exortamos, irmãos, a progredirdes cada vez mais”. Quer dizer, aquele que faz com firmeza e constância, será capaz de fazer mais! 

Se você é um cristão verdadeiro, você deve estar pensando: “sim, eu quero ser firme, constante e abundante, mas como fazer isso?”. Se este é o caso, temos uma palavra para você. Deus mesmo dá o poder e a motivação para isso. 

O poder está no Senhor. Lembramos que Paulo disse que é “Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15:57). A frase “no Senhor” que aparece no final do versículo deve ser aplicado a tudo o que é demandado anteriormente. Assim, podemos ser firmes se o formos no Senhor. Podemos ser constantes o formos no Senhor. E podemos ser abundantes apenas se o formos no Senhor. Reconhecendo nossa incapacidade e nossa dependência de Deus, ele nos dá tudo o que pede de nós. “Porque quem sou eu, e quem é o meu povo, para que pudéssemos oferecer voluntariamente coisas semelhantes? Porque tudo vem de ti, e do que é teu to damos” (1Cr 29:14). 

A motivação é que o vosso trabalho não é vão. Nada é mais motivador que observarmos o resultado de nosso trabalho. Porém, na obra de Deus nem sempre os resultados são evidentes a curto prazo. E por isso, muitos desanimam, pois queremos ver resultados grandes e imediatos. Porém, aqui temos que confiar na Palavra de Deus. Ela deve bastar para o verdadeiro crente. E ela nos afirma que nosso labor não é vão no Senhor. 

Isso significa que ainda que a semente pareça demorar para germinar, certamente crescerá e dará frutos, pois Deus está na causa: “eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento” (1Co 3:6). Como a Palavra de Deus não volta vazia, “aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos” (Sl 126:6). Mas significa, também, que nosso trabalho será recompensado pelo Senhor naquele glorioso dia, em que ouviremos “bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor” (Mt 25:21). 

Alentados por esta esperança, sejamos firmes, constantes e abundantes na obra do Senhor!

Soli Deo Gloria 

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

9 de maio de 2011

Nota do autor:

Apesar de ser pentecostal convicto, não costumo usar meu espaço neste blog para defender minha paracletologia. E hesitei em publicar o artigo abaixo, mesmo porque destoa do que os demais calvinistas deste blog creem. Por outro lado, penso que muitos desconhecem o que creem de fato os pentecostais. Sendo assim, a intenção não é polemizar, nem causar algum constrangimento, mas apresentar um pouco do que eu creio sobre batismo com o Espírito Santo. E prefiro que a discussão, se houver, se dê no meu blog pessoal: Cinco Solas.

“Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” At 2:39

O batismo com o Espírito Santo como experiência separada da conversão é uma doutrina distintiva do pentecostalismo. Como muitos não pentecostais admitem a atualidade dos dons espirituais, inclusive os de expressão verbal e o de cura, a separalidade do batismo com o Espírito Santo passa a representar o principal ponto que identifica um pentecostal. Neste artigo, vamos nos ocupar dessa doutrina, a partir da declaração de Pedro destacada acima.

A tese a ser defendida aqui é que a promessa referida pelo apóstolo é o batismo com o Espírito Santo. Uma vez demonstrado este ponto, argumentaremos em favor de sua separalidade em relação à conversão e da sua disponibilidade para os crentes de hoje. Evidentemente, no espaço que dispomos não será possível um tratamento com a profundidade necessária, mas pretendemos, mais que fazer uma apologia, esclarecer que a fé pentecostal funda-se em argumentos bíblicos e não em meras experiências.

Que a promessa de At 2:39 é o batismo com Espírito Santo é facilmente demonstrável a partir do contexto imediato, ou seja, o próprio discurso de Pedro. O versículo imediatamente anterior à declaração acima diz “arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:38). A promessa é o recebimento do Espírito Santo. Mais uns versos atrás Pedro havia dito que Jesus “tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2:33). O prometido era o Espírito Santo. E voltando para o início do discurso, temos a referência à promessa feita através do profeta Joel, que continha as palavras “e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão” (At 2:18).

Entretanto, Pedro não aduzia apenas à promessa feita pelo profeta Joel, haja vista que ele sabia que o ocorrido era o cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus Cristo. Lucas registra que Jesus “estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1:4-5). O próprio Lucas havia registrado as palavras de Jesus “eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). A mesma promessa fora dada anteriormente pelo ministério de João Batista: “eu, em verdade, tenho-vos batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1:8).

Da consideração das passagens bíblicas acima resulta que a promessa do Pai feita através do profeta Joel e reafirmada por Jesus era o batismo com o Espírito Santo. E que quando Pedro fez referência à promessa em seu discurso, estava falando da experiência do batismo com o Espírito Santo.

Tendo estabelecido que a promessa do Pai é o batismo com o Espírito Santo, convém agora analisar a sua natureza, especialmente quanto ao aspecto de ser ele uma experência distinta e logicamente posterior à conversão. Embora este ponto também seja evidente nos textos apresentados, ele representa a principal dificuldade para aceitação do batismo com o Espírito Santo pelos não pentecostais, mesmo os continuístas. Talvez na origem dessa rejeição esteja um mal entendido quanto à regeneração, que precisa ser esclarecido.

Os pentecostais não crêem que no batismo com o Espírito Santo a pessoa recebe o Espírito pela primeira vez, o que implicaria uma regeneração sem a operação sobrenatural da terceira pessoa da Trindade, o que nenhum pentecostal acredita. Embora a maioria deles creiam que a fé precede a regeneração, isso se deve ao arminianismo que predomina no meio pentecostal, e não por causa do batismo com o Espírito Santo. O fato é que os pentecostais crêem que a regeneração é uma obra do Espírito Santo e que desde o momento que crê, o crente passa a ser morada do Espírito Santo.

No batismo pentecostal o Espírito Santo não é recebido como poder salvífico, o que ocorre na regeneração, e sim como poder capacitante para o serviço. Ou seja, o batismo com o Espírito Santo é um revestimento de poder, visando a obra a ser feita. “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (At 1:8) foi dito em conexão com a promessa do batismo com o Espírito Santo.

Que o batismo com o Espírito Santo não se confunde com o novo nascimento fica claro quando consideramos que a promessa foi feita a crentes, ou seja, pessoas que já haviam sido regeneradas: “vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15:3), já haviam experimentado a “lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3:5) quando receberam a ordem “ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). O derramamento do Espírito Santo veio sobre crentes, pois “todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1:14) quando a promessa se cumpriu. Sendo assim, o batismo com o Espírito Santo foi uma experiência distinta da conversão, o que pode ser dito também de outras ocorrências em Atos dos Apóstolos.

Finalmente, resta-nos analisar se o batismo com o Espírito Santo no Pentecostes é um evento histórico único ou recorrente até os dias de hoje. Se olharmos para a palavras de Pedro colocadas em epígrafe, a conclusão inevitável é que o batismo com o Espírito Santo, como promessa do Pai, não se limita àquele dia em Jerusalém. “A promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” foram as palavras de Pedro. Uma promessa mais inclusiva, impossível. Incluía os que estavam naquele dia em Jerusalém, os filhos deles, alguns provavelmente tendo ficado em suas cidades de origem, os que não estavam presentes, enfim a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar”, vale dizer, todos os crentes em todos os lugares a partir daquele momento!

Isto é reforçado por dois fatos. A duração dos “últimos dias” e os relatos posteriores de Atos dos Apóstolos. O período denominado “últimos dias” compreende do dia de Pentecostes até a volta do Senhor. Os sinais preditos por Joel e repetidos por Pedro não se cumpriram na sua totalidade, havendo detalhes que somente ocorrerão imediatamente antes ou no momento da vinda do Senhor: “e farei aparecer prodígios em cima, no céu; e sinais em baixo na terra, sangue, fogo e vapor de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes de chegar o grande e glorioso dia do Senhor” (At 2:19-20). Portanto, ainda nos encontramos nos “últimos dias”, nos quais o batismo com o Espírito Santo ocorreria. Além disso, há relatos de outros “pentecostes” no próprio livro de Atos, o que desfaz o argumento de um único evento histórico, mesmo quando se considera que os eventos seguintes foram desdobramentos do primeiro.

Mais poderia ser dito sobre o batismo com o Espírito Santo como promessa aos crentes de todas as épocas. Mas seria alongar o artigo que já ficou muito maior que o recomendável. Mesmo assim, coloco-me a disposição para complementar o que foi dito acima com argumentos bíblicos que expandem e aprofundam o que já foi exposto.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

2 de maio de 2011

Não troque Jesus por João Paulo II

Publicado originalmente em Reforma e Carisma.

Muitas pessoas não sabem, mas o meu nome (Helder) foi dado por causa de uma visita do Papa João Paulo II ao Brasil. Era o ano de 1980 quando ele veio e os meus pais, que eram católicos, resolveram homenagear um dos sacerdotes brasileiros que se destacaram na visita, o arcebispo Dom Hélder Câmara. A minha identificação com a Igreja Católica foi tão forte que passei minha infância desejando ser padre.

Neste período, João Paulo II tornou-se um referencial de espiritualidade para mim. Aos meus olhos ele era um homem bom, "o mais próximo de Deus", destinado a ser santo, afável, gentil e cordial. E ele representou o mesmo para muitos. Com certeza, ele é o rosto do catolicismo no século XX.

Um rosto que agora também está disponível para a veneração. Ontem, dia 1º de maio, o papa João Paulo II foi beatificado. Um milhão de fiéis compareceram à cerimônia e veneram o cadáver papal.  Segundo a Igreja Católica, a freira francesa Marie Simon-Pierre Normand foi curada do mal de Parkinson após orar ao papa. Com a beatificação, agora suas imagens podem ser cultuadas.

Orar a santos e beatos é pecado
No entanto, embora João Paulo II tenha despertado o respeito e a devoção de católicos em todo o mundo, este tipo de culto é um pecado aos olhos do Senhor. Não importa o que nós pensamos sobre o papa: o nosso culto e as nossas orações devem ser dirigidas somente a Deus. Quando oramos aos santos, nós quebramos as duas primeiras ordenanças dos Dez Mandamentos:
Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.

Não terás outros deuses diante de mim.

Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos. (Êxodo 20:3-6)
A primeira ordem de Deus é a de que não aceita dividir o espaço com outros deuses. Este mandamento impede que sirvamos, ao mesmo tempo, a Deus e a Allah, mas não apenas isso. Ele também proíbe que coloquemos qualquer pessoa ou coisa no mesmo nível de Deus. Ele é Único.

A segunda ordem vai na mesma direção. Nós não somos proibidos de fazer esculturas, mas se as fizermos com o objetivo de "adorar" ou "dar culto", irritamos ao Senhor. E o que os católicos fazem com as imagens de santos? Cultuam-nas. Oram ajoelhados diante delas. Pedem curas, milagres e bênçãos. E se não podemos fazer isso com imagens, a implicação é óbvia: não podemos cultuar a ninguém que não seja Deus. Não importa se é Maria, João Paulo II ou a Madre Teresa de Calcutá.

Há um outro problema também. Os santos e beatos são mortos. Se nós aceitarmos a ideia de que podemos orar a eles e sermos ouvidos, então nós estamos praticando necromancia, a comunicação com os mortos. Biblicamente, o termo não se aplica apenas à adivinhação, mas também à consulta aos mortos, como aquela que Saul tentou fazer em 1 Samuel 28. E esse tipo de prática é condenado por Deus.
Quando alguém se virar para os necromantes e feiticeiros, para se prostituir com eles, eu me voltarei contra ele e o eliminarei do meio do seu povo. (Levítico 20:6)

Não se achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR, teu Deus, os lança de diante de ti. (Deuteronômio 18:10-12)
Além disso, Deus é Único. As autoridades humanas delegam o seu poder a outros, mas o Senhor não dá a Sua glória a ninguém. O culto (o que inclui as orações) é uma prerrogativa exclusiva de Deus, e que não é dada a mais ninguém, muito menos às imagens dos santos.
Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura. (Isaías 42:8)
Orar a santos e beatos é inútil
Todavia, há uma outra razão pela qual não devemos orar ou venerar ao papa João Paulo II. Os católicos romanos ensinam que os santos são uma espécie de "facilitadores" entre nós e Deus. Ao invés de levarmos os nossos pedidos diretamente ao Pai, podemos usar os santos, como eles se fossem um tipo de despachante espiritual. Como os santos são mais justos do que nós, Deus os ouviria de boa vontade. Além disso, eles seriam mais compreensivos, já que são "gente como a gente".

A ideia até parece boa, se não fosse por um detalhe: não combinaram com o Senhor. Os católicos enxergam nos santos pessoas que são mediadoras entre nós e Ele. Contudo, quem determina os rumos deste diálogo é Deus, e não a Igreja Católica. E já foi determinado que apenas um Mediador estará entre os homens e Deus:
Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem, o qual a si mesmo se deu em resgate por todos: testemunho que se deve prestar em tempos oportunos. (1 Timóteo 2:5-6)
Eu lamento informar, mas é a verdade. Quando milhões de pessoas buscam chegar até Deus por meio de Maria, João Paulo II e dos outros santos e beatos, eles estão rejeitando o Mediador escolhido por Deus: Cristo! E se podemos fazer isso por meio de Jesus, não há vantagem alguma em escolher outros canais. Jesus é mais santo do que todos os outros, logo, o Pai o ouve mais do que a qualquer um. E Ele foi homem como eu e você, portanto, sabe muito bem como é viver neste mundo e está próximo de nós.

Jesus conseguiu este direito não porque fez milagres, mas sim porque pagou na cruz por nossos pecados. O que Jesus faz por nós é muito mais do que nos curar de uma doença ou dar um emprego. Por causa do pecado, a justa sentença de Deus para toda a humanidade é o inferno. Afinal, como diz a Bíblia:
Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado; como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. (Romanos 3:9-12)
Esta afirmação inclui todos os seres humanos, inclusive Maria, a mãe de Jesus. Todos nós somos maus e pecadores aos olhos do Pai. Se somos salvos é porque Jesus Cristo se entregou no lugar dos que creem n'Ele. Ele morreu no lugar dessas pessoas, e elas são salvas e santificadas por Cristo, não tendo mais que temer o juízo do inferno. Pode não parecer, mas essa graça supera, em muito, todos os relatos de bênçãos alcançadas pela busca dos santos. E é por esta razão que Jesus é o nosso Único Mediador.
Na cruz, Jesus Cristo morreu, não para te curar do mal de Parkinson,
mas para te dar a vida eterna.

Há algo melhor do que santos e beatos
Eu não quero, com isso, dizer que as pessoas que receberam "milagres" de santos são charlatãs. Elas podem sim ter recebido curas e outras dádivas. Mas essas bênçãos não foram recebidas e pedidas da maneira correta. São fruto de um pecado. Podem até trazer alegrias terrenas, mas não contam com a aprovação de Deus.

Se os católicos são mesmo cristãos, então devem reconhecer que a beatificação de João Paulo II e o culto a santos e beatos é um erro condenado pela Bíblia. Eu não consigo entender como é possível se dizer um santo de Jesus ao mesmo tempo em que negamos o livro onde Deus deixou registrada a Sua história. E essa é uma das razões pelas quais eu e os meus pais não somos mais católicos.

Hoje eu convido você a fazer a mesma troca que eu fiz. Deixe os santos para trás e escolha Jesus como seu Mediador diante do Pai. Pare de buscar as curas dos santos e vá atrás da nova vida que Cristo tem pra você. Deixe de confiar na palavra dos padres e nas tradições e deposite a sua fé na Bíblia, a Palavra do Deus Vivo.

Que o Senhor abençoe a você nesta escolha. Não troque Jesus por João Paulo II, Maria ou qualquer outra criatura.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro