25 de julho de 2011

Aquele que está em Cristo produz frutos

“Toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto” Jo 15:2

Este versículo é utilizado mais das vezes para fundamentar a crença popular que um crente pode vir a perder sua salvação adquirida. Entretanto, por se tratar de uma parábola, devemos interpretar o texto de acordo com a principal regra de interpretação de textos deste gênero: notar principalmente a lição geral, sem forçar demais nos detalhes. Se pudermos sintetizar a lição da parábola numa frase é nesta: aquele que está em Cristo, produz frutos.

Jesus começa dizendo “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15:1). Israel era a videira plantada pelo Senhor, mas que não apresentou os frutos esperados. “Eu mesmo te plantei como vide excelente, uma semente inteiramente fiel; como, pois, te tornaste para mim uma planta degenerada como vide estranha?” (Jr 2:21). Ao dizer-se videira verdadeira, Jesus declarava vã a presunção do povo de que pertencendo a Israel seriam por isso aceitos por Deus.

Sendo Jesus a videira verdadeira, podia afirmar “quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto” (Jo 15:5a). Os frutos não são produzidos com o objetivo de estar na videira, mas como resultado de estarem ligados a ela. Tão certo como a união com Cristo produz frutos, é o fato de que fora dele nenhum fruto é produzido: “sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15:5b). Por isso, a ordem de Jesus não é “produzam frutos” e sim “estai em mim, e eu em vós; como a vara de si mesma não pode dar fruto, se não estiver na videira, assim também vós, se não estiverdes em mim” (Jo 15:4).

Se o texto deixa absolutamente claro que todo aquele que está unido a Cristo produz fruto, como entender a sentença “toda a vara em mim, que não dá fruto, a tira” (Jo 15:2a)? A explicação é que embora no aspecto exterior os ramos estivessem ligados à videira, não havia união orgânica de fato. A seiva não fluía do tronco para os ramos. Embora aderidos à árvore, não estavam ligados intimamente.

Sempre houve, e sempre haverá, aqueles que fazem parte da igreja visível, conformando-se externamente à conduta esperada dos cristãos, porém sem nunca terem se ligado a Cristo de fato. Esses tais são ramos que não produzem frutos, e não produzem porque não tem uma ligação real com o Senhor. Que essa ligação é apenas aparente fica claro logo adiante: “se alguém não estiver em mim, será lançado fora, como a vara, e secará” (Jo 15:6). O problema de tais pessoas não é primariamente não produzir frutos, e sim não estar em Cristo, pois se estivessem os frutos surgiriam naturalmente.

Em claro contraste com eles estão os discípulos verdadeiros. Logo após dizer que o Pai “limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto" (Jo 15:2b), Jesus completa “vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15:3). Destes, Jesus testemunha: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15:16). Pelo que concluímos que os que foram escolhidos por Jesus, permanecerão Nele e serão frutíferos. E que concluir que um verdadeiro crente que está em Cristo e Cristo está nele pode vir a perder a salvação é perder de vista a lição que Jesus está ensinando.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

23 de julho de 2011

A raiz do terrorismo e dos serial killers

Publicado originalmente no Reforma e Carisma.
Basta um ou mais agentes dispostos a matar e morrer no mesmo ato e pronto está armado o cenário para esse tipo de abominável loucura. (Clóvis Rossi)

Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 6:23 - NVI)
Sextas-feiras costumam ser sinônimos de dias bons. O dia seguinte é sábado, então dá para sair até mais tarde e aproveitar a noite. Mas, para mim, ontem era apenas uma sexta aborrecida. O trabalho não saiu como eu gostaria, a cabeça cheia de dúvidas e preocupações...e nenhum programa que eu realmente quisesse fazer. Basicamente o meu agito noturno foi fazer uma verificação completa do antivírus no PC. Deu até pra dormir enquanto o antivírus rodava.

Acordei já de madrugada, pensando que o mal do mundo se resumia a minha vida. Até a hora que li que o número de mortos em dois atentados na Noruega tinha passado de 10...para 80. No momento em que estou escrevendo, a conta já chegou a 92. E até onde se sabe, tudo foi realizado por uma única pessoa.

Esses crimes desafiam tudo o que os brasileiros costumam pensar sobre a violência. Aconteceu em um dos países mais ricos, pacíficos e desenvolvidos do mundo: a Noruega, e não em algum lugar pobre, socialmente instável e malvisto pela comunidade internacional. O ato não foi cometido por um muçulmano radical revoltado com a riqueza do Ocidente, mas as reportagens mostram que o assassino é um "islamofóbico" e "fundamentalista cristão". Alguém com dinheiro para comprar seis toneladas de fertilizantes, arma de fogo e outros ingredientes para fazer bombas. O atentado não é obra de guerrilheiros esquerdistas, mas de alguém alinhado com a extrema direita. E com uma lógica distorcida: ao invés de atacar quem ele dizia odiar mais, o extremista preferiu se voltar contra outros noruegueses.

Qual o verdadeiro problema?
Na verdade, são várias as causas de todos os tipos de violência. A dificuldade de aceitar o diferente, uma cultura (ou família) que valoriza a força e não o diálogo, dificuldades econômicas e até mesmo doenças psiquiátricas, todos estes ingredientes podem estar presentes. Mas sempre acontece um caso que desafia as explicações do momento.

Contudo a Bíblia ensina que há uma causa mais profunda e comum a todo tipo de violência. Há uma mesma raiz por trás da tragédia de Oslo, de Realengo, de Nova York, da covarde agressão homofóbica a um pai que abraçou o filho e de todos os demais atos violentos. Uma raiz chamada pecado.

O pecado não é algo que fazemos, é algo que define o ser humano porque faz parte de nossa natureza. A tendência normal do ser humano não é a de obedecer a Deus, mas sim a de desobedecê-Lo, ignorá-Lo e desafiá-Lo. Nosso coração não é programado para amarmos a Deus e a Sua vontade, mas sim para amarmos a nós mesmos e os nossos desejos egoístas. Amar o próximo não é algo natural, mas aprendido, especialmente quando ele é diferente.

E o pecado, invariavelmente, produz a morte. Ele causa mal e destruição na vida de quem peca e de outras pessoas que são afetadas por seus erros. Quando seguimos o nosso coração e deixamos Deus de lado, não sabemos em qual abismo iremos parar. Pode ser que alguns apenas demonstrem ódio e digam palavras rancorosas, enquanto outros façam um planejamento de meses para destruir e matar crianças. Não importa. É o mesmo sentimento, como disse Jesus:
Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a julgamento’. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento. Também, qualquer que disser a seu irmão: ‘Racá’, será levado ao tribunal. E qualquer que disser: ‘Louco! ’, corre o risco de ir para o fogo do inferno. (Mateus 6:21-22 NVI)
Qual a solução?
Ao contrário de nós, Deus é bom. E por isso Ele providenciou uma forma de escaparmos do fogo do inferno, da morte que é o salário devido a cada pecador. Em Cristo Jesus podemos encontrar a vida eterna que vence o poder da morte e do pecado.

Sei que parece contraditório dizer isso quando vemos que cristãos radicais podem sair por aí matando pessoas. Mas quando eles fazem isso, estão sendo pecadores e desobedecendo as ordens de Jesus. O Filho de Deus veio ao mundo para nos salvar e não para nos destruir:
Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele. (João 3:16-17 NVI)
Jesus amou o mundo. Isso inclui o norueguês, o namibiano, o brasileiro e o yanomami. Ele amou os heterossexuais e os homossexuais, os ricos e os pobres, os petistas e os tucanos. Jesus veio para dar a todos nós a vida eterna, uma vida que recebemos quando temos fé que Jesus é o Senhor e confessamos que Sua morte e ressurreição nos livram do poder do pecado (Romanos 10:9-10).  Jesus não veio matar, Ele veio morrer para dar a salvação aos pecadores:
Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus (1 Pedro 3:18)
O verdadeiro cristão radical não é o que mata aquele que é diferente, mas sim aquele que ama os diferentes, assim como Jesus o amou. O cristão realmente radical não quer matar por Jesus, mas, se preciso, irá morrer para que outros tenham a possibilidade de encontrarem a vida eterna. Um dia o Juízo Final virá. Mas o servo de Jesus sabe que nós não somos os juízes, mas sim os réus. O nosso papel é o de anunciarmos e vivermos a mensagem que pode livrar a humanidade da condenação divina.

Não é com o ódio e a violência que o mundo se tornará aquilo que cristãos, muçulmanos, heterossexuais, homossexuais, esquerdistas, centristas e direitistas gostariam que fosse. O mundo só vai ter jeito mesmo quando admitirmos que somos pecadores e rejeitarmos o caminho da morte, tendo fé em Jesus Cristo e sujeitando-nos voluntariamente a Deus.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

21 de julho de 2011

Quem foi Francis Schaeffer?

O pesquisador Bryan Follis informa que Francis Schaeffer estudou sob o magistério de Van Til por dois anos, enquanto estava no seminário. Àquela altura ele não imaginava o tipo de ministério que Deus faria surgir através de seu serviço.
Francis August Schaeffer IV nasceu em Germantown, Pennsylvania,  em um lar marcado por simplicidade e ausência de tradição intelectual. Seguindo a linha de seus pais, ele caminhou na adolescência pelos estudos técnicos, como construção elétrica e metalurgia. Havia passado a frequentar a Primeira Igreja Presbiteriana de Germantown, por influência do grupo de escoteiros a que fazia parte. Aprendeu ofícios manuais com o seu pai, como marcenaria e o trabalho com encanamento, e ainda na adolescência exerceu serviços nessa linha, como vender peixes aos sábados.
Em certa ocasião, um professor de escola dominical deu a Schaeffer a tarefa de ensinar um conde russo a ler. Para ajudar o seu novo aluno, Schaeffer foi à livraria nas proximidades da Philadelphia e pediu ao livreiro um material para leitores iniciantes no inglês. Por erro do livreiro, saiu dali com um livro sobre a filosofia grega. A partir da leitura curiosa da obra, foi despertado para o amor às idéias.
Outras leituras vieram, como a de Ovídio, e Fran – como era chamado – começou a perceber que a filosofia em si não promovia respostas satisfatórias às perguntas que levantava. Ao mesmo tempo, sentiu desconforto semelhante em sua igreja, que cedia ao liberalismo, e levantava questionamentos sem fornecer respostas sólidas. Decidiu, então, paralelamente às leituras filosóficas, ter contato direto com a Escritura – o que não existia até então. Na Bíblia Schaeffer encontrou as respostas às perguntas da filosofia. Foi assim que se tornou um cristão de fato.
Schaeffer ingressou na escola de engenharia, mas logo começou a perceber o chamado para o ministério pastoral. A despeito da vontade de seus pais, firmou-se na convicção e seguiu para os estudos em Hampden-Sydney College, Virginia, onde se prepararia para o treino ministerial posterior.
Após um ano estudando na Virginia, Fran conheceu Edith Seville nas férias de verão em Germantown. A interessante ocasião em que se conheceram deu o tom de seu relacionamento: juntos defenderam (e defenderiam) a fé cristã contra o liberalismo teológico. Ed Bloom, ex-membro da Primeira Igreja Presbiteriana, ministrou estudo aos jovens da igreja - “Como eu sei que Jesus não é Deus, e como eu sei que a Bíblia não é a Palavra de Deus”. Ao final de sua fala, tanto Fran quanto Edith manifestaram-se publicamente pelo cristianismo ortodoxo, e assim desenvolveram interesse mútuo. Casaram-se em 1935.
Schaeffer começou os estudos no Westminster Theological Seminary, mas concluiu no Faith Theological Seminary em 1938, ano em que também foi ordenado. Pastoreou em Grove City, Pennsylvania; Chester (mesmo estado) e St. Louis, Missouri.
  Logo após a Segunda Guerra mundial, em 1947, Fran foi enviado à Europa pela Junta Independente para Missões Presbiterianas Estrangeiras (Independent Board for Presbyterian Foreign Missions). O objetivo era avaliar a situação do continente em relação à sua reconstrução, e o estado da igreja ali. Schaeffer estava diretamente interessado na condição do trabalho com crianças e jovens, bem como na ameaça do liberalismo teológico. Ele passou três meses, nos quais visitou treze países e começou a abrir os olhos para a Europa.
A família Schaeffer se mudou para a Europa em 1948, e se instalou na Suíça. Inicialmente ficaram em dois quartos pequenos na cidade de Lausanne. Logo se mudaram para Champéry, nos Alpes, onde começaram um trabalho evangelístico e uma igreja. Mas por se tratar de um cantão católico, tiveram de se mudar, e finalmente chegaram a Huemoz, onde o trabalho de L'Abri teve início.
  Em 1955 é registrado o começo de L'Abri. A partir das conversas com os amigos universitários de suas filhas, Francis e Edith perceberam que havia uma grande oportunidade diante deles. O ministério cresceu consideravalmente, atingindo jovens do mundo inteiro, e expandindo seus branches para outros lugares, como Inglaterra, Holanda e Estados Unidos.
Schaeffer faleceu em 1984, após severas lutas com câncer (linfoma). Os últimos anos de sua vida foram marcados por intensa produção, como o filme “Whatever happened to the human race?”, a organização de suas obras completas, e palestras.
A grande contribuição de Schaeffer, entre outras, está em uma abordagem apologética baseada em sólida teologia, que interagiu com a cultura, e tratou o homem de modo pessoal –  trazendo “respostas honestas a questões honestas”.

18 de julho de 2011

Charles C. Ryrie e a expiação limitada

Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. Cl 2:14
Charles C. Ryrie é um teólogo batista dispensacionalista e professor de teologia sistemática. Tem um mestrado e três doutorados em teologia, escreveu várias obras de referência na área teológica, incluindo algumas traduzidas para o português: Teologia Básica ao Alcance de Todos (Mundo Cristão), Como Pregar Doutrinas Bíblicas (Mundo Cristão) e Dispensacionalismo: ajuda ou heresia? (ABECAR). Mas sua obra mais conhecida é a Bíblia Anotada Expandida. Ele é o que se costuma chamar de calvinista dos quatro pontos, pois rejeita o quinto deles, a redenção particular.

Na sua Teologia Básica, ele defende a expiação ilimitada e tenta responder ao argumento calvinista de que se Jesus pagou pelo pecado de todos, então os pecados dos não eleitos serão pagos duas vezes, pois já “foram pagos na cruz pela morte de Cristo e serão pagos novamente no julgamento”.

Ele começa questionando “os israelitas que se recusaram a colocar o sangue nas portas de sua casa na Páscoa tiveram seus pecados pagos duas vezes? Quando o cordeiro pascal foi morto, seus pecados foram encobertos. Mas se alguém não colocou o sangue nas portas morreu imediatamente. Esse foi um segundo pagamento por seus pecados? Claro que não”. Ele complementa dizendo que “a morte após a desobediência de passar o sangue foi a retribuição justa pelo fato de a pessoa não ter se apropriado do sacrifício suficiente”. Prosseguindo, ele argumenta que “a expiação de Cristo pagou pelos pecados do mundo todo, mas as pessoas devem se apropriar desse pagamento pela fé. O mundo foi reconciliado com Deus (2Co 5.19), mas essa população que foi reconciliada como um todo, precisa ser reconciliada individualmente com Deus (v. 20)”.

Ele recorre então a analogia de uma escola que tinha um fundo que recebia doações para custear os estudos dos alunos pobres. Um comitê decidia quais alunos receberiam o auxílio e emitia um cheque em nome do aluno, que para receber deveria endossar o cheque e com ele pagar a escola. Se ele não endossasse o cheque, não receberia o crédito, embora a conta já tivesse sido paga. Então Ryrie conclui que “a morte de Cristo pagou pelos pecados de todas as pessoas, mas ninguém teve a sua conta paga até o momento em que creu”. Há quem seja convencido pela simplicidade da explicação de Ryrie. Mas nunca é bom confundir simplicidade com verdade, pois embora a verdade geralmente seja simples, nem tudo o que é simples é verdadeiro.

O erro básico de Ryrie é confundir o papel da fé na apropriação dos benefícios da morte de Cristo pelo pecador, com a aceitação pelo Pai da satisfação oferecida por Cristo. Para que aquilo que Jesus conquistou na cruz seja aplicado na vida do cristão é necessário fé. “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus” (Ef 2:8). A fé é o meio pelo qual os benefícios da cruz se tornam reais na nossa vida.

Porém, a fé é absolutamente desnecessária para que Deus receba a satisfação oferecida pelo sacrifício de Jesus. Vamos entender bem a questão. Quando o homem pecou, tornou-se devedor de Deus. Uma nota promissória foi lavrada e Deus poderia executar sua justiça contra nós. “E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos” (Mt 10:24). De fato, a justiça de Deus requeria que a dívida fosse paga. “E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse” (Mt 18:25). É claro que o homem não pode pagar a dívida para com Deus. Então Jesus morreu no lugar dele para pagá-la. “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos” (Is 53:10). A morte de Jesus satisfez completamente a demanda da justiça de Deus e ofereceu plena quitação da dívida.

É um completo absurdo pensar que a expiação oferecida por Jesus não tenha sido aceita pelo Pai, ficando em suspenso até o ingrediente da fé. Seria afrontoso se para que Deus considerasse a dívida paga, ao sangue de Jesus precisasse ser acrescido alguma coisa da parte do homem. Isso seria negar o valor intrínseco e a eficácia da morte de Jesus, e fazer do homem co-participante da expiação. Portanto, a fé do homem não complementa, nem confere eficácia ao sacrifício perfeito de Jesus. Noutras palavras, a fé é desnecessária para que o preço pago por Jesus seja aceito por Deus.

Sendo assim, como fica o arranjo de Ryrie para um preço completamente pago, mas ainda não realizado? Tenhamos em mente que ele não está falando dos eleitos, pois nestes o Senhor gera a fé necessária à apropriação da salvação. Ele está falando dos não eleitos, ou seja, dos que serão condenados no dia do juízo.

Consideremos os israelitas na noite da primeira páscoa, que são tomados como exemplo por Ryrie. Primeiro, que se ele quiser ser fiel ao relato bíblico, não deve considerar os israelitas como não eleitos, e sim os egípcios, pois os filhos de Israel eram o povo de Deus, e os egípcios os não eleitos. E a provisão de um cordeiro, para expiação, não foi feita para os egípcios, mas apenas para os judeus. Quanto aos eleitos, Deus tendo aceitado o sangue do Cordeiro, sempre os leva à fé necessária à apropriação, como ocorreu com os filhos de Israel: “E foram os filhos de Israel, e fizeram isso como o SENHOR ordenara a Moisés e a Arão, assim fizeram” (Ex 12:28). Já em favor dos egípcios (não eleitos), não havia Cordeiro preparado, e aconteceu que “à meia noite, que o SENHOR feriu a todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito de Faraó, que se sentava em seu trono, até ao primogênito do cativo que estava no cárcere... havia grande clamor no Egito, porque não havia casa em que não houvesse um morto” (Ex 12:29-30)

Assim como Ryrie, também terminarei com uma analogia de pagamento. Pela lei brasileira, quando alguém financia um carro, o mesmo fica alienado à financeira. Em caso de atraso no pagamento, a financeira pode pedir na justiça a reintegração de posse, podendo inclusive contar com a força policial para recuperar o veículo. Se o cliente tiver se desfeito do carro ou escondê-lo, terá sua prisão decretada para forçar a entrega do bem. E uma vez apreendido, somente o pagamento integral da dívida, em até cinco dias, o livra de ir a leilão.

Agora, imagine que eu tenha financiado um carro e logo em seguida, perdido o emprego, ficando sem condições de pagar. O oficial de justiça me notifica que no dia seguinte a financeira virá buscar o carro. O problema é que eu o passei a terceiro, em troca da minha casa, e agora corro o risco de ir para a cadeia. Sem meu conhecimento, alguém vai até o juiz que emitiu a ordem de busca e apreensão e paga, não apenas as parcelas em atraso, mas o valor integral do financiamento. A partir do momento que o pagamento foi feito e aceito, existe alguma lei que possa me levar à prisão? Poderia, por exemplo, a financeira alegar que como não fui eu que realizei o pagamento ou porque não passei uma procuração para que um terceiro o fizesse, o pagamento não foi aceito? Claro que não. Se o juiz determinasse que eu pagasse de novo a dívida, estaria sendo injusto.

Assim, permanece em pé o argumento de que, se Jesus pagou por todos os pecados de todos os homens, então todos os homens serão salvos e Deus estaria agindo como um juiz injusto ao cobrar de novo uma dívida que já foi completamente paga.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

11 de julho de 2011

Enfrentando as 10 dificuldades do calvinismo

Apóiam-se em argumentos vazios e falam mentiras; concebem maldade e geram iniqüidade. Is 59:4

Azenilto Gama compila o que chama de 10 Principais Dificuldades do Sistema Calvinista, as quais considera suficientes para fazer com que qualquer calvinista coerente mude de posição. Mas, quem é Azenilto Gama? Conheço-o de longa data, tivemos alguns longos debates sobre adventismo, mas se interessar, recomendo que faça uma busca no Google para descobrir mais sobre esse adventista que gosta de ser chamado de professor. Segue uma resposta ao seu artigo, o qual aconselho ler, uma vez que respondo sem transcrever o que ele disse.

1. A eleição não é cristocêntrica. A doutrina da eleição é cristocêntrica na medida que a eleição é feita em Cristo. Aos Efésios 1:3-6 diz que Deus “nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” o que inclui obviamente a eleição, pois “também nos elegeu nele antes da fundação do mundo”, e também “nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo” e nos “nos fez agradáveis a si no Amado”. Bem ao contrário do que Azenilto diz, a Bíblia afirma que a eleição pré-temporal é cristocêntrica.

2. Jesus não é o ponto de partida da eleição. Os eleitos são um presente do Pai para Jesus. “Meu Pai, que as deu para mim, é maior do que todos” (Jo 10:29). Quando alguém resolve presentear alguém, o ponto de partida é a pessoa presenteada, não o presente em si. Ninguém compra um presente para dar a alguém, sem pensar nesse alguém em primeiro lugar.

3. Deus é a causa do pecado. Deus não peca, mas o pecado só existe porque Deus quis que existisse. “Eu formo a luz e crio as trevas, promovo a paz e causo a desgraça; eu, o Senhor, faço todas essas coisas" (Is 45:7). Negar que Deus decretou a existência do mal é admitir o dualismo, e que Ele não pôde evitar o mal quando este surgiu no coração de Satanás.

4. É uma doutrina que não pode ser pregada. Jesus ordenou a pregação do evangelho, dizendo “vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas” (Mc 16:15). Ele também especificou o conteúdo da mensagem: “Por onde forem, preguem esta mensagem: ‘O Reino dos céus está próximo’” (Mt 10:7). A doutrina da eleição pode, e tem sido pregada, basta ler alguns sermões de Spurgeon e de alguns reformados de hoje na Internet e concluir que é uma mensagem frequente em púlpitos reformados. Quanto a pregar a condenação, seguimos o exemplo do mestre: “Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão” (Lc 13:3)

5. Apresenta Deus não amoroso e injusto. A Bíblia diz que Deus “em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade” (Ef 1:5). Os crentes são descritos “como povo escolhido de Deus, santo e amado” (Cl 3:12) e de fato “sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu” (1Ts 1:4). Mas o amor de Deus pelos eleitos não implica que Ele seja injusto com os réprobos. Depois de citar as palavras de Deus “amei Jacó, mas rejeitei Esaú” (Rm 9:13), Paulo pergunta “e então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma!” (Rm 9:14). Isto deveria bastar para os que acham que o Deus que elege não é amoroso nem justo.

6. Se não é, parece fatalismo. Fatalismo obedece a uma lei necessidade cega e impessoal. A predestinação é o decreto de um Deus pessoal, infinitamente sábio, justo e bom. “Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos remotos, o que ainda virá. Digo: Meu propósito ficará de pé, e farei tudo o que me agrada” (Is 46:10) só é fatalismo para quem exclui Deus e se entrega ao acaso cego.

7. Torna a história irrelevante. Sem um Deus soberano governando, a História não passa de um emaranhado de acontecimentos sem sentido e sem propósito. A esperança futura pode ser um pessimismo trágico ou um otimismo utópico, tanto faz. Mas, se cremos num Deus que decreta e governa todas as coisas de forma infalível, então podemos ter certeza de que o que Ele decretou vai se cumprir. E em meio ao emaranhado de eventos, vemos o trem da história seguro para o propósito, o telos que Deus determinou: “Desde o início faço conhecido o fim, desde tempos remotos, o que ainda virá. Digo: Meu propósito ficará de pé, e farei tudo o que me agrada” (Is 46:10). Somente um Deus no trono confere sentido à História.

8. Distorce o sentido da ação humana. Sendo a fé um dom de Deus, como diz Ef 2:8, “vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus”. O homem poderia ter o mérito de renunciar os próprios esforços, se estivesse vivo espiritualmente para se esforçar, mas o fato é que Deus “deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos” (Ef 2:5). Logo, toda glória é dada a Deus.

9. Inspira um falso senso de segurança. Embora a Bíblia nos diga “empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais tropeçarão” (2Pe 1:10), sabemos que nossa segurança não depende de nossa experiência, mas do fato de que somos “protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes a ser revelada no último tempo” (1Pe 1:5), vale dizer, fomos “chamados, amados por Deus Pai e guardados por Jesus Cristo” (Ef Jd 1:1). O crente não se fia em si próprio, mas sabe que “Aquele que os chama é fiel, e fará isso” (1Ts 5:24).

10. Os frutos não tem sido bons. Contra o calvinismo, tem-se apresentado fatos como a execução de Serveto e o regime do Apartheid, entre outros. Os calvinistas não negam essas manchas históricas, mas as colocam sob a perspectiva correta e lembram de outros tantos bons exemplos apresentados por calvinistas. Não é o caso de enumerá-los aqui, pois uma doutrina não se prova dizendo que Madre Tereza a esposava, nem se refuta dizendo que Hitler acreditava nela. A verdade se prova biblicamente, “pois nada podemos contra a verdade, mas somente em favor da verdade” (2Co 13:8) ou, para citar um verso caro aos adventistas, “se eles não falarem conforme esta palavra, vocês jamais verão a luz!” (Is 8:20). E no arrazoado do professor, sobrou frases sem sentido e faltou fundamentação bíblica.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

7 de julho de 2011

Quem foi Cornelius Van Til?

Poucos cometeriam o terrível erro estratégico de publicar uma monografia em blog. Eu provavelmente seria um desses idiotas. Mas, enquanto pensava sobre o post de hoje, achei por bem selecionar um trecho de trabalho monográfico, que traz uma mini-biografia de Cornelius Van Til - apologeta cristão que passou a ser publicado em língua portuguesa agora em 2011 (pela editora cultura cristã). Por se tratar de um "ctrl c + ctrl v", não me preocuparei em trazer as notas de rodapé.


O trabalho, em seu conteúdo geral, versa sobre uma abordagem vantiliana em comparação com outra, de Francis Schaeffer. Talvez na próxima semana role uma biografia resumida deste segundo autor. Por ora, vai uma apresentação pequena de Van Til.

•   •   •


Cornelius Van Til nasceu na Holanda, em um lar marcado pela fé reformada. Descreve um pouco de sua história no livreto “Por que creio em Deus”, e demonstra a educação cristã que lhe foi dada por seus pais. Tendo se mudado para os Estados Unidos ainda na infância (Highland, Indiana), ali cresceu e se desenvolveu nos estudos, graduando-se no Calvin College, cursando o Calvin theological seminary, e concluindo os estudos na Princeton University – onde poderia unir os estudos da universidade e do seminário.
Van Til foi ordenado pastor em 1927 pela Christian Reformed Church, e foi transferido como ministro para a Orthodox Presbyterian Church em 1936. Tornou-se professor do Princeton Theological Seminary em 1928, mas logo saiu por ocasião da influência liberal e as políticas instituicionais. Embora também tenha trabalhado em escola cristã primária e secundária, passou a maior parte de seu ministério ensinando no Westminster Seminary (1929 - 1972).
As influências do pensamento de Van Til são rastreadas por seu discípulo, apologeta, e também professor do WTS, John Frame. Em suas leituras teológicas, são mencionados Abraham Kuyper e J. Gresham Machen, cuja perspectiva e prática sobre a noção de antítese encaminharam muito do pensamento vantiliano.

O conceito de antítese em Van Til pode ser entendido como uma continuação da obra de dois homens que tiveram grande influência sobre ele: Abraham Kuyper e J. Gresham Machen. Kuyper devotou muito de seu pensamento à antítese e à graça comum. De fato, ele também devotou muita ação à aplicação destes conceitos na igreja e sociedade. O insight fundamental de Machen foi o ponto altamente antitético de que o Cristianismo ortodoxo e o liberalismo teológico não são duas posições teológicas cristãs divergentes, como o Calvinismo e o Luteranismo, mas duas religiões diferentes, radicalmente opostas uma à outra. […] Van Til aplicou este pensamento “antitético” à neo-ortodoxia e outros movimentos teológicos .
(tradução livre - FRAME, John. Van Til on antithesis. Westminster Theological Journal, vol. 57, n. 1, Spring 1995, pp. 81-102.)

Também no âmbito teológico, é possível mencionar a influência de Geerhardus Vos, de quem recebeu uma base exegética sólida e teologia bíblica robusta para suas empreitadas teológico-filosóficas.
Seu treino filosófico tem influência de W. Harry Jellema, seu professor no Calvin College (e também professor de Alvin Plantinga, 30 anos depois), e Archibald A. Bowman, filósofo idealista e seu orientador na Princeton University. Possivelmente a influência de Bowman se fez presente na linguagem de Van Til, que por vezes utiliza expressões do idealismo – o que lhe rendeu algumas críticas.
Frame desenvolve um esboço do pensamento de Van Til, baseado em quatro tópicos principais, com seus devidos subpontos (Figura 1). O projeto vantiliano, assim apresentado, trabalha o conhecimento em sua relação com Deus e Sua Palavra, bem como o desenvolvimento de uma abordagem daí decorrente para a apologética. A divisão da teoria vantiliana desta maneira, deve-se frisar, embora pedagógica, é questionada por muitos, que consideram a unidade do sistema como ponto fundamental. Frame toma a liberdade de utilizar a “herança” recebida e criticá-la ou alterá-la nos pontos que considera defeituosos ou incompletos.
Fig. 1: esboço do pensamento vantiliano. Adaptado de John Frame.
Conforme o Dr. Davi Charles Gomes, “sua maior contribuição talvez seja no desenvolvimento de uma apologética conscientemente bíblica e reformada, com pressupostos filosóficos e teológicos claramente examinados”. Ele faleceu três anos após Francis Schaeffer, de quem foi professor no Westminster Seminary.