Logo, tudo se decide pela porta por onde se entra, pois ela dá para um único caminho e que conduz a um único destino. Não há atalhos que permita corrigir a rota ou sair da estrada em que se está. Pode-se até parar ao longo do caminho, mas nunca pular para o outro lado, sem passar pela porta. Acertando a porta, tudo se resolve. Por isso, Jesus disse "esforçai-vos por entrar pela porta estreita" (Lc 13:24).
31 de janeiro de 2011
As duas portas e a segurança do crente
Logo, tudo se decide pela porta por onde se entra, pois ela dá para um único caminho e que conduz a um único destino. Não há atalhos que permita corrigir a rota ou sair da estrada em que se está. Pode-se até parar ao longo do caminho, mas nunca pular para o outro lado, sem passar pela porta. Acertando a porta, tudo se resolve. Por isso, Jesus disse "esforçai-vos por entrar pela porta estreita" (Lc 13:24).
28 de janeiro de 2011
Cristianismo em linha reta
Qualquer um admitiria de pronto que a arrogância e a mania de grandeza é algo que devemos abominar com todas as forças de nossa alma; que detratar os outros é feio; que não devemos "passar por cima" das pessoas; e que devemos sempre respeitar os espaços e as limitações (físicas, intelectuais e "espirituais") de cada um. Contudo, na maioria das vezes nossas ações conflitam flagrantemente com nosso discurso: assumimos uma postura arrogante para com os mais limitados e depois usamos de uma mea culpa "politicamente correta" para camuflar nossos intentos - mea culpa esta que, no fim das contas, servirá apenas de cal para embranquecer ainda mais as paredes dos nossos imponentes - embora podres - mausoléus.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Sem mais comentários.
Soli Deo Gloria!
27 de janeiro de 2011
O sofrimento dos bons
Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o SENHOR. Então, o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por ela.
Perguntou o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.
Então, Satanás respondeu ao SENHOR: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a mão, toca-lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema contra ti na tua face.
Disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está em teu poder; mas poupa-lhe a vida.
Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó, sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se. Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre.
Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios. (Jó 2:1-10)
Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado;como está escrito: Não há justo, nem um sequer,não há quem entenda, não há quem busque a Deus; (Romanos 3:9-11)
Na verdade, falaste perante mim, e eu ouvi o som das tuas palavras: Estou limpo, sem transgressão; puro sou e não tenho iniqüidade. Eis que Deus procura pretextos contra mim e me considera como seu inimigo. Põe no tronco os meus pés e observa todas as minhas veredas. Nisto não tens razão, eu te respondo; porque Deus é maior do que o homem. (Jó 33:8-12)
porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. (Hebreus 12:6)
Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, tendo sido nomeado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. (Hebreus 5:7-10)
Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu. (Isaías 53:10-12)
Assim, abençoou o SENHOR o último estado de Jó mais do que o primeiro; porque veio a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Também teve outros sete filhos e três filhas. Chamou o nome da primeira Jemima, o da outra, Quezia, e o da terceira, Quéren-Hapuque. Em toda aquela terra não se acharam mulheres tão formosas como as filhas de Jó; e seu pai lhes deu herança entre seus irmãos. Depois disto, viveu Jó cento e quarenta anos; e viu a seus filhos e aos filhos de seus filhos, até à quarta geração. Então, morreu Jó, velho e farto de dias. (Jó 42:12-17)
26 de janeiro de 2011
Coram Deo
Este é menos um post decente do que um breve comunicado. Embora tenha a matéria prima para trabalhar alguns pontos por aqui - as idéias que levantam as discussões - tenho pouco acesso à internet, e pouco tempo para desenvolver algo nestes dias.
No próximo sábado celebrarei a Deus pelo casamento com minha noiva - a blogueira do IvoneTirinhas - e vamos encarar o desafio de uma união Teorreferente (que busca reconhecer Deus como ponto de referência último de nossa vida), ou, como outros gostariam de dizer, um casamento Coram Deo (vivido diante da face de Deus).
A consciência de Deus faz toda a diferença na vida. Solteiro ou casado, sua existência é profundamente transformada pelo reconhecimento do Altíssimo revelado na Escritura. Este é o desafio que encaramos, esta é a batalha que travamos.
É sempre muito mais fácil escrever artigos sobre Teorreferência do que vivê-los. E, certamente, um cético ou outro cínico, podem ler tais posts com aquela expressão de desdém, dizendo que nunca conseguiremos cumprir tais preceitos por nós. Eu concordo plenamente. Nunca conseguiremos viver Coram Deo por nosso próprio esforço, inteligência, sofisticação, ou qualquer coisa considerada uma virtude. Tudo vem do alto.
Allen Porto edita o BJC e o EuCaso.com, e está com um friozinho gostoso na barriga =)
25 de janeiro de 2011
“Algumas certezas, muitas dúvidas” – Sobre a fé incrédula da espiritualidade pós-moderna
[Este é um post antigo do Optica Reformata. Fiz questão de reproduzi-lo aqui por conta de um certo alguém ter me feito lembrar de um certo Gondim…]
***
É interessante como o lema da propaganda do seriado global Malhação, “algumas certezas, muitas dúvidas”, tem tudo a ver com o tipo de “espiritualidade” que muitos evangélicos tem abraçado nos dias de hoje. Ao contrário da espiritualidade do antigo Evangelho, que sempre se pautou mais pelas certezas do que pelas dúvidas dos crentes, o que pode ser percebido pela grandeza dos credos e confissões de fé antigas, a nova espiritualidade não apenas se firma sobre um terreno movediço, mas também parece até se orgulhar disso. E não estamos falando daquele tipo de questionamento sobre se o batismo deve ser por imersão ou por aspersão; ou se as mulheres devem ou não orar no culto, mas se os pontos fundamentais do cristianismo são mesmo tão fundamentais assim. Para quem ainda não a conhece, esta é a boa (ops!) e velha incredulidade, que na maioria das vezes se esconde sob a capa de um dócil espírito piedoso.
Ricardo Gondim escreveu um livro cujo título reflete muito bem o que propõe esse tipo de espiritualidade. O livro se chama Eu creio, mas tenho dúvidas – a graça de Deus e as nossas frágeis certezas [o negrito não é meu], e foi lançado pela editora Ultimato em 2007. Apesar do título aparentemente inofensivo e “piedoso”, o livro, que na realidade é uma coletânea de artigos do autor, no conjunto se mostra um verdadeiro amálgama não de crenças, mas de descrenças (salvo alguns capítulos em que ele apropriadamente rejeita o evangelho da prosperidade e outras esquisitices neopentecostais), onde há endossos (por vezes explícitos) a engodos como a teologia relacional e as teorias desconstrucionistas de Foucault e Derrida, somente para citar os mais relevantes. Curiosamente, o mesmo Ricardo Gondim fez a apresentação de outro livro com o mesmo tema, agora lançado pela editora Mundo Cristão, cujo título é Fé e Descrença, de autoria de Ruth Tucker (na realidade, o evento foi um debate sobre o assunto do livro, promovido pela própria editora). Confesso que não li toda a obra, mas a julgar pelo seu próprio título e também pelo tema abordado por Gondim em sua palestra de apresentação, a qual ele sugestivamente intitulou de “A fé de mãos dadas com a dúvida” (aqui), nem é preciso folheá-la toda para saber do que se trata.
O mais interessante é que os duvidosos se mostram sempre muito humildes e, na maioria dos casos, muito piedosos. Aliás, é bom que se diga que esta é, na realidade, uma das principais táticas que eles usam para não serem precocemente rechaçados. Na grande maioria das vezes eles adotam uma postura defensiva contra tudo aquilo que eles chamam de cristianismo “elitista”, “desumano”, “opressor”, “arrogante” e até “anticristão”, exaltando conceitos nobres como liberdade, diversidade, justiça e democracia, sempre com o intuito de que as pessoas os vejam como vítimas da “ortodoxia fundamentalista” (a “monolítica teologia evangélica estadunidense”) daqueles que reclamam para si o cristianismo histórico. Assim como existem os marginalizados sociais, os duvidosos se sentem como os “marginalizados teológicos” dessa disputa. Mas cuidado: em alguns casos tudo isso pode não passar de pura ironia.
Arrependo-me de ter aliciado algumas pessoas para meu texto. Atraí alguns imprudentes leitores e eles, coitados, passaram a gostar das minhas doidices autofágicas, das minhas apostasias teológicas e dos meus delírios existenciais. Pior, condenei-me a continuar escrevendo para alimentar esses famintos pintassilgos que, de bico aberto, esperam o insípido pão que regurgito em forma de palavra.
Gondim, Ricardo. Op. cit. p. 13.
É justo reconhecer, entretanto, que nem todos usam essa tática com o fim último de ganhar adeptos, embora isso acabe, no fim das contas, por aliciar gente inconstante e imatura para o terrível, porém convidativo, mar da incerteza, onde há pouquíssima luz e muita escuridão. A despeito de sua crença (ou da falta dela), também é bom que se diga que nem todos os duvidosos são, por assim dizer, libertinos práticos, pois nem todos estão envolvidos em escândalos sexuais, drogas, alcoolismo, lavagem de dinheiro e coisas do tipo, o que não os melhora em muita coisa, é verdade, mas que pelo menos livra suas caras das páginas que os jornais dedicam aos abusos eclesiásticos nossos de cada dia.
Toda essa maré de incertezas me faz crer que a máxima modernista de que “tudo o que é sólido desmancha-se no ar” (Marx) parece ter encontrado terreno fértil na religiosidade dos dias atuais. Na cultura hodierna a fé não pode mais sobreviver sem a dúvida. Melhor: as incertezas são infinitamente mais sublimes do que as convicções. A virtude de um homem não está mais na robustez de sua fé, e sim na fragilidade da mesma. Incrível isso, não? Como diria Humberto Gessinger, líder da banda de rock Engenheiros do Hawaii, “a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza”. Ora, é o próprio deus (de cognome “Papai”) do best-seller A Cabana quem diz que “a fé não cresce na casa da certeza”. Se foi “Deus” mesmo quem disse, o que questionar? Até mesmo o Espírito Santo (de cognome “Sarayu”) disse que “gosto demais da incerteza”. E, para que toda a Trindade enfim endosse esse culto à dúvida, só falta o parecer de Jesus, que não diz exatamente que está “incerto” quanto a algo, mas hilariamente declara que “eu não sou cristão” e que “minha vida não se destinava a tornar-se um exemplo a copiar”[1]. De fato, numa sociedade onde nem a própria divindade crê mais em uma verdade absoluta, nada disso surpreende.
Mas apesar de estar bastante em voga nos dias de hoje, essa temática na realidade é bem antiga. Não, não estou me referindo às teorias ateias de Marx nem ao Iluminismo, muito menos aos seus filhotes – os liberais. Estou me remontando ao Éden, pois foi lá que a guerra pela Verdade adentrou na História. Com uma clareza mais que indubitável, Deus havia dito ao casal que ele acabara de criar que se eles comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal certamente morreriam. Deus não disse que “provavelmente” a desobediência desembocaria em morte, mas “certamente morrerás” (Gn 2.17). Então a serpente, o mais sagaz de todos os animais selváticos, semeou a dúvida na mente de Eva: “Foi assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). O resultado final foi que o casal acabou cedendo à tentadora oferta que Santanás lhes propôs, a de ser “como Deus”, tendo sido lançada naquele dia as bases de um piso escorregadio que até hoje tem levado a humanidade a deslizar e cair em todas as formas de paganismo. E é justamente por isso que a dúvida tem conquistado o seu espaço no panteão moderno como uma divindade digna de ser adorada.
Àqueles que me oferecem, muito obrigado, mas eu não quero abraçar essa tal “espiritualidade”, pois ela propõe exatamente um outro deus, apesar de este ser sempre inclusivo, não preconceituoso e indulgente para com tudo, até mesmo para com os nada-indulgentes cristãos “tradicionais”. Não quero essa espiritualidade porque ela cheira àquilo que Paulo tanto advertiu a Timóteo, de que certas pessoas ostentariam um certo tipo de “piedade”, mas que no fim de tudo negariam o poder desta tanto por seu credo quanto por suas práticas malignas (2Tm 3.5), ainda que estas reluzissem como verdade (cf. 2Co 11.14). Não quero essa tal espiritualidade porque ela me faz lembrar dos místicos medievais, que, de tanto abraçar o “mistério”, acabaram por reduzir a fé cristã a meros exercícios ascéticos e contemplativos, mantendo viva a tocha gnóstica que os pais primitivos tanto lutaram para apagar. E por fim, não quero essa tal espiritualidade porque no fim das contas ela acaba desacreditando daquilo que o apóstolo denominou de “coluna e baluarte da verdade”: a igreja (1Tm 3.15).
Vou ficar mesmo com a fé do cristianismo histórico, que, a despeito da fragilidade de seus personagens, certamente diria com a mais firme convicção que as certezas sempre sobrepujam as dúvidas, ainda que estas não sejam poucas.
Soli Deo Gloria!
________________________________________
[1] Young, William P. A Cabana. Editora Sextante. As citações “entre aspas” encontram-se nas páginas 176, 190, 168 e 136, respectivamente.
24 de janeiro de 2011
O livre-arbítrio e Romanos 8:8
23 de janeiro de 2011
O mal de Agostinho e a graça de Deus
20 de janeiro de 2011
Como o calvinismo pode salvar seu casamento
O título do post engana. Não se trata de um artigo para pessoas com casamento em crise - embora possa ser aplicado nesse contexto. Não tenta descrever o calvinismo como um método de "terapia conjugal", mas descreve elementos do pensamento reformado que possibilitam uma vida a dois mais saudável.
Estou às vésperas do casamento - exatamente a 9 dias dele. E por isso é natural que minha mente esteja voltada para o assunto. Minhas leituras também.
Enquanto leio e reflito sobre os autores reformados que escrevem sobre o casamento e a vida em família, como C. J. Mahaney, Paul Tripp, Martyn Lloyd-Jones e Augustus Nicodemus Lopes, percebo que existe uma maneira distinta do calvinista observar o matrimônio. Que elementos, então, tornam o calvinismo melhor preparado para abordar o casamento e a vida em família? Listo alguns:
1. O calvinismo observa a realidade a partir da tríade Criação-Queda-Redenção
Existe um modo peculiar do pensamento reformado encarar a realidade. Agostinho, Calvino, Kuyper, Herman Dooyeweerd e Francis Schaeffer são exemplos de uma linhagem calvinista que produziu bastante a partir desse modo de perceber o mundo e a história. Por meio do pensamento deles, somos confrontados com uma visão integrada e completa dos fenômenos - obviamente, não perfeita. Em vez de um ferramentário dicotômico (ao estilo matéria x forma, ou natureza x graça), o pensamento calvinista lida com o casamento usando instrumentos adequados - percebe que o homem foi criado sem pecado, e o casamento foi instituído ainda em um tempo de pureza e plenitude. Compreende que o homem pecou, e os efeitos do pecado foram cósmicos - por isso o casamento apresenta lutas e dificuldades. Crê que existe redenção na obra de Jesus, que restaura o homem como um todo, resgatando o significado do casamento, o amor, e as virtudes que possibilitam a vida a dois.
Sem fantasiar sobre a realidade, ou fugir da tentativa de compreendê-lo, o calvinista possui um quadro de referência que permite uma análise cautelosa e verdadeira das crises conjugais, bem como o conhecimento do "lugar" onde tais questões encontram luz e solução. [Na verdade é uma pessoa, não um lugar].
2. O calvinismo compreende a depravação do coração humano
Uma aborgadem comum de problemas conjugais tentará identificar "causas" em objetos ou circunstâncias. A TPM, o estresse, a roupa, a falta disso ou daquilo, será identificado como "o problema a ser resolvido". Com tal diagnóstico, o tratamento será um mês de férias, a diminuição do ritmo de trabalho, a mudança de alguns hábitos, etc. Provavelmente algum resultado positivo será obtido nas primeiras semanas, mas logo se perceberá que o problema, se não retornou como antes, foi "realocado" para uma área próxima.
O calvinista compreende que o problema central no casamento não são as circunstâncias. Elas apenas criam ocasiões para transbordar o que está no coração humano. Assim, o foco do tratamento deve ser o coração.
A antropologia reformada permite compreender a questão central que direciona todos os outros problemas surgidos no contexto do casamento - o pecado no coração do homem. No calvinismo existe um diagnóstico correto, o que permite o tratamento devido.
Como reformado, eu deveria reconhecer que o problema no meu casamento é o meu coração - sou eu.
3. O calvinismo enfatiza a soberania e providência de Deus
Enquanto outras correntes do cenário cristão buscam salvaguardar o livre-arbítrio humano, e assim tentam limitar pelo menos um pouco a atuação Divina, o calvinismo proclama, sem reservas, o governo absoluto de Deus sobre todas as coisas.
Nada surpreende o Senhor, nada foge de Seus decretos. Nada frustra os Seus planos e nada (nem ninguém) resiste à Sua vontade. Deus é soberano. Perfeita e plenamente Senhor sobre os céus e a terra, bem como sobre todos os que neles habitam. O Seu governo se estende do elemento mais simples ao mais complexo, da situação mais singela à mais difícil.
No contexto do casamento, a fé na soberania e providência de Deus traz conforto e segurança. As piores lutas não estão fora do controle do Senhor, e não passam despercebidas por Ele. As maiores alegrias também são desfrutadas a partir do reconhecimento de que há um "dedo" Divino nisso tudo.
A fé na soberania de Deus nos dá o maior de todos os recursos na luta contra o pecado da ansiedade - o olhar para o Senhor de tudo, e clamar a Ele. Não há luta que Ele não possa resolver.
4. O calvinismo ressalta o propósito da existência humana: a glória de Deus
A máxima calvinista grita alto: "Soli Deo Gloria!". O Catecismo Maior de Westminster responde: "o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre". Está cristalizada na tradição reformada a noção da glória de Deus como o fator que dirige a vida humana. Ecoando o apóstolo Paulo, os reformados dizem que as coisas são feitas "para o louvor da Sua glória" (Ef.1.12), e que devemos "fazer tudo para a glória de Deus" (1Co.10.31).
Na vida conjugal, tal noção indica que o casamento é mais sobre Deus e Sua glória do que sobre a união de duas pessoas. O matrimônio é melhor vivido quando a sua Teorreferência é deliberada e contínua. Deus é o centro. A Ele a glória.
Isso significa que, no conflito de opiniões, a busca de satisfação pessoal - como se a minha glória fosse o mais importante - deve ser colocada em segundo plano, diante da tentativa de glorificar a Deus na resolução de conflitos e na tomada de decisões. Obviamente, como o coração do homem está comprometido, várias serão as vezes em que os calvinistas não cumprirão este propósito. Mas eles têm um alvo, uma confissão. Eles caminham para isso, e por isso lutam.
O credo calvinista reserva a Deus o lugar mais importante na vida a dois. Ninguém mais é tão relevante, nem os noivos, nem os familiares, nem os filhos. Ninguém além do Senhor.
Ad infinitum (?)
Cada um dos pontos do calvinismo, ou dos solas, ou dos símbolos de fé, poderia gerar um elemento que distingue o calvinismo e possui aplicações para o casamento. Alguns argumentarão aqui que muitos dos princípios que destaquei são partilhados tanto por calvinistas, quanto por não-calvinistas. Eu não criaria confusão com isso. Posso concordar que alguns dos pontos mencionados são, de fato, abraçados por irmãos não-reformados. A questão é que, fora do conjunto de pressupostos do pensamento calvinista, esses pontos estão soltos e mal explicados. Fora do contexto no qual eles são integrados e fazem sentido, perdem força - embora ainda tenham alguma.
Por isso penso ser o calvinismo distinto no casamento. Ele pode salvar a vida a dois, na medida em que trabalha com pressupostos e princípios fundamentais para promover a humildade no trato com o outro, o reconhecimento da incapacidade pessoal, a dependência da ação Divina, e o objetivo correto de se unir eternamente a alguém.
Soli Deo Gloria.
Allen Porto escreve no BJC está louco para casar.
18 de janeiro de 2011
Cessacionismo x Continuísmo: a Grande (e confusa!) Batalha
Se o debate entre cessacionistas e continuístas se resumisse apenas a questões terminológicas, talvez a gente tirasse de letra. Mas não é. Tudo bem. Vamos considerar por ora as terminologias. O que configura exatamente as duas perspectivas? Talvez a resposta mais convencional seja a de que o cessacionista é aquele que crê que certos dons espirituais e extraordinários (miraculosos) operaram na igreja somente na era apostólica, e que os mesmos cessaram definitivamente até o final do primeiro século; ao passo que o continuísta é aquele que crê que todos os dons existentes no Novo Testamento, miraculosos ou não, ainda continuam sendo derramados pelo Espírito até que Cristo volte. Satisfeitos? Eu não. Aliás, tenho enormes dificuldades com certas terminologias. Em muitos casos elas não dizem muita coisa.
[Onde começa um e onde termina o outro?]
Apesar do “x” que coloca as duas perspectivas em extrema oposição no título deste post, penso que seja mais razoável falarmos em “cessacionismo e continuísmo”. Isto porque, em minha opinião, todo cessacionista é um continuísta potencial, e vice-versa. Antes dos “fiscais da ortodoxia alheia” (adorei essa, Gaspar!) me acusarem de “traidor da Confissão” e coisas do tipo, vou dar aqui um belo exemplo daquilo que eu chamaria de “continuísmo cessacionista”; exemplo este baseado no conceito que nós, reformados em geral, temos da tarefa da pregação. Veja o que diz Paulo Anglada, um dos mais respeitados teólogos reformados do Brasil:
A autoridade da pregação no Novo Testamento se fundamenta na comissão do pregador e depende da sua fidelidade à mensagem. Algumas passagens do Novo Testamento e a própria terminologia empregada indicam que, na qualidade de arauto, o pregador é um porta voz de Cristo, que sua pregação deve ser recebida como Palavra de Deus, e sua voz equiparada à voz de Cristo. […] Deveriam esses textos [no caso, Mt 10.17;20; 28.20; 2 Co 2.17; e 1 Ts 2.9,13] ser interpretados como casos particulares, relacionados apenas à inspiração apostólica; ou em termos mais amplos, com relação à autoridade da pregação dos ministros da Palavra? Algumas passagens [no caso, Lc 10.16; Rm 10.14; e Hb 1.1-2; 2.1-3; 3.7,8,15; 4.7; 12.25; 13.7-8] parecem apontar para a segunda possibilidade.
(ANGLADA, Paulo. Introdução à pregação reformada – uma investigação histórica sobre o modelo bíblico-reformado de pregação. Knox Publicações, 2005. Pág. 41, 42, 43. Itálicos meus).
Anglada é ainda mais contundente quando, fazendo exegese, se refere à carta aos Hebreus:
Quando, no final da carta, o autor exorta seus leitores a lembrarem-se dos seus guias espirituais “os quais vos pregaram a palavra de Deus” (13.7), mencionando no verso seguinte que “Jesus Cristo ontem e hoje é o mesmo, e o será para sempre”, não estamos autorizados a concluir que na pregação da Palavra de Deus, Cristo faz ouvir a sua voz, exigindo irrestrita obediência dos ouvintes?
(Idem. Pág. 43-44).
As resoluções de Anglada lembram e muito um dos aspectos do dom de profecia no Novo Testamento, que é justamente a explicação e aplicação da Palavra à igreja (sobre o que pretendo tratar em outro post, se Deus permitir). Mas se você perguntar a um cessacionista se ainda existe profetas nos dias de hoje, poucos farão um esforço no sentido de definir biblicamente quais eram os atributos dos profetas, bem como o conteúdo de suas mensagens. Provavelmente, a resposta para sua pergunta seria um apressado e sonoro “não!”. Longe estou de sugerir que Paulo Anglada deva ser enquadrado naquilo que falei sobre o “continuísmo cessacionista”, visto que ainda não li nada dele sobre o debate em questão. Mas se ele ainda não se constitui em unanimidade entre os calvinistas cessacionistas e continuístas, talvez Calvino sim. Ou, de repente, não… Vejamos:
Onde quer que seja pregado o evangelho, é como se Deus viesse para o meio de nós. […] É certo que se vamos à igreja, não ouviremos apenas um homem mortal falando, mas sentiremos que Deus (por meio do seu poder secreto) está falando à nossa alma; sentiremos que Ele é o professor. […] Deus nos chama para si como se estivesse falando-nos por sua própria boca e pudéssemos vê-lo ali, em pessoa.
(CALVINO, João. Sermon on the epistle to the Ephesians. Carlisle, PA; Edinburgh, Scotland: The Banner of Truh Trust, 1562, 1577, 1973, 1979, 1987, 1998. p. 42. Citado por Steven Lawson em A arte expositiva de Calvino. Editora Fiel, 2008. p. 37).
Novamente, não me estenderei aqui por já estar preparando um post acerca da perspectiva de Calvino quanto à profecia. Embora não seja justo cansar a noiva antes do baile, faço questão de adiantar que a pesquisa apenas confirmará o mesmo ponto supracitado.
Mas os continuístas também tem lá o seu quê de cessacionismo. E como tem! Um exemplo? Simples: pergunte a qualquer continuísta sério se ele realmente crê que alguém, por mais cheio que seja (ou esteja) do Espírito, tenha a graça de ressuscitar alguém dentre os mortos, como o fez Pedro, por exemplo (At 9.40,41); ou então de curar enfermos simplesmente por meio de peças de roupas, como aconteceu a Paulo (At 19.12); ou então de estender um pedaço de pau e abrir um mar inteiro, como Moisés (Êx 14.15-31). Tudo bem, o exemplo citado de Moisés (e Paulo, quem sabe…) não se trata exatamente de um dom. Mas aqui temos outra confusão, e esta é entre dons e milagres. Se você me perguntar se Deus ainda cura doenças eu lhes respondo que “sim”. Mas se você me perguntar se existe alguém com o dom de cura, aí eu devo responder que “não”. Milagres, sim; dom, não necessariamente. Aqui ainda cabe outra confusão, e esta se refere aos tipos de milagres em si. Se alguém chegar para mim argumentando que podemos tudo porque “Jesus mesmo disse que ‘obras maiores do que estas vocês realizarão’”, aí eu vou pedir a esse irmão para realizar não menos que a ressurreição de algum morto. Entendam bem: a grande questão não é se Deus pode fazer estas coisas (abrir o mar, trasladar pessoas para o céu, retroceder a sombra do sol em dez graus, ruir as muralhas de Jericó, etc.). Sim, Ele pode! Mas a questão é: Ele está fazendo coisas assim nos dias de hoje? Pode Deus transportar o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro para São Paulo? Visto que é Ele quem domina sobre os montes, claro que sim! Mas até que Ele não faça isso, os paulistas deverão se contentar apenas com a rede de supermercados homônima. Afora o tom irônico, há ou não certo cessacionismo no continuísmo?
[Mais confusão…]
Mas a confusão criada pela ala tresloucada dos continuístas (a qual eu chamaria de “caosrismáticos”) tem feito com que os cessacionistas acabem considerando quase todos os continuístas como farinha do mesmo saco. A julgar pelo trato que alguns cessacionistas dispensam aos que pensam diferente deles, inclino-me a crer que os reformados continuístas acabam escapando da degola (ou do “saco”, como queiram) somente porque ainda são “conservadores” em termos de soteriologia. Digo isso porque há, lamentavelmente, cessacionistas que chegam ao ponto de considerar os nossos irmãos pentecostais como “hereges” e “apóstatas”. E não porque os pentecostais tenham negado a divindade de Jesus ou sua ressurreição (como os liberais), mas extamente porque negam o que o cessacionismo (pelo menos ala mais radical deste) afirma. Desconfio seriamente que essa postura soa como um aviso para que os continuístas calvinistas ponham suas barbas de molho.
Mas é bom que se diga que certos continuístas também pecam pela falta de tato e pelo extremismo ao rotular os outros. Por exemplo, Vincent Cheung disse que considera os cessacionistas como “deístas práticos” e que, “sem relegá-lo ao nível de heresia”, vê o cessacionismo como uma doutrina “perigosa, vergonhosa e falsa”, que tem inflingido “tremendo dano à causa de Cristo, e contribuído para a situação lúgubre de alguns setores da igreja por toda a história e nos presentes dias”. Cheung ainda diz que “não contribui para uma discussão sóbria usar pessoas como Benny Hinn e Kenneth Copeland para determinar se a Escritura ensina a continuação dos dons espirituais”, e que “os carismáticos poderiam muito bem usar os ateístas para representar os cessacionistas, em cujo caso ganhariam o debate imediatamente”. Devo concordar com Cheung no que tange a usar como parâmetro para o debate líderes carismáticos caóticos, esdrúxulos e explicitamente desequilibrados como Benny Hinn e semelhantes. Certamente os “caosrismáticos” não representam a ala mais sóbria dos continuístas. “Existem vários recursos eruditos que refutam o cessacionismo, e é contra eles que os cessacionistas devem responder” [1], completa Cheung. Certíssimo! Contudo, discordo totalmente da noção de que o cessacionismo se constitui num deísmo prático; que é perigoso, vergonhoso e falso; e que tem contribuído para a situação letárgica de alguns setores da igreja ao longo dos séculos. Ora, se for assim é justo dizer que os responsáveis diretos pelo surgimento dos “Hagins” e “Hinns” da vida são os pentecostais. Discordo ainda mais do paralelo desrespeitoso e descabido entre cessacionistas e ateus. Então quer dizer que, dentro dessa linha de racioncínio, os cessacionistas estariam certos se comparassem a teologia pentecostal à salada mística da Nova Era, não é? Embora eu entenda Cheung, não justifico sua postura. Ele deveria pelos menos reconhecer que nem todo cessacionista é xiita, assim como nem todo continuísta é xamã. Um extremo leva a outro.
[Matéria de salvação?]
Além disso tudo, outro grande problema é que as partes discutem o assunto como se o mesmo fosse matéria de salvação; como se algum ponto fundamental do Cristianismo (como as doutrinas da justificação pela fé somente, da Encarnação e da ressurreição de Cristo, por exemplo) estivesse em jogo. Entendam bem: não estou relegando a pneumatologia a um plano inferior dentro da teologia, mas apenas dizendo que esse tipo de divergência ao qual estamos nos referindo aqui não torna absurdamente heréticas as partes conflitantes, como são absurdamente heréticos o sabelianismo, o teísmo aberto e o liberalismo, por exemplo. Sustentar o contrário seria o mesmo que dizer que apenas os que entendem a eleição é que serão salvos. Quando a coisa vai por esse caminho, declino do debate. Já se foi o tempo em que eu arrancava os cabelos por essas coisas.
[Conclusão]
Os cessacionistas dirão: “fim de papo”. Os continuístas dirão: “to be continued…”. Até que Cristo de fato volte, penso que sempre será assim. Que seja, mas que haja mais respeito entre as partes! Que cada um procure entender a perspectiva alheia e esclareça a sua própria, não somente para um melhor entendimento do assunto, mas para que a Verdade promova a humildade no seio dos envolvidos. E que a Escritura sempre seja, como bem rezam nossos símbolos de fé, o Juiz em tudo. Submetamo-nos, pois, ao Espírito que por ela ainda fala.
Soli Deo Gloria!
P.S.: Em meu blog falei algo sobre o “cessacionismo que defendo” (aqui). A presente postagem aqui no 5 Calvinistas, portanto, vem esclarecer em parte o que eu quis dizer alhures.
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[1] Site Monergismo.
14 de janeiro de 2011
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