31 de dezembro de 2010

Não desperdice sua privada quebrada! (*)

Antes que alguém me tenha por louco, deixa eu explicar bem grosso modo o porquê do título deste post: minha avó está com câncer, mas ainda não sabe. O médico diagnosticou a temida doença quando ela (minha avó) começou a se queixar de fortes dores no estômago quando se alimentava, de tal modo que quase tudo o que ela comia dava refluxo. Sua cirurgia, então, foi marcada para o dia 24 de janeiro de 2011 (disso ela sabe, embora ainda pense que se trate de um mioma). Tudo isso significa que, dentre outras coisas, minha avó não pode pegar peso, certo? O problema é que a privada de sua casa havia quebrado, e ninguém conseguia dar jeito. Com vergonha de pedir ajuda à minha tia para que esta pusesse um balde d’água no vaso, ela mesma estava enchendo o balde e derramando na bacia. É claro que ela fazia isso escondida da minha tia, que lhe dava umas broncas quando a flagrava. “A médica disse que ela não podia mais sangrar de jeito nenhum, Bruno” – explicou.

Do câncer eu já sabia a algum tempo, mas do detalhe da privada quebrada, não. Fiquei sabendo ontem, quando fui visitar minha avó. Deu na cabeça de dar uma de encanador, e fui no armazém comprar a peça que, segundo meu julgamento (o julgamento de um cara que não entende nada de hidráulica… pode?!), era o problema. Seguindo orientações do vendedor, de qual peça provavelmente era o problema, comprei a borrachinha responsável pela vedação e passagem da água (uma espécie de tampão). Enquanto tentava resolver o problema, conversava com minha tia, que desabafava algumas coisas – desta vez, nada relativo ao problema da minha avó, mas da situação do seu casamento, que não é das melhores. “Não sinto mais vontade de viver. Se não fossem os meus filhos, e não sei o que seria da minha vida”, disse. Agora eram pelo menos três problemas embolados na minha mente naquele instante: o câncer da minha avó, o casamento da minha tia, e a “bendita” privada quebrada. Até que me dei conta de um problema muito mais sério do todos esses três juntos: o pecado. Comecei a evangelizar minha tia, e explicar a ela que não existe sentido para a vida humana fora do Evangelho da Cruz de Cristo. Falei um pouco sobre a ira de Deus, da qual Cristo veio nos libertar (cf. 1 Ts 1.10), e, por consequência, do inferno. “O inferno, tia, não foi, como muita gente pensa, apenas preparado para o diabo e seus anjos, mas para todos aqueles que se rebelam contra Deus”. Nesse instante lhe lembrei das vezes em que ela pregava o evangelho para mim e meus primos quando éramos crianças. Os textos que ela usava? O livro de Apocalipse, essencialmente. E ao som de uma música homônima de Roberto Carlos. “Mas não faça como eu. Pregue o amor, em vez da dor”, disse ela, ao que lhe respondi: “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho). Minha tia é afastada da igreja. Minha avó só ouvia a conversa.

Voltei minhas atenções para a privada. Depois de muito fuçar, e fuçar, e fuçar, finalmente concluí o trabalho. E com êxito, graças a Deus! A caixa acoplada voltou a funcionar perfeitamente. Minha avó não precisará mais pegar peso escondida de minha tia, correndo o (grande) risco de sangrar e complicar tudo. Ela me agradeceu muito, e até soltou um “glória a Deus”. De fato, glórias sejam dadas a Ele! Era o mínimo que eu poderia fazer por ela naquele momento, já que não posso intervir na cura daquele câncer que está alojado em seu estômago. Só Deus sabe, mas pode ser que eu não veja mais a minha querida avó quando voltar novamente em Recife de férias no ano que vem. Lógico que eu não quero isso! Mas devo me preparar para o que Deus quiser.

Ela ouviu o evangelho que eu estava pregando para minha tia, e certamente ficou a refletir em suas implicações. Ainda pretendo evangelizá-la mais, pois, independente dos seus setenta e seis anos, ela é uma pecadora que ainda não conhece a Cristo. E minha sincera oração é para que, antes da cirurgia do dia 24 de janeiro, outra cirurgia seja efetuada. Agora falo daquela cirurgia pela qual passou todo aquele que foi regenerado pelo Espírito Santo. Desejo do fundo do meu coração que minha querida vovó chegue à mesma conclusão que Paulo, de que “o viver é Cristo, e o morrer é lucro”; e que “partir e estar com Cristo é incomparavelmente melhor” (Fp 1.21,23).

Orem por ela, irmãos. Seu nome é Isabel. A solução que encontrei para a privada, embora oportuna, é temporária e pouco (para não dizer nada) resolve. Mas a solução de Deus para o verdadeiro grande problema humano é perene.

Soli Deo Gloria!

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(*) Título inspirado num artigo de John Piper, “Não desperdice seu câncer”.

30 de dezembro de 2010

Top 10 livros de 2010

Publicado originalmente no BJC

O IvoneTirinhas publicou uma recente lista de autores relevantes, e isto me lembrou da lista anual dos melhores livros lidos.

Eu fui menos organizado ao longo deste ano, de modo que os meus registros de livros lidos estão espalhados, e isso pode comprometer a lista um pouco. De qualquer modo, também achei que, embora eu tenha lido alguns livros realmente bons, poucos foram os que realmente me cativaram.

Eis a minha lista:

10. CASEI-ME COM VOCÊ (Walter Trobisch, Ed. Loyola)
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Uma história cativante, por meio da qual o autor nos ensina elementos importantes do casamento. Recomendo a todos os que pensam em casar - agora, ou um dia qualquer.


9. DESEJO E ENGANO (Albert Mohler, Ed. Fiel)

Um alerta sobre a sexualidade do nosso tempo. Textos sobre homossexualidade, pornografia, e outros itens, são apresentados sob a interessantíssima e perspicaz ótica de Albert Mohler.

8. GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL (Leandro Narloch, Leya)
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O primeiro livro que eu li em 2010. Uma pesquisa bem documentada, que destrói os mitos levantados pela esquerdalha sobre o movimento negro, sobre os índios, sobre o nacionalismo, etc. Leia e abra a sua mente para a realidade.

7. QUANDO PECADORES DIZEM SIM (Dave Harvey, Ed. Fiel)
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Este, na verdade, eu ouvi. Como o conteúdo do audiolivro é o mesmo do livro, está aqui recomendado. Para quem deseja uma teologia bíblica do casamento, com sérias análises do impacto do pecado sobre os relacionamentos, e a importância da graç na reconstrução e manutenção dele, esta é uma ótima pedida. Também recomendo a todos os que pensam em casar.


6. A MENTE CRISTÃ NUM MUNDO SEM DEUS (James Emery White, Vida)
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Um livro fino e rápido de se ler, mas com uma mensagem muito bem aplicada, apresentando perspectivas da cosmovisão cristã, e desafiando-nos a ter uma mente treinada e fiel ao Senhor.


5. TORTURADO POR AMOR A CRISTO (Richard Wurmbrand, A Voz dos mártires)

Um dos livros que mais me humilhou neste ano, mostrando minha covardia e fraqueza. Richard Wurmbrand relata seu ministério na Romênia comunista, bem como a atuação da igreja preseguida ali. Histórias fortes, tristes, e encorajadoras nos são relatadas.

4. QUANDO AS PESSOAS SÃO GRANDES E DEUS É PEQUENO (Edward T. Welch, Ed. Batista Regular)
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Deixe de lado os outros livros sobre relacionamentos interpessoais e leia esta obra do Ed Welch. Ao final do livro, você provavelmente chegará à conclusão de que deve amar mais as pessoas, e precisar menos delas. Foi uma leitura libertadora.

3. CARTAS DE UM DIABO A SEU APRENDIZ (C. S. Lewis, Martins Fontes)

Cheio de criatividade, beleza e humor, C. S. Lewis nos alerta para os perigos de tentações que satanás e suas hostes enviam sobre os eleitos.

2. CRISTIANISMO SEM CRISTO (Michael Horton, Cultura Cristã)
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Em termos de análise de conjuntura do cristianismo contemporâneo, este talvez seja o livro do ano. Aqui conheci o Deísmo Moralista e Terapêutico, tão comum em nossas igrejas, mas ainda não diagnosticado em muitas delas. Este livro diagnostica vários problemas da igreja contemporânea, dentre os quais o principal é deixar Jesus em um lugar secundário, e nos desafia a voltarmos a um "cristianismo Cristão".

1. INSTRUMENTOS NAS MÃOS DO REDENTOR (Paul Tripp, Nutra Publicações)
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O meu livro preferido em 2010. Comecei a lê-lo buscando ferramentas para trabalhar no aconselhamento, e terminei como um material de auto-análise, auto-confrontação, encorajamento, e capacitação. Tripp escreve com simplicidade e clareza, ilustra bem os pontos, é muito didático, e nos envolve em seu texto. O conteúdo é importantíssimo para todos os cristãos, pois nos prepara para o ministério pessoal, que todos exercemos. Mais do que técnicas de acompanhar nossos irmãos, somos apresentados a uma teologia da amizade e do aconselhamento, uma antropologia bíblica, uma filosofia de ministério centrada em Jesus, e muito encorajamento para a nossa atuação.

*   *   *
Estes são os meus preferidos do ano. Quais os seus?
 

29 de dezembro de 2010

Um só Deus, um só corpo

Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.

Portanto, lembrai-vos de que, outrora, vós, gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se intitulam circuncisos, na carne, por mãos humanas, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo.

Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos {ambos: judeus e gentios} fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade.

E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto;
porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito. (Efésios 2:11-22)
Aprendemos na escola que o ser humano é um ser social e nascido para viver em coletividade. Faz parte da educação do século XXI aprender a ceder os desejos individuais em nome do bem-estar de outros. Mais do que isso: ganha força a ideia de que não devemos pensar apenas nos interesses de nossa "tribo" ou nação, mas sim que devemos buscar o bem-estar de todos, já que dividimos o mesmo mundo.

Contudo, nada parece mais difícil do que promover a união dos diferentes. Vejamos o mais básico dos relacionamentos: o casamento. Já achamos um milagre quando encontramos duas pessoas que conviveram a vida toda com amor, respeito e fidelidade. Se unir de forma duradoura duas pessoas já é algo extraordinário, imagine o que é fazer com que diferentes grupos, etnias ou nações vivam em paz, em torno de um objetivo comum, em uma paz permanente!

Qual é, então, o caminho da unidade?

As respostas erradas
A resposta pós-moderna a esse dilema é a tolerância e o respeito ao diferente. O pluralismo é o caminho pelo qual todas as diferenças podem ser resolvidas. A teoria é bela, mas não é o que mostra a prática. Nem todos os pontos de vista são aceitos, como mostra as críticas feitas ao pastor Augustus Nicodemus por reproduzir o posicionamento da Igreja Presbiteriana do Brasil, contra a aprovação do PL 122. A tolerância de uma Holanda (quer tolerância maior?) não a tornou livre da ameaça de atentados terroristas, mesmo tendo acolhido 27 mil refugiados somalis. Nem mesmo uma fila de pessoas em busca de comida consegue escapar da violência, como mostra um atentado suicida no Paquistão. O relativismo, o pluralismo e até mesmo a solidariedade não conseguem por fim às divisões.

Uma outra resposta é a separação. Nós aqui, eles ali. Essa é a postura que marca muitos dos conflitos com imigrantes e chega a ser endossada por religiosos. Lamentavelmente, essa também é a marca de vários cristãos e é visível nas igrejas que se concentram apenas em um determinado grupo étnico, classe econômica ou faixa etária. Já que é difícil agradar a todos, vamos nos dividir em grupos homogêneos, onde será mais fácil obter a união. Mas é impossível dividir o mundo em ilhas que não se comunicam. Fatalmente os interesses dos grupos irão colidir...e aí, você já viu o final do filme.

O grande defeito dessas soluções é que elas ignoram a verdadeira raiz da desunião entre os homens. Por esta razão, a "paz" que elas promovem é apenas temporária, frágil e superficial.
Sem Cristo, quanto tempo dura essa paz?

Um novo homem
E qual é essa raiz? A inimizade que existe dentro do coração humano. Ela é a parede que, efetivamente, nos mantém separados uns dos outros.

Veja o que acontecia entre os judeus e os não-judeus (gentios) na época de Jesus. Os judeus se sentiam superiores aos gentios porque eles eram descendentes de Abraão, haviam recebido a Lei de Moisés e eram herdeiros das promessas de Deus. Na cabeça de muitos, Deus era como se fosse uma propriedade de Israel. A arrogância era tão grande que eles nem comiam com os gentios, pelo medo de se tornarem impuros caso se associassem a eles. Amavam a separação.

Já os gentios odiavam os judeus, não só por suas atitudes, mas também porque eles não participavam das festividades pagãs típicas do Império Romano. Eles não entendiam e nem respeitavam a fé judaica. Para eles, era fácil ser tolerante com todos...menos com os judeus.

No fundo, o problema que os dividia é algo que faz parte da natureza humana. O testemunho bíblico é o de que a inimizade e suas irmãs são obras próprias à nossa carne:
Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam. (Gálatas 5:19-21)
A grande questão é que esses pecados estão presentes tanto no coração de judeus como de gentios. Por esta razão, os judeus não podiam pensar que eram superiores, tanto eles como os demais, todos são condenáveis diante de Deus. Apenas Jesus Cristo pode destruir esse pecado.

E isso Jesus fez na sua carne, quando morreu na cruz, sofrendo no lugar dos pecados de judeus e gentios. Quando os homens se identificam com Cristo, unem-se a Ele na sua morte (morrem para uma velha vida) e na sua ressurreição (ressuscitando para uma nova). Por isso, um pouco antes, a Bíblia diz:
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, -pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. (Efésios 2:4-7)
Em Cristo, judeus e gentios podem viver em paz...porque eles podem morrer para a inimizade e ressuscitar para a unidade. Ambos ressuscitam e se tornam novos homens, já libertos do domínio da inimizade.

Um só corpo
E aí, quando isso acontece, algo extraordinário acontece. Uma vez que antigos inimigos se voltam para Jesus e ressuscitam, o passado fica para trás. Não importa mais se estamos falando de judeus ou gentios, de ricos ou pobres, de Montecchios ou Capuletos ou de gremistas e colorados, em Cristo, essas distinções acabam:
Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. (Gálatas 3:28)
Deus não criou duas igrejas separadas: uma para judeus e outra para não-judeus. Ele não veio ao mundo para que cada um viva em paz no seu gueto. Não: Jesus quer que todos vivam em um único corpo. Se antes estávamos distantes de Deus e ignorávamos as bênçãos de sermos seus filhos...isso não importa mais! Se já conhecíamos isso tudo...também não importa...porque somos tão pecadores quanto os demais e eles hoje têm os mesmos privilégios!

Jesus aboliu a Lei na forma de mandamentos e ordenanças, acabou com o parâmetro pelo qual os judeus se mediam para se sentirem superiores aos demais. Nele, em Cristo, o jovem não pode rir do velho nem o velho do jovem: ambos são herdeiros das mesmas promessas. O rico não pode humilhar o pobre, e nem o pobre deve se sentir melhor que o rico: em Jesus, ambos possuem o mesmo acesso a Deus.

Por esta razão, não devemos buscar uma igreja para os judeus e outra para os gentios, uma para jovens e outra para as "famílias", uma para os ricos e outra para os pobres. Todos somos iguais, não somos melhores ou piores do que os nossos irmãos. Jesus veio para nos reconciliar e nos conduzir à paz.

O fundamento da unidade
No entanto, há um questionamento no ar. As diferenças continuam existindo, não? De modo prático, como Jesus pode garantir a realidade dessa união de judeus e não-judeus?

Em primeiro lugar, a pedra angular em cima da qual se assenta o projeto da igreja é o próprio Jesus. Ele é a base em torno da qual diferentes grupos se unem para formar o povo de Deus. Isso significa que, em última análise, o sucesso do processo de reconciliação é garantido, porque depende de Cristo. Ele mesmo chama pessoas diferentes e trabalha em seus corações, fazendo com que elas se unam em torno d'Ele.

E o instrumento principal que será usado por Jesus neste processo é o "fundamento dos apóstolos e dos profetas". Há quem entenda que essa expressão se refere aos apóstolos e profetas em si. Embora o trabalho desses homens de Deus tenha servido para consolidar a Igreja, a grande marca que fica de seus ministérios é exatamente a Bíblia. Por isso, eu prefiro identificar a Palavra de Deus como sendo o fundamento, já que ela foi escrita pelo Espírito Santo usando os apóstolos e os profetas. 

É por meio das Escrituras que o Cristo dá a todos os mesmos valores e a mesma fé, é por meio delas que Deus une pessoas de culturas diferentes em um mesmo povo. Mais do que isso, a Palavra também é o meio pelo qual as distorções são corrigidas. Jesus usa a Bíblia para repreender os que estão errados, levar os seus irmãos a ser perdoarem mutuamente e a se arrependerem de suas más ações. Até mesmo ações sociais, que diminuem a pobreza, podem ser feitas tendo como inspiração o fundamento apostólico e profético.

A unidade, portanto, nunca deve ser feita em cima de heresias ou de concessões em relação à verdade. Ao contrário, a Bíblia e Cristo Jesus são as únicas bases que podem garantir uma Igreja unida e pacificada. Unir-se negociando a correta interpretação da Palavra é apenas construir uma unidade falsa fora do fundamento escolhido por Deus.

E o resto da sociedade?
Todavia, sabemos que nem todos aceitarão unir-se em torno de Jesus e de Sua Palavra. Mesmo assim, os cristãos devem ter fé de que por meio das orações, da pregação e da vivência dos ensinos cristãos, várias guerras e conflitos (pessoais inclusive) podem ser encerrados. Em nossa "diplomacia", quer estatal, quer pessoal, temos duas bússolas apontando na direção dos valores e estratégias que podem promover a paz, ainda que ela não seja duradoura.

As oposições a este projeto sempre existirão, inclusive dentro da Igreja. Nesses casos, o dever dos cristãos é o de permanecerem alicerçados na pedra angular e no fundamento apostólico-profético, lembrando sempre que um dia Jesus voltará e porá fim às rupturas e desuniões que tanto afligem a humanidade.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

27 de dezembro de 2010

Sem graça, com graça, a graça somente

Fui buscado pelos que não perguntavam por mim, fui achado por aqueles que não me buscavam... Is 65:1

O fantasma de Pelágio continua a assombrar a igreja. Encontramos vestígios dele no arminianismo popular, o qual acredita que o homem tem em sua natureza poder para buscar a Deus e escolher igualmente entre o bem e o mal. Neste esquema, a graça já não é necessária de modo algum, pois ela se manifestou na cruz, quando Jesus morreu por todos os homens, cabendo a estes, de si e por si, aceitar o dom da salvação.

Menos ruidoso mas igual ou mais danoso é o semi-pelagianismo, que admite a necessidade da graça, mas nega seu caráter determinante. Admitem que a graça é necessária, mas não que é suficiente. Segundo este sistema, a graça encontra a sua eficácia no homem e não em Deus. O semi-pelagianismo encontra sua expressão no arminianismo moderno, mais culto e iluminado que o arminianismo popular, mas nem por isso menos errado, pois sutilmente solapa a Sola Gratia.

Contra pelagianos e semis-pelagianos, temos a voz de Deus via profeta Isaías. Notemos que Deus afirma dos homens que "não perguntavam por mim". Isso revela desinteresse por parte do homem natural das coisas espirituais. Deus e o estado de sua alma não faz parte das cogitações do homem. Qual assunto, por mais frívolo que seja, é mais importante que as coisas espirituais e santas.

Continua o Senhor dizendo que os homens "não me buscavam". Isto mostra que além de desinteresse, os homens não sentem necessidade de Deus. Vivem num vazio existencial mas não atinam que Deus seja o que precisam para dar sentido à sua existência. Correm atrás de dinheiro, prazeres, fama e tantas outras coisas, e quando a alcançam "é apenas canseira e enfado". Mas em sua cegueira não sentem que Deus é e tem o que precisam, então vão em busca de mais dessas mesmas coisas, pensando que se trata de quantidade.

É quando os homens estão nessa indiferença em relação a Deus e quando concentram seus esforços em buscar o que não lhes satisfará, que Deus diz "fui achado por aqueles que não me buscavam". Mesmo que eles não procurassem por Ele, o Senhor disse "eis-me aqui, eis-me aqui"! É Deus que vem ao encontro do homem, que desperta nele interesse e que coloca dentro dele um coração que anele por Jesus.

O pelagiano pode esperar que sua natureza o incline para o bem, isso nunca acontecerá. Arminiano pode apostar suas fichas num livre arbítrio capaz de cooperar com a graça. Mas nós diremos com Salomão: "Leva-nos após Ti" (Ct 1:4).

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

23 de dezembro de 2010

Recupere a graça do seu Natal!

No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria. E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Alegra-te, muito favorecida! O Senhor é contigo.

Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pensar no que significaria esta saudação. Mas o anjo lhe disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim.

Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?

Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus. E Isabel, tua parenta, igualmente concebeu um filho na sua velhice, sendo este já o sexto mês para aquela que diziam ser estéril. Porque para Deus não haverá impossíveis em todas as suas promessas.

Então, disse Maria: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se ausentou dela. (Lucas 1:26-38)
Há um mistério do século XXI que me deixa realmente intrigado. Em dezembro as cidades se enfeitam e ficam mais bonitas, cheias de luzes. É a época em que são feitas as refeições mais gostosas do ano, onde até mesmo evangélicos recatadíssimos se permitem um gole de vinho. As crianças ganham presentes, pessoas fazem o ato anual de caridade...e até mesmo igrejas normalmente cautelosas quanto à arte fazem, talvez, o único grande esforço artístico e estético para adorar a Deus. Há várias razões pra que o Natal seja considerado o ponto alto do ano.

Mas, apesar da comida, da beleza, da caridade e mesmo dos presentes...é cada vez maior o número de pessoas que se entristecem com o final do ano. Mesmo entre os cristãos, há quem faça condenações ardorosas do Natal como uma festa pagã, materialista e inútil. Já ouvi até quem diga que trata-se do ponto mais baixo do ano.

Por que isso acontece? Tenho uma teoria. Essa tristeza natalina que se torna mais comum é a prova de que falta alguma coisa. A melhor comida, presentes, caridade, beleza...nada disso faz uma diferença permanente e significativa...sem Jesus Cristo.

Deus é conosco
É muito fácil nos esquecermos que a origem de todas as comemorações é o nascimento de Jesus. Em todo o mundo, cristãos e não-cristãos, e até mesmo nações que se declaram laicas decretam um feriado que honra o aniversário do Filho de Deus.

Sim, o Natal é uma data única porque nós não estamos simplesmente celebrando a vida de um ser humano. Nós comemoramos o fato de que Deus, o Altíssimo, se fez homem e veio ao mundo habitar conosco. Quando o anjo Gabriel diz a Maria que "o Senhor é contigo", a saudação tinha um significado ímpar porque, de fato, ela teria em seu ventre o próprio Deus.

Você pode não entender...mas isso, por si só, deveria despertar em nós uma alegria indescritível. Se já é bom revermos no final do ano os amigos queridos, os parentes distantes, aqueles que amamos...imagine receber o Deus vivo! Trata-se, de fato, de um favor enorme, muito além do que Maria merecia.

Mas não precisamos ter inveja de Maria. Jesus continua disponível hoje, para ser acolhido por qualquer um que abra as portas de sua vida para recebê-Lo como Deus e Senhor. Não mais para morar em nossos ventres, mas sim em nossos corações.

O rei da casa de Jacó
Atraente não? Todavia, nem todos sabem de fato o que significa estar junto de Deus. Há quem pense que Ele é uma espécie de Pai dos Papais Noéis: um velhinho simpático e indulgente, pronto a dar presentes legais aos bons garotos. Outros o veem como gênio da lâmpada: basta saber como esfregar a lâmpada para que Ele realize qualquer desejo do coração.

Contudo, Jesus não é Papai Noel. Ele é Rei, o Chefe, o Senhor do Universo. O Messias não vem ao mundo para satisfazer as nossas vontades, mas sim para nos levar a cumprirmos a vontade do Pai. O Cristo veio ao mundo para ser revelado pelo Pai como o verdadeiro Dono de tudo o que há.

E essa é a explicação de porque Jesus se tornou um detalhe ou uma curiosidade nos Natais do século XXI. Ser "dono(a) do próprio nariz" ou o(a) "senhor(a) do próprio destino" são ideias muito populares, mas incompatíveis com a vinda de Cristo. Só pode acolhê-Lo quem estiver disposto a deixar que Ele seja o dono de toda a nossa vida e Aquele que escreve a nossa história. Quem quer "fazer o próprio caminho" não pode andar n'Aquele que é o único caminho:
Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. (João 14:6)
No entanto, aqueles que aceitam o reinado de Jesus passam a fazer parte da "casa de Jacó", ou seja, do povo santo e eleito por Deus para a vida eterna. Mesmo que não tenham uma gota de sangue israelita na veia, tornam-se o verdadeiro Israel para o Pai. Por outro lado, todos os que recusam servir a Jesus são excluídos da casa de Jacó...mesmo que tenham um sangue 100% israelita.

Um reinado sem fim
Tudo isso deveria vir a nossas mentes quando falamos do Natal. Mais do que nos deleitarmos com a comida e os presentes, deveríamos nos deliciar com a chegada do Rei dos Reis. E, de fato, há pessoas que fazem isso. E, ainda que de modo imperfeito, como uma curiosidade jornalística, muitos acabam se lembrando de que Jesus existe e ainda há pessoas que O adoram.

O problema é que o Natal acaba. Logo depois chega o Ano Novo...e o mundo volta aos seus pecados. Pessoas que se encantavam com o presépio rendem homenagens a outros "deuses". Quem admirava a singela simplicidade da manjedoura faz simpatias para acumular dinheiro e ter uma vida cheia de luxo e extravagância. Defensores do nascimento virginal de Cristo viram o ano entregues a prazeres sexuais condenados pelo próprio Cristo. É incrível como em poucos dias o mundo retira qualquer menção de Jesus do noticiário e o substitui por adivinhações, prazeres e idolatria.
Depois do aniversário de Jesus, o mundo vai após os astros...

Jesus, porém, reina para sempre. Para o mundo, o Natal é apenas um instante. Mas, para os verdadeiros cristãos, é apenas a recordação do início de uma realidade que enche todos os dias do ano e todos os anos da História. Ainda não é visível, mas Jesus já é Rei. Davi, Vitória, Mao Tsé-tung e muitos outros reis e senhores já passaram. Contudo, o reinado de Jesus nunca terá fim.

Ao contrário do que muitos pregam e pensam, o Natal não é a celebração do nascimento de um menino, mas sim do início de uma nova era que jamais acabará. O reino de Deus é futuro em sua consumação, em sua manifestação última, mas já é chegado e não será encerrado, independente do que acontecer. O bebê Jesus não pôde ser destruído por Herodes e seus inimigos, e se é assim, imaginem o Cristo ressurreto que está assentado à destra do Pai!

Natal: expressão da graça de Deus
E é por todos esses motivos que eu não consigo entender porque o Natal é, cada vez mais, um feriado triste para muitos. Se nós celebrássemos o Natal tendo Jesus como o centro...ao invés de pormos a família, os presentes, a caridade ou as comidas...se nós nos importássemos profundamente com a vinda do Messias...só teríamos motivos para alegria.

Até porque, acima de tudo, o Natal é uma graça, ou seja, um favor do qual nós não somos dignos ou merecedores. Não merecemos ter Deus morando conosco, governando as nossas vidas e nos acompanhando para sempre. O que merecemos mesmo são os reis cruéis e tiranos que elegemos para governar a nossa vida, sejam eles políticos corruptos, vícios enganosos ou prazeres fugazes.

Mas, no Natal, celebramos a chegada de um Rei a quem devemos sim obediência...mas que veio para nos servir e dar o que Ele tem de mais precioso: a própria vida.
Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. (Marcos 10:45)
O desejo do meu coração é que neste Natal você possa descobrir-se como um dos muitos por quem Jesus entregou a própria vida. E que você descubra em Cristo uma alegria muito maior que qualquer Natal ou revéillon podem oferecer.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

20 de dezembro de 2010

Como combater o calvinismo

Decididamente o calvinismo não goza de popularidade entre o povo de Deus. Ele soa e de fato é ofensivo a muitas pessoas que se sentem compelidas a combatê-lo. E assim, muito debate acontece em blogs, fóruns e listas de emails Internet afora. Infelizmente, muito se perde nesses debates por faltar um método adequado de confrontar os calvinistas e suas doutrinas. Neste artigo, apresento algumas dicas de como combater de forma mais objetiva o pensamento calvinista.

Primeiro: avalie sua motivação

Você deve combater o calvinismo movido pelo amor à verdade e ao irmão errado, nessa ordem. O amor, diz a Bíblia, "não folga com a injustiça, mas folga com a verdade" (1Co 13:6). É errado combater o erro sem amor e perigoso quando a pretexto de amar, deixamos de apontar o erro, pois "os que perecem" são aqueles que "não receberam o amor da verdade para se salvarem" (2Ts 2:10).

Mas amar a verdade apenas não basta, "antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 5:15). Você deve purificar sua alma "pelo Espírito na obediência à verdade, para o amor fraternal, não fingido" (1Pe 1:22). O cambate ao calvinismo deve ser de forma que ao final você possa dizer "o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas... por amor de vós" (1Ts 1:5) e os que acompanharem o debate possam concluir que "a misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram" (Sl 85:10).

Segundo: reflita no que crê

Antes de tirar o cisco do olho do irmão, convém tirar a trave do próprio. Assim, antes de apontar o erro calvinista, você precisa repensar a própria fé, à luz da Bíblia. "Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos" (2Co 13:5a). Algumas afirmações nos parecem verdadeiras, mas serão de fato bíblicas? Por exemplo, será que a declaração "se o homem não tem livre arbítrio, Deus seria injusto se o condenasse" pode ser demonstrada escriturísticamente? Ou então, perguntas do tipo "se alguns já estão eleitos, por que Jesus morreu?" tem sentido, biblicamente falando? Submeta seus pressupostos "à lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles" (Is 8:20). Antes de reprovar a fé alheia, coloque à prova a sua própria fé "se não é que já estais reprovados" (2Co 13:5b).

Terceiro: defina os conceitos

Na controvérsia com os calvinistas, alguns termos são recorrentes. Livre arbítrio, predestinação, presciência, perseverança e graça irresistível são apenas alguns deles. Mas será que você os usa com o mesmos sentido que seu irmão calvinista entende? E será que o sentido em que você toma esses termos é o sentido que os mesmos tem na Escritura? Assim como há "tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação" (1Co 14:10), há também muitos significados para um mesmo termo e "se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim" (1Co 14:11), vale dizer, falarão e falarão e não se entenderão. E, pelo menos para os termos que ocorrem na Bíblia, o sentido adotado deve ser aquele que tinham para seu escritor e para os leitores originais.

Quarto: compreenda a doutrina calvinista

Não se iluda. A maior parte do que você "sabe" sobre a doutrina calvinista está errada, trata-se de uma má representação dela. Por exemplo, acreditar que um eleito será salvo mesmo que não creia no evangelho ou que se desvie completa e definitivamente dele, morrendo em pecado. Neste ponto, é bom seguir o exemplo de Jesus: "Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?" (Lc 10:26). Pedir para um calvinista que explique o que ele crê exatamente sobre um assunto evita que você dê uma de Dom Quixote, brandindo espada a moinhos de vento.

Quinto: comece e termine com a Bíblia

Segundo a própria Bíblia "nada podemos contra a verdade, senão pela verdade" (2Co 13:8). E quando lembramos que Jesus disse "a tua palavra é a verdade" (17:17), o que a Escritura diz, e só o que ela diz, realmente importa. Aquilo que achamos ou que outros dizem torna-se irrelevante diante das declarações da Bíblia. Os calvinistas, em geral, tem pouco apreço por teorias humanistas, do tipo "o homem é a medida de todas as coisas", "dever implica poder" e "sem liberdade não há responsabilidade". Se você quiser ter êxito contra eles, comece com um "a Bíblia diz" e mostre exatamente onde e como ela diz isso.

Mas prepare-se para examinar o contexto e descobrir a intenção do autor. Pois os calvinistas não se contentam com textos-provas, isolados de seus contextos e sem consideração das características e necessidades dos leitores originais. Além disso, costumam separar declarações bíblicas de inferências livres. Por exemplo, se você apresentar um texto que diga "o vencedor... de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida" (Ap 3:5) como prova de que nomes podem ser apagados dali, ele vai dizer que sua inferência é inválida, pois o texto afirma positivamente o contrário.

Siga as dicas acima e boa sorte!

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

16 de dezembro de 2010

Limpe a montanha!

Então, o povo dos filhos de José disse a Josué: Por que me deste por herança uma sorte apenas e um quinhão, sendo eu tão grande povo, visto que o SENHOR até aqui me tem abençoado?

Disse-lhe Josué: Se és grande povo, sobe ao bosque e abre ali clareira na terra dos ferezeus e dos refains, visto que a região montanhosa de Efraim te é estreita demais.

Então, disseram os filhos de José: A região montanhosa não nos basta; e todos os cananeus que habitam na terra do vale têm carros de ferro, tanto os que estão em Bete-Seã e suas vilas como os que estão no vale de Jezreel.

Falou Josué à casa de José, a Efraim e a Manassés, dizendo: Tu és povo numeroso e forte; não terás uma sorte apenas; porém a região montanhosa será tua. Ainda que é bosque, cortá-lo-ás, e até às suas extremidades será todo teu; porque expulsarás os cananeus, ainda que possuem carros de ferro e são fortes. (Josué 17:14-18)
Já imaginou como seria se as coisas boas da vida viessem sem muito esforço? O sonho de ganhar muito sem ter que passar por grandes lutas é o que faz com que tantas pessoas apostem na loteria, por exemplo. Só acertar uns números...e se ganha, de uma vez, o dinheiro de toda uma vida. Ah, não seria bom se fosse assim com todos?

Mas a verdade é que as grandes bênçãos, quase sempre, são acompanhadas de grandes lutas. Uma carreira profissional bem-sucedida depende do esforço nos estudos, na conduta no trabalho e até mesmo no empenho em construir uma boa rede de relacionamentos. Os atletas ganham medalhas depois de intensos treinamentos. Até mesmo para se conquistar (e manter) o amor da vida, é preciso um esforço, seja para atrair a pessoa amada, seja para superar os(as) rivais que surgem no caminho.

A mesma coisa é verdadeira em relação às bênçãos dadas pelo Senhor. A salvação é de graça, mas os filhos de Deus, se quiserem viver a melhor vida possível oferecida pelo Pai, precisam se dispor a fazer sacrifícios e vencer lutas e dificuldades. E era essa uma lição que as tribos de Manassés e Efraim, descendentes de José, filho de Jacó, precisavam aprender.

Os filhos de Deus são abençoados
No livro de Josué, o povo de Israel, formado por doze tribos, estava conquistando a terra de Canaã. Josué não teve tempo para tomar posse de toda a terra. Por esta razão, o território foi dividido por sortes, e cada tribo deveria se esforçar para terminar de conquistar a sua parte.

O problema é que a parte que coube aos descendentes de José era habitada por cananeus que dominavam o uso do ferro, uma tecnologia que Israel não possuía. Além disso, as montanhas possuíam áreas de mata, que ainda não estavam prontas para o cultivo de alimentos ou a construção de cidades. O trabalho de preparar o solo para a ocupação humana, com certeza, não seria fácil.

Mas será que enfrentar tantas dificuldades faz parte das bênçãos que vem de Deus? Claro que sim. Na verdade, é meio difícil ser mais abençoado do que as tribos de Manassés e Efraim.
José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte; seus galhos se estendem sobre o muro. Os flecheiros lhe dão amargura, atiram contra ele e o aborrecem. O seu arco, porém, permanece firme, e os seus braços são feitos ativos pelas mãos do Poderoso de Jacó, sim, pelo Pastor e pela Pedra de Israel, pelo Deus de teu pai, o qual te ajudará, e pelo Todo-Poderoso, o qual te abençoará com bênçãos dos altos céus, com bênçãos das profundezas, com bênçãos dos seios e da madre. As bênçãos de teu pai excederão as bênçãos de meus pais até ao cimo dos montes eternos; estejam elas sobre a cabeça de José e sobre o alto da cabeça do que foi distinguido entre seus irmãos.(Gênesis 49:22-26)

De José disse: Bendita do SENHOR seja a sua terra, com o que é mais excelente dos céus, do orvalho e das profundezas, com o que é mais excelente daquilo que o sol amadurece e daquilo que os meses produzem, com o que é mais excelente dos montes antigos e mais excelente dos outeiros eternos, com o que é mais excelente da terra e da sua plenitude e da benevolência daquele que apareceu na sarça; que tudo isto venha sobre a cabeça de José, sobre a cabeça do príncipe entre seus irmãos. Ele tem a imponência do primogênito do seu touro, e as suas pontas são como as de um boi selvagem; com elas rechaçará todos os povos até às extremidades da terra. Tais, pois, as miríades de Efraim, e tais, os milhares de Manassés. (Deuteronômio 33:13-17)
Hoje, da mesma maneira, os filhos de Deus também são herdeiros de todo tipo de bênção, por causa de Jesus Cristo.
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo,... (Efésios 1:3)
Hoje, muitos cristãos olham para si mesmos e não se percebem como abençoados. Comparam-se com as outras pessoas, concentram-se no que não possuem e nas dificuldades da vida e não demonstram fé nas declarações bíblicas. Olham-se no espelho e só conseguem enxergar pessoas amaldiçoadas ou negligenciadas por Deus.

Assim como Josué, Jesus também hoje lembra a esses filhos do Senhor que o povo de Deus é abençoado. As tribos de Manassés e Efraim não teriam a terra de Canaã pelo seu próprio poder, mas pelo do Senhor. Da mesma forma, hoje, os cristãos devem encarar a vida com confiança, não por suas próprias capacidades, mas porque Jesus está ao lado deles.

Abra a clareira
Mas as promessas de Deus não são convites à passividade, mas sim à ação. A terra seria de Manassés e Efraim, desde que eles enfrentassem a montanha. Pedir que Deus mudasse a herança (talvez para uma planície ou para os campos), ficar de braços cruzados ou reclamar da distribuição da terra...nada disso seria aceitável aos olhos do Senhor.

Só havia uma opção. Falta espaço? Suba o bosque. Abra clareiras. Deixe a preguiça de lado e lance-se ao trabalho dentro dos limites traçados por Deus.

Hoje muitos cristãos cruzam os braços e reclamam da vida, culpando ao Senhor pelos seus fracassos e frustrações. É a jovem que pede o marido, mas não dá abertura para que homem algum chegue perto. São os cônjuges enfrentando problemas no casamento, mas que não querem ler livros, buscar aconselhamento ou simplesmente repensar os valores e o comportamento. São os presbíteros que se queixam de uma igreja morna, mas eles mesmos não se empenham nas visitas, na evangelização e até mesmo na vida devocional.

Deus chama a Igreja para a vida. Jesus não disse que seus discípulos deveriam cruzar os braços e esperar pelo céu, Ele os enviou ao mundo para manifestarem a glória de Deus por meio de suas obras. Consagre ao Senhor a sua vida, peça a direção do Espírito Santo e vá à luta!

Enfrente os cananeus
Luta sim...porque sempre haverá inimigos dispostos a impedir a realização dos propósitos divinos. Alguns deles parecem grandes, poderosos e mais bem armados e capazes do que nós. E aí...a tendência natural é a de querermos evitar o confronto. Afinal, quem quer entrar em uma luta para perder?

Manassés e Efraim eram duas tribos fortes e numerosas. Mas, quando eles viam os carros de ferro dos cananeus, sentiam-se intimidados. Por que Deus queria que eles herdassem uma terra habitada por inimigos tão fortes?

Josué não estimulou o medo e a "cautela" dos filhos de José. Ao contrário, destacou a força de José. Mostrou plena confiança de que eles é que expulsariam os cananeus. O que importava não era a tecnologia cananéia, mas sim o favor de Deus.

Hoje os inimigos são outros, mas continuam ameaçadores. Temos medo da opinião das pessoas, da dificuldade dos estudos, das exigências do emprego. Quantos não desistem de evangelizar, de lutar pela pessoa amada ou de fazer uma entrevista de emprego, não por preguiça, mas por medo?

Se estamos com Cristo, não há o que temer. Jesus venceu o pior dos inimigos, a morte. Ele prometeu que nós, seus irmãos, também a derrotaremos, no último dia. Mais do que isso, Jesus nos garante que as portas do inferno não prevaleceriam diante da Igreja. Ora, se nem a morte e os demônios podem resistir a Cristo, quem pode?

Herde sua terra
Deus não nos chama para uma vida sem lutas, sofrimentos e provações. Mas Ele também não nos chama para uma vida de maldições, frustrações e derrotas. Ainda que seja na prisão, Deus tem bênçãos para seus filhos.

Jesus não promete realizar todos os nossos sonhos e desejos, mas Ele garante que, se estivermos ligados ao Pai por meio d'Ele...então seremos frutíferos e abençoados. E, se temos a promessa de Deus, devemos ter fé e avançar. Seja na santificação, no casamento, no emprego...toda a nossa vida é do interesse do Pai. Ainda que o mundo se vire contra a igreja, nós é que seremos os vencedores.

Soli Deo Gloria!

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

14 de dezembro de 2010

O uso legítimo da Lei

Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina, nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé.

Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia. Desviando-se algumas pessoas destas coisas, perderam-se em loquacidade frívola, pretendendo passar por mestres da lei, não compreendendo, todavia, nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações.

Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina, segundo o evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado.

Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade.

Transbordou, porém, a graça de nosso Senhor com a fé e o amor que há em Cristo Jesus. Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, o principal, evidenciasse Jesus Cristo a sua completa longanimidade, e servisse eu de modelo a quantos hão de crer nele para a vida eterna.

Assim, ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém! (1 Timóteo 1:3-17)
A água é uma bênção ou uma maldição? Ora, a resposta parece óbvia. A água é essencial ao funcionamento do organismo, para a produção de alimentos e até nos refresca em um dia de calor. Contudo, quando é feito um mau uso da água, ela pode provocar mortes e destruição. Um rio mal canalizado ou um copo d'água fria em óleo quente (não faça isso em casa!) são boas ilustrações de como uma coisa boa, quando mal usada, pode causar grandes estragos.

O mesmo pode ser dito da Bíblia. Quando bem usada, a Palavra é uma bênção e um meio de salvação. Mal usada, as Escrituras se tornam perigosas e podem conduzir os homens à perdição.
Bem usada, a eletricidade é boa. Mal usada...

E era essa a preocupação que o apóstolo Paulo. No século I, vários grupos queriam que a Lei fosse guardada ou observada pelos não-judeus dentro das igrejas cristãs. Paulo combateu essa ideia em várias cartas, e é este o assunto que abre a primeira carta do apóstolo a Timóteo.

Outra doutrina
Paulo começa dizendo que Timóteo deveria exortar pessoas que seguem uma "outra doutrina". Os seguidores deste novo ensino queriam passar a impressão de mestres da Lei e discutiam sobre genealogias e fábulas. Deixaram de se preocupar com o amor que procede de um coração puro e de uma boa consciência e uma fé sem hipocrisia. O resultado é que se perderam em discursos vãos (loquacidade frívola).

Claro que o problema não era esse. Ao quererem trazer a Lei para a igreja, na prática, eles queriam promulgá-la para os justos. Exigir que os cristãos observem todos os preceitos do Antigo Testamento é um erro. Trata-se de um uso não legítimo da Lei.

Isso acontece não apenas quando há preocupação com fábulas e genealogias. Em outras cartas, Paulo dá mais exemplos:
Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco. (Gálatas 4:8-11)

Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade. (Colossenses 2:20-23)

Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes. (Gálatas 5:1-4)
Insistir em um tipo de justificação pela Lei, cobrar a observância de dias e regras, buscar um caminho de santificação que lembra um livro de regras...tudo isso é seguir uma outra doutrina. É voltar para a escravidão. É decair da graça.

A Lei é para os pecadores, e não para os justos
Contudo, a Lei não é inútil. Ela foi promulgada para os pecadores, é o código legal que será usado pelo Senhor no Dia do Juízo. Afinal, Jesus Cristo não revogou o Antigo Testamento.
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. (Mateus 5:17)
Por causa disso, a Lei de Deus (que não se restringe a Lei e os Profetas, mas também as ordens divinas no Novo Testamento) deve ser pregada. Os pecadores, de todos os tipos, devem reconhecer que estão condenados e buscarem a salvação. A proclamação da Lei é o meio usado pelo Senhor para convencer os seres humanos de seus pecados.

No entanto, há quem enxergue em 1 Timóteo 1:8-11 uma base bíblica para a aplicação da Lei de Moisés nos dias de hoje. É o caso do Ministério Cristão Apologético. Contudo, há uma coisa que precisa ser reparada.

Implicitamente, o apóstolo Paulo ensina que a Lei não é promulgada para os justos, ou seja, os que foram justificados por Jesus Cristo. Estes, diz ele em Romanos, já não estão mais debaixo da Lei.
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça. (Romanos 6:14)
A Lei não tem mais domínio sobre os salvos. Não estamos mais debaixo de Sua autoridade ou poder. E isso cria um problema que desmonta a tese de levar a Lei para a esfera civil: os governos seculares reúnem salvos e não-salvos. Afinal, se a Lei é promulgada para pecadores...como aplicá-la a justos?

É claro que, pra Paulo, o uso legítimo da Lei é a pregação da Palavra, é o confronto dos pecadores com as exigências do Deus vivo, como ensina o Catecismo Maior de Westminster:
96. De que utilidade especial é a lei moral, aos homens não regenerados?

A lei moral é de utilidade aos homens não regenerados para despertar as suas consciências a fim de fugirem da ira vindoura e forçá-los a recorrer a Cristo; ou para deixá-los inescusáveis e sob a maldição do pecado, se continuarem nesse estado e caminho.

I Tim. 1:9-10; Gal. 3:10, 24; 1:20,
O amor: a essência da Lei
Mas a Lei não serve só para confrontar pecados. O seu uso legítimo só é possível quando ela é interpretada segundo o Evangelho. E o que se deve buscar nessa interpretação é o que Paulo buscava em sua exortação a Timóteo: o amor que procede de um coração puro e de uma boa consciência e uma fé sem hipocrisia. E esses objetivos só podem ser alcançados na graça, e não na Lei.

E Paulo usa a sua vida para ilustrar isso. Logo após criticar os que ensinam outra doutrina e falar sobre uma forma apropriada de utilizar a Lei, Paulo fala sobre a sua experiência pessoal. A Lei apenas o condenou e fez dele o maior dos pecadores. Mas Jesus o amou e teve misericórdia dele, removendo a culpa dos pecados do apóstolo. A graça e o amor de Deus são tão poderosos que transformaram o maior dos pecadores em modelo para todos os que creem. O Evangelho purificou o coração e a consciência de Paulo. O Deus vivo lhe deu uma fé que não é hipócrita, porque repousa na graça de Deus, e não na obediência à Lei.

O salvo não está mais preso a uma lista de regras de sim e não. A Lei que ele deve cumprir é o amor:
O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor. (Romanos 13:10)
Quem ama a Deus de todo o coração, alma, força e entendimento e ama ao próximo, esse cumpre a Lei e vive de acordo com a exortação que Paulo fez em 1 Timóteo. Ou, como diz Agostinho:
Ama e faze o que quiseres.
Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

9 de dezembro de 2010

Aqui jaz... o silêncio

O silêncio é uma arte perdida. Nestes dias corridos e barulhentos, qualquer pausa que promova meio segundo de ausência sonora é constrangedora.
Talvez por isso em algumas igrejas nem há mais sermões sem uma música de fundo - uma possível tentativa de eliminar os terríveis momentos de silêncio entre uma frase e outra do pastor? Outros diriam que é mais uma estratégia de manipulação emocional...
O ponto é que o silêncio se torna cada vez mais distante de nós.
A dificuldade reside no fato de que este fenômeno não apenas acontece fora de nós, nos ambientes à nossa volta, mas também em nós. Na era da "democratização" do espaço público, quando todos têm "voz", ninguém quer ficar calado.
Os blogs não me deixam mentir. Sua proliferação deu lugar às mais diversas declarações e estilos possíveis. De culinária, política, economia, esportes, piadas, organizações criminosas, novelas e fofocas, pessoais, e até de teologia (!).
Possivelmente, em algum lugar do mundo, existe um garotinho bêbado escrevendo alguma bobagem em seu blog (e talvez inventando um novo facebook - cf. o filme "A rede social"). Ou alguma garota digitando a letra de uma música vazia no twitter. Em algum canto deste planeta, deve haver, neste momento, um calvinista criando confusão por alguma interpretação apressada de algo que leu na internet. E assim caminhamos para um universo cada vez menos silencioso, onde todos acreditam que, por terem a possibilidade de falar, têm a necessidade de falar.
Uma das consequências disso é que nunca se expressou tanta opinião publicamente como hoje - o que, por um lado, é bom. Mas, por outro, as opiniões nunca foram tão bobas, superficiais e apressadas. O preço a pagar pela facilidade de usar a voz na esfera pública, é encarar o mal uso desta facilidade. Pensamos pouco, e falamos muito. Não apreendemos alguns conceitos, e já queremos apresentá-los na interntet. Não entendemos determinada crítica, e já estamos prontos a escrever uma refutação.
Em um sentido, o nosso coração é revelado nestas questões. Será que a nossa compulsão em escrever/falar reflete o desejo de impressionar pessoas? Nossa obsessão em sermos ouvidos reflete um coração egoísta e orgulhoso? Nossa prontidão em refutar críticas indica uma identidade centrada no que outros pensam de mim e de minhas idéias? (em vez de uma identidade enraizada em Jesus e no que Ele diz sobre mim).
Quanto mais raro o silêncio se torna, mais precisamos dele. Não defendo um monasticismo contemporâneo, mas percebo que antes de cada post ou comentário, antes de cada tweet ou buzz, poderíamos dedicar algum tempo à reflexão silenciosa. Isto não apenas diminuiria a poluição sonora do planeta, mas fundamentalmente, a do nosso coração.

8 de dezembro de 2010

O que devemos guardar da Lei?

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. (Mateus 5:12)

Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas. (Mateus 7:12)

Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram-se em conselho. E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou:

Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?

Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. (Mateus 22:34-40)
Muitas vezes nós achamos que sabemos muito sobre a Bíblia...até o momento em que somos confrontados com algumas perguntas. Qual o maior problema enfrentado pelos apóstolos dentro das igrejas cristãs do século I? Seria a imoralidade sexual? O problema da idolatria? Talvez o desânimo dos fiéis com um Estado hostil e perseguidor da igreja? Nada disso. O grande problema é um assunto pouco estudado nas igrejas do século XXI: qual o lugar da Lei após a vinda do Novo Testamento?

Puxa, mas qual a relevância de se discutir isso em pleno século XXI? Maior do que parece. Há igrejas que dizem que a Lei não tem mais relevância alguma para nós. Porém, muitas dessas mesmas igrejas parecem estar voltando ao Antigo Testamento, celebrando festas judaicas e resgatando práticas cúlticas anteriores a Cristo, com o uso do shofar. Não há concordância também sobre como deve ser o dia-a-dia de uma igreja formada por cristãos de ascendência judaica...ou seriam judeus conversos ao cristianismo? A dúvida já mostra a tensão. E há cristãos defendendo a aplicação até mesmo das penas civis da Lei de Moisés. Isso sem falar na réplica do templo de Salomão que está sendo construída pela Igreja Universal do Reino de Deus.
Cristãos? Ou judeus?

E aí, como sair desse nó teológico?

A Lei não acabou
A primeira coisa que precisa ser dita é que o Antigo Testamento (resumidos por Jesus como a Lei e os Profetas) não foi revogado por Cristo. Existe uma escola teológica chamada de dispensacionalismo, que ensina exatamente isso. A História seria dividida em diferentes estágios, chamados de dispensações. A dispensação mais nova suplanta a mais velha, de forma tal que as leis e preceitos de uma não se aplicam a outra, a não ser que sejam repetidas.

Por causa disso, os pregadores dispensacionalistas tendem a se concentrar apenas no Novo Testamento, já que o Antigo não tem mais autoridade. A Bíblia deixa de ser vista como uma unidade e é transformada um livro fragmentado, uma colcha de retalhos. Alguns estão na moda, mas outros já são démodé.

No entanto, o próprio Jesus derruba esta forma de enxergar a Bíblia quando Ele diz que não veio revogar a Lei ou os Profetas. A Lei ainda continua válida, embora não da mesma forma que no Antigo Testamento. A graça e a verdade vieram com Cristo, mas a Lei ainda tem um papel a desempenhar: levar os pecadores a Jesus.
De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. (Gálatas 3:24)
Só vai atrás de justificação quem se enxerga como injusto e pecador. Na verdade, o próprio conceito de justificação pressupõe uma Lei que tenha sido quebrada, razão pela qual existem os injustos. Ao revelar aos homens os seus pecados, a Lei é usada por Deus para conduzir os eleitos a Cristo.
Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. (Romanos 3:19-20)
Além disso, o próprio Jesus ensinou que a Lei será o parâmetro usado por Deus no Dia do Juízo:
Não penseis que eu vos acusarei perante o Pai; quem vos acusa é Moisés, em quem tendes firmado a vossa confiança.(João 5:44)
O amor é o cumprimento da Lei
Isso significa que toda a Lei deve ser observada, exatamente como nos dias do Antigo Testamento? Temos que comemorar as festas, seguir o cerimonial, as restrições alimentares e aplicar as leis civis? Não. Embora Lei e Evangelho andem juntos e a Bíblia seja uma unidade, há uma mudança real e profunda entre o Antigo e o Novo Testamento.

Com a chegada de Jesus, tanto os aspectos civis (Lei civil) como os cúlticos (Lei cerimonial) da Lei de Moisés são abolidos. O testemunho bíblico é o de que essas dimensões da Lei eram apenas sombras de uma realidade superior, que se torna evidente com a chegada de Cristo.
Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. (Hebreus 10:1)
Com a chegada dos bens, as suas sombras (Lei) se tornam obsoletas e inúteis. Logo, o que fica da Lei? Fica apenas aquela parte que é o cerne do Antigo Testamento, a qual é escrita no coração dos fiéis:
Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas. Ora, todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados.

E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei, acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre. (Hebreus 10:10-17)
Resumindo, ficam apenas os dois grandes mandamentos ordenados por Jesus Cristo: ame a Deus e ao seu próximo. Se amarmos a Deus com todo o nosso coração e fizermos aos outros seres humanos o mesmo bem que desejamos a nós mesmos...então estamos cumprindo todo o Antigo Testamento. E é apenas com isso que devemos nos preocupar.
"O Bom Samaritano", de George Frederic Watts

Claro que nem sempre é fácil entender algo que é tão simples. Mas, em caso de dúvida, a essência da Lei e os Profetas é o que os teólogos chamam de lei moral, aquelas normas e princípios que dizem respeito ao caráter, à mente e ao coração. Cristo resumiu essas normas nos dois grandes mandamentos, mas um detalhamento maior deles é dado nos Dez Mandamentos. Os quatro primeiros falam do nosso amor por Deus e os seis últimos sobre como devemos amar ao nosso próximo.

Ao meu ver, todo o resto do Antigo Testamento deveria ser enxergado dentro desta perspectiva dada pelo próprio Jesus. E isso até mesmo na hora de confrontar os pecadores. Não devemos mostrar apenas que mentir ou adulterar é errado, mas também que são pecados que atentam contra a ordem divina de amar. A disciplina e até mesmo a exclusão, por mais duras que sejam, sempre devem ser feitas por amor a Deus (obediência aos Seus mandamentos) e ao próximo (bom exemplo para que os demais não pequem, esperança de que o rigor da punição desvie o pecador do erro).

E o que fazer com a Lei civil e cerimonial? Devemos interpretar essas partes da Lei como símbolos de uma realidade maior, dada pelo Evangelho. Uma realidade onde o culto exterior não conta, porque Deus olha para a adoração que é em espírito e em verdade. Onde a justiça exterior não pode salvar a ninguém, porque Deus busca a verdadeira justiça e obediência, que Cristo escreve pelo Espírito Santo, conforme a predeterminação do Pai, no coração dos filhos de Deus.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

5 de dezembro de 2010

WikiLeaks: bom ou ruim?

O mexeriqueiro descobre o segredo, mas o fiel de espírito o encobre. (Provérbios 11:13)
Quem não gostaria de ter o poder de ler mentes? Já imaginou, como não seria interessante saber realmente o que as pessoas pensam a seu respeito...ou o que elas acham dos seus amigos? Há em todos nós esse desejo de conhecer os segredos de pessoas comuns. Agora, imagine saber os documentos secretos de nações poderosas, como os Estados Unidos!

É esse o desejo que explica o sucesso do WikiLeaks, um site que se dedica a "vazar" documentos secretos de governos e empresas. O site já divulgou o conteúdo de varios vídeos e documentos sobre as guerras norte-americanas no Iraque e no Afeganistão e, recentemente, vazou cerca de 250 mil documentos diplomáticos dos Estados Unidos. Quem quiser saber mais sobre o site, pode clicar aqui. Para entender como ele funciona, clique aqui.

Com esse último vazamento, surgiu uma pergunta. Afinal, a existência de sites como o WikiLeaks é boa ou ruim? A resposta não é tão simples, se quisermos uma análise bíblica.

Em primeiro lugar, há que se considerar que alguém precisa pecar para que o WikiLeaks funcione. Em outras palavras, algum funcionário público precisa quebrar o seu compromisso profissional e as leis de seu país para repassar documentos confidenciais adiante. Como lembra o jornalista Reinaldo Azevedo, essa conduta é um crime. E também é pecado por ferir Romanos 13:1.
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. (Romanos 13:1)
Em segundo lugar, a Bíblia reconhece que certas informações devem mesmo ser sigilosas, seja pessoalmente ou "corporativamente". Pode ser muito bom para a nossa curiosidade, mas é apontado como mexeriqueiro quem vai atrás de segredos. O fiel de espírito também é sábio, por isso ele encobre os fatos e informações que devem permanecer escondidos.

Contudo, há que se pesar um outro fator. Alguns segredos e informações devem sim ser revelados. Quando crimes acontecem e permanecem sem punição, quando informações de profundo interesse público estão sendo ocultas, eu penso que o vazamento é aceitável. O Estado ou as empresas não têm o direito de esconder informações para proteger criminosos ou favorecer interesses que prejudicam a coletividade.

Indo ao caso concreto, várias informações do WikiLeaks se enquadram nesse último fator e revelam coisas que não deveriam estar ocultas. No entanto, a seleção dos vazamentos não se mostra lá muito rigorosa, expondo informações que são irrelevantes, outras que são normais mas constrangedoras (e aí não passa na peneira do crime ou da utilidade pública) e umas que, efetivamente, colocam em risco sim a vida de pessoas (como o nome de informantes civis no Afeganistão).

Talvez alguns românticos do século XXI me critiquem, me chamando de reacionário ou pensando que estou atrapalhando revelações que confirmam teorias da conspiração. Eu gostaria de fazer um exercício com estes.

Você acharia saudável que todas as conversas do Conselho de uma igreja fossem divulgadas? Seria bom, por exemplo, registrar todas as observações feitas pelo pastor e pelos presbíteros quando eles examinavam a ordenação de um diácono ou a contratação de um zelador? E se tudo o que foi dito durante o julgamento de uma disciplina eclesiástica fosse publicado?

Como seria se todos os e-mails e conversas de MSN do seu pastor fossem abertos para qualquer membro da igreja? O fruto seria bom? Os membros mencionados, como se sentiriam?

E se todas as suas conversas, e-mails e documentos bancários fossem abertos ao mundo?

Entendo que as pessoas de bom senso vão reconhecer que nem todos os documentos, conversas e "segredos" devem ser públicos, sejam elas pessoais ou institucionais, quer falemos de escolas e igrejas, quer falemos de empresas e governos.

Só um último detalhe. Acho muito interessante que os vazamentos se concentram apenas nos Estados Unidos. Intriga-me o fato de que não tenham sido divulgados documentos de países muito mais contrários à liberdade de informação, como as ditaduras de um modo geral. Será uma coincidência?

Fecho com uma pergunta: como você avalia a forma com que o WikiLeaks tem feito vazamentos? É de modo responsável ou não?

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro