“E ele lhes disse: Quando orardes, dizei: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu. Dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano; e perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos deve, e não nos conduzas à tentação, mas livra-nos do mal.” Lc 11:2-4
Introdução
“Ensina-nos a orar” foi o pedido feito a Jesus, após ele próprio ter terminado sua oração. Jesus já tinha dado o exemplo, agora ensinaria como faze-lo. Não sabemos quem foi o discípulo que fez o pedido ao Senhor. Provavelmente, não estava presente quando Jesus ensinou a orar em Seu sermão do monte. Talvez tenha sido discípulo de João Batista. Na época, era comum e esperado que os mestres ensinassem seus discípulos a melhor forma de orar. Seja como for, o fato é que o pedido do rapaz, em si mesmo uma bela oração, levou Jesus a repetir a oração modelo, desta vez acrescentando um parábola para ilustrar seu ensino. Dela podemos tirar algumas lições para nossa vida de oração.
Nada a ver com oração respondida
Antes, contudo, convém que notemos o que Jesus não ensinou sobre a oração que Deus ouve. Não disse que a oração mais eficaz é a realizada num lugar específico. Apesar do discípulo vir Jesus “orar num certo lugar”, o meticuloso Lucas não diz que lugar é esse, por ser irrelevante. A eficácia da oração independe do lugar onde é feita, para desapontamento dos que após o culto, ou ao invés dele, correm para orar no monte, como se lá fossem ouvidos de maneira mais atenciosa por Deus. A disputa entre o melhor lugar para orar, se no templo ou no monte, é briga de judeu e samaritano.
A resposta da oração também não depende de quem ora. Pessoas fazem fila para receber a oração de um determinado “homem de Deus”, enquanto menosprezam a oração “do irmão ao seu lado”. É certo que alguns resultados espetaculares da oração de certas pessoas chamam a atenção, mas isso apenas porque não damos a atenção devida ao agir silencioso e discreto de Deus, em resposta a orações de “anônimos”.
Ainda precisa ser dito que o sucesso da oração não depende de uma fórmula. Jesus não pretendeu dar uma fórmula a ser repetida, que automaticamente liberaria o poder dos céus. Tanto é assim que as duas versões da oração ensinada diferem em detalhes. E Jesus, ao orar ao Pai, não a repetia. A oração é um modelo a instruir as nossas orações, apontando para a intimidade e simplicidade com que devemos nos dirigir a Deus. Os que ensinam fórmulas de oração, atos proféticos ou palavras de determinação estão adotando práticas místicas e pagãs.
Finalmente, a oração eficaz não se baseia nos méritos de quem ora ou por quem se ora. Deus não responde mais a oração de um que tem o viver mais santo do que outro que é mais fraco. Buscar o segredo da oração vitoriosa numa vida exemplar é querer comprar o céu com moedas de cinco centavos enferrujadas. Por isso, são tolos os que jejuam com a finalidade de contranger Deus a ouvi-los.
O segredo da oração ouvida por Deus está, não num determinado lugar, ou em algum intercessor especial, tampouco em fórmulas e méritos, mas na pessoa do próprio Deus. Deus é a fonte de nossas orações respondidas, e o motivo delas o serem. DEle depende uma vida de oração vitoriosa e após termos recebido o que buscávamos, não nos resta nenhum motivo de vanglória, pois tudo foi feito pelo Senhor. Foi isto que Jesus ensinou com a parábola dita após ensinar a oração dominical.
Persistência desavergonhada
Para fixar seu ensino sobre a oração, Jesus conta uma parábola, dizendo “qual de vós terá um amigo, e, se for procurá-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois que um amigo meu chegou a minha casa, vindo de caminho, e não tenho que apresentar-lhe” (Lc 11:5-6). O vizinho, porém, já estava deitado com toda a sua família e por isso gritou lá de dentro que não poderia atende-lo. “Digo-vos que, ainda que não se levante a dar-lhos, por ser seu amigo, levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação, e lhe dará tudo o que houver mister” (Lc 11:8). Jesus está ensinando pelo contraste, não está dizendo que o Pai atende à porta de má vontade, quando nós o incomodamos até vencê-lo no cansaço. Se a oração perseverante produz efeito em alguém, é em nós. A verdade que Jesus está ensinando é que se um homem egoísta e de má vontade atende um vizinho necessitado, quanto mais nosso Pai responderá nossas orações, haja vista que está sempre disposto a nos ouvir. Por isso conclui a parábola dizendo “pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; porque qualquer que pede recebe; e quem busca acha; e a quem bate abrir-se-lhe-á” (Lc 11:9-10).
A palavra-chave da parábola, creio, é “importunação”, no grego anaideia, e que só ocorre aqui no Novo Testamento. Embora as nossas traduções tragam “importunação”, “incômodo”, “amolação” ou “audácia”, o sentido etimológico (a=“sem” + aidos=“pudor”) é desavergonhado, sem vergonha. Não devemos nos envergonhar de pedir em oração, mesmo não sendo quem devíamos ser, mesmo não orando como devíamos orar e mesmo não merecendo o que pedimos, pois tudo o que recebemos é por pura misericórdia, baseado no amor e na fidelidade de Deus às suas promessas. Um exemplo disso é a mulher siro-fenícia, que quando Jesus lhe disse que não era apropriado dar o pão dos filhos aos cachorrinhos, ao invés de envergonhar-se ou ficar ofendida disse que até cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa. E recebeu a bênção pedida, acompanhada de um elogio de Jesus à sua fé!
Confiança na bondade do Pai
Completando sua resposta ao discípulo Jesus diz “e qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente? Ou, também, se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião?” (Lc 11:11-12). Aqui, o contraste implícito na parábola é declarado e acentuado. A certeza da oração respondida baseia-se no caráter amoroso de nosso Deus. “Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”. Mesmo os pais aqui da terra, universalmente corrompidos pelo pecado, atendem aos pedidos de seus filhos. Muito mais Deus, sendo bom e fonte de toda bondade, inclusive as demonstradas por homens maus, atenderá o pedido de seus filhos.
Conclusão
Devido ao fato de nossas orações serem ouvidas por um Pai amoroso e que se deleita em nos abençoar, não devemos nos iludir que tudo o que pedirmos nos será dado pelo Pai, exatamente como o pedimos. Pois não sabemos pedir como convém. Deus é um Pai que não dá um escorpião quando o filho lhe pede um ovo, mas também não dá um escorpião quando o filho pede um escorpião, nem uma serpente quando o filho pede uma serpente venenosa. Tudo o que recebemos de Deus é por Sua misericórdia, e tudo o que não recebemos dEle é por misericórdia dobrada. Glorifiquemos a Deus pelo que nos dá, mas não nos esqueçamos de agradecer por aquilo que pedimos e nos é negado.
Porém, um pedido é sempre certeiro. “Quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” dá a dica do melhor a ser buscado. Pois tendo o Espírito Santo, oraremos melhor, pois Ele geme com gemidos inexprimíveis, intercedendo por nós. Ele guiará nossos pensamentos àquilo que é mais proveitoso para nós e necessário para a igreja. Ele mudará a nossa perspectiva, inverterá a nossa escala natural de valores, nos fazendo ver que na simples oração modelo temos tudo o que precisamos para resolver nosso passado, viver em contentamento nosso presente e sermos guardados no futuro, até a volta de Jesus.
Soli Deo Gloria
Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.