31 de março de 2011

5 ídolos que ameaçam os novos calvinistas [3 e final]

4. A idolatria da relevância

O desejo de relevância é legítimo, e está presente em muitos cristãos. Há quem deseje ser irrelevante, fechando-se cada vez mais e rejeitando a comunicação com a cultura, mas esses são grupos menores, provavelmente com prazo de validade e data de óbito definida.

O cristianismo busca ser relevante na medida em que pretende comunicar o evangelho com clareza, e, a partir dele, ser instrumento para a transformação de vidas - da igreja, da família, da sociedade, e da cultura. Não há pretensões de redenção do mundo, porque elas sempre acabam em um projeto megalomaníaco ou totalitário, mas há o desejo de produzir impacto no seu contexto.

Chamar atenção a qualquer custo tem seu preço
O novo calvinismo se apresenta cheio desta sede por relevância. Comunicar o evangelho ao homem da pós-modernidade parece ser o foco. Tornar a igreja visível e respeitável no contexto da pluralidade religiosa está na agenda.

A grande pergunta é: até onde estamos dispostos a ir em nome da relevância?

Os grandes barcos e navios precisam de âncoras em ordem, e os carros mais velozes precisam de freios ajustados. Da mesma forma, os projetos teológicos e eclesiásticos mais arrojados precisam de bons mecanismos de avaliação e retorno para o caso de possíveis desvios.

Quanto à relevância, é o momento de andarmos com o pé sobre o freio. O desejo de ser percebido ou de ser útil à cultura pode tomar proporções maiores do que o desejado, e assim o processo idolátrico se apresenta.

Ao colocar a relevância em um nível pouco acima do que deveria estar, o novo calvinista vai deixando em segundo plano as bases de sua fé, em busca dos modelos e técnicas de relevância cultural. Logo se terá algo completamente distinto do original "novo calvinismo" - um arremedo de teologia e igreja, que apenas busca seguidores e adesistas, não mais convertidos.

Deveríamos sempre nos lembrar das lições da história. No contexto da modernidade, o desejo dos liberais era o de tornar a igreja relevante à mente cooptada pelo iluminismo. Ao idolatrarem a relevância, descartaram os pressupostos bíblicos, e entraram em algo diferente do cristianismo.

Do mesmo modo, os novos calvinistas precisam ficar atentos e reavaliar suas motivações e práticas continuamente, para identificar se o desejo de relevância tem tomado proporções maiores do que deveria.

Questões fundamentais nesse processo são:

- O que está por trás do meu desejo de relevância? A glória de Cristo? A exibição do estilo de minha igreja? A demonstração de como o novo calvinismo é cool?
- Até onde estou disposto a ir para comunicar o evangelho?
- Quais os limites de minha contextualização?
- Quais os limites da minha linguagem?
- Quais os limites de transformações no culto?
- Quais os limites da mudança nas músicas?
- Quais os elementos inegociáveis em minha fé e prática?
- Tenho feito algo que deveria voltar atrás?
- O caminho que estou seguindo me levará a algum tipo de desvio na fé ou prática?
- Estou disposto a ser chamado de irrelevante, se isso significar permanecer fiel à Escritura?

Uma análise seguindo a linha das questões acima pode nos preservar de uma busca cega pela irrelevância. Antes de buscarmos o impacto na cultura, precisamos estar certos de que vivemos para glorificar a Deus.

5. A idolatria dos jovens

Nosso tempo idolatra os jovens. Nelson Rodrigues, ainda nas décadas de 60 e 70 já falava que a "idade da razão" deu lugar à "razão da idade". Ele criticava o fato de alguém estar a priori correto, apenas por ser jovem. Não é difícil perceber o fenômeno - os jovens movimentam maior fatia do mercado, determinam a programação geral da televisão e demais meios de comunicação e influenciam a opinião pública. Os idosos querem ser ou parecer jovens - por meio de cirurgias, ou por meio da ridícula expressão "tenho espírito jovem". As igrejas caminham com a cultura e criaram a figura do pastor de jovens, e assim a ditadura da juventude vai se perpetrando.

A possibilidade é de novos calvinistas, que nascem nesse contexto de idolatria da idade, não questionarem o ponto. Sem refletir adequadamente, tendem a repetir o modelo, com um ministério absurdamente anti-idosos ou outras faixas etárias.

Isso pode se manifestar de várias formas:

- As músicas adotadas são rápidas demais, com ritmos explosivos, volume alto, e tudo o que alguém mais velho não consegue assimilar tão rapidamente;
- A utilização de tecnologias e cores torna o ambiente quase insuportável para quem lidava apenas com uma abordagem simples do ambiente de culto;
- As pessoas que servem parecem modelos, malhadores, etc., e assim os que possuem maior idade não têm qualquer identificação ao aparecerem em suas reuniões;
- A velocidade e dinâmica do culto e das programações é de difícil assimilação por parte daqueles que vêem o mundo em outra perspectiva e não estão na era da internet;
- O linguajar dos líderes é carregado de gírias e expressões não inteligíveis pelos de maior idade.

Quão bíblico é desprezar outras faixas etárias?
Deste modo, o novo calvinismo pode chegar ao ponto de idolatrar o jovem, desprezando cada vez mais as outras faixas etárias. A falta de sensibilidade exclui os anciãos da comunidade.

Várias questões precisam ser pensadas a partir daí. Uma delas é que, eventualmente, estes jovens formarão família, e crianças aparecerão no contexto da igreja. Os pequeninos não poderão ser ignorados, sob pena de o novo calvinismo ter apenas uma geração de vida. Outro ponto é que os jovens também envelhecerão. Ou (1) eles ficarão velhos e tolos, tentando manter o pique da juventude, ou (2) sairão da igreja [e do movimento], percebendo que não há lugar para idosos no novo calvinismo.

As consequências disso são terríveis. Os jovens ficam privados da sabedoria dos mais velhos quando se fecham em um grupo tão homogêneo, e perdem a oportunidade de edificar e abençoar as gerações mais novas. As crianças precisam de adolescentes que lhes sejam exemplos. Os adolescentes precisam de jovens que os discipulem. Os jovens precisam de adultos que lhes sejam conselheiros. E os adultos precisam do acompanhamento de pessoas mais velhas.

A igreja é uma comunidade ampla de santos - de toda as cores, estilos, times de futebol e idades. Idolatrar uma faixa etária é empobrecer o movimento, e decretar a sua falência.

Conclusão: Sabedoria na auto-crítica

A proposta desse artigo é de levantar a auto-crítica sobre os novos calvinistas que se formam no Brasil. Enquanto o movimento busca articulação e definições, é importante estar consciente dos riscos que o cercam, bem como pensar e repensar suas práticas, convicções e motivações à luz do bom senso, e da Palavra de Deus.

Quem rejeita a crítica se afunda num deserto de tolice. Quem a recebe e a considera - ainda que para descartar posteriormente, é mais passível de ter atitudes bem pensadas e coerentes.

Que Deus abençoe os novos calvinistas, e nos livre da idolatria.

28 de março de 2011

Glorificados por Deus

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30

Chegamos ao último artigo da série que considerou as cinco bênçãos de Deus "para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito" (Rm 8:28). Depois de havermos discorrido sobre Deus conhecer de antemão, predestinar, chamar e justificar os Seus, consideremos a declaração "aos que justificou, também glorificou" (Rm 8:30) e a maravilhosa certeza que ela encerra. O que significa ser glorificado por Deus?

O termo utilizado é derivado de dexazo, que pode ser traduzido "tornar glorioso, adornar com lustre, vestir com esplendor; conceder glória a algo, tornar excelente" (Strong). O termo, ainda segundo esse erudito, vem da raiz doxa que quando aplicado aos crentes refere-se à "condição de gloriosa bem-aventurança à qual os cristãos verdadeiros entrarão depois do retorno do seu Salvador do céu". Portanto, glorificação é o estado final dos crentes, no qual seremos semelhantes a Cristo: "amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é" (1Jo 3:2). No mesmo capítulo 8 Paulo já havia se referido à "glória que em nós será revelada" (Rm 8:18) afirmando que "se de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória" (Rm 8:17).

A surpresa fica por conta de que, embora essa glorificação seja futura, pois no presente somente "nos gloriamos na esperança da glória de Deus" (Rm 5:2), Paulo na passagem em foco a considera como já realizada: "aos que predestinou, também glorificou" (Rm 8:30). O verbo está no aspecto aoristo, que não leva em consideração o tempo passado, presente ou futuro, embora a tradução no passado simples satisfaça a maioria dos casos. O elemento de certeza é reforçado pelo modo indicativo, o qual implica que uma ação realmente ocorreu, ocorre ou ocorrerá. Portanto, a glorificação, ainda que futura, era tão inexoravelmente certa para Paulo que ele a expressa como se já tivesse ocorrido! De fato, sendo a corrupção da natureza humana vencida no chamamento eficaz e toda culpa pelo pecado eliminada na justificação, nada mais pode se interpor entre o regenerado e a glória! Paulo estava convencido, e nós também podemos estar, "de que Aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus" (Fp 1:6).

"Que diremos, pois, diante dessas coisas?" (Rm 8:31). Que podemos ter absoluta certeza de nossa salvação. Não cabe aqui a mais ínfima desconfiança de que um crente, uma vez salvo, venha ao final ser vencido e condenado. "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm 8:31), vale dizer, se Deus, começando na eternidade, nos "predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho" (Rm 8:29) e no presente "age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito" (Rm 8:28), como deixaria perecer alguém por quem Cristo morreu? "Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?" (Rm 8:32).

Romanos 8:29-30 é a corrente dourada da graça, a qual não pode ser quebrada por nenhuma força da terra ou do inferno. Um indivíduo que foi conhecido desde a eternidade por Deus, que foi predestinado a ser feito à imagem de Jesus, que foi chamado de forma sobrenatural e poderosa pelo Espírito Santo em tempo oportuno, que teve lançado a seu crédito a perfeita justiça de Cristo, será inevitavelmente recebido na glória por Deus. Aleluia!

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

24 de março de 2011

5 ídolos que ameaçam os novos calvinistas [2]

Neste post vão os pontos 2 e 3. Provavelmente o texto será concluído na próxima postagem.
 
Joshua Harris
2. A idolatria de homens

Outro risco que cerca qualquer movimento é a possibilidade de considerar seus líderes e grandes expoentes como algo mais do que apenas isso. O mecanismo segue mais ou menos assim:
(1) Algumas pessoas, dotadas de maior capacidade de liderar, despontam como formadores de opinião no contexto do movimento;
(2) As qualidades de liderança e percepção da corrente que vai definindo sua identidade, dentre outros aspectos positivos (como talvez a erudição ou o carisma) atraem admiração e respeito para com o(s) líder(es);
(3) O respeito e admiração ganham contornos maiores, e o líder começa a ser considerado um modelo a ser copiado, bem como o padrão do movimento (o que é ou não "do movimento" é medido em termos de sua semelhança com a abordagem do líder);
(4) As opiniões e práticas do líder são consagradas pelo movimento, de modo que a identidade da corrente vagueia entre o campo conceitual definido anteriormente (em doutrinas, reflexões, etc.), e a prática do líder (tudo o que ele faz é considerado "a cara" do movimento);
(5) Pouco a pouco, o líder e sua palavra têm mais credibilidade do que a Palavra de Deus. Isso é percebido quando todas as outras interpretações possíveis do texto bíblico são descartadas a priori, simplesmente por oferecerem uma alternativa à perspectiva do líder (isso demonstra que o interesse não é tanto em compreender o texto, mas em seguir a pessoa).

C. J. Mahaney
Este não é o único caminho da idolatria de homens, mas é um bastante comum, e que pode ser percebido por nós. Nem toda idolatria de homens ganha contornos de fanatismo, do tipo de usar a camisa do líder e só falar as palavras da figura em questão, Às vezes o idólatra veste a máscara do "respeito", quando, em seu coração, entronizou o sujeito e não abre os olhos para nada mais à sua volta.

Com relação ao Novo Calvinismo, o caminho acima pode ser traçado. É preciso cautela e auto-crítica para não cair neste erro. As variantes também podem ser percebidas: alguém pode passar a se vestir como o Joshua Harris não por simplesmente gostar de roupas casuais, mas pelo desejo de imitar e pela idolatria estabelecida (quem não satisfizer as exigências do ídolo será tachado de "quadrado", herege, "engessado", etc.) - a cobrança do terno em outros arraiais, passa a ser a cobrança da calça jeans e tênis. Outro novo calvinista pode passar a admirar tão intensamente alguém como Matt Chandler, que não aceita qualquer crítica ao pregador, reagindo com fúria desproporcional às análises realizadas.

O risco de tal idolatria é que, como em outros movimentos, a queda do líder pode promover a queda dos idólatras. Uma vez que o foco não está em Jesus, mas na figura da pessoa influente, as notícias de sua vida são os fatores determinantes da fé dos seguidores. Avalie-se: qual seria a sua percepção do Novo Calvinismo e da fé cristã se homens como C. J. Mahaney se envolvessem em algum escândalo? O movimento inteiro se estabelece na vida desses indivíduos? Eles têm ocupado um lugar maior do que deveriam em sua percepção?

Quando a pergunta central dos novos calvinistas passa a ser: "o que Mark Driscoll faria?", eis a idolatria estabelecida.

O remédio, além da auto-crítica recomendada, está na centralidade de Jesus que a Escritura, o Calvinismo clássico, o Neocalvinismo e o Novo Calvinismo ensinam. Jesus em lugar de proeminência, e todos os demais líderes respeitados e honrados, mas sempre para dar glória a Deus.

3. A idolatria da cultura pop

Sem hipocrisia, eu gosto da cultura pop. Ouvir rock'n'roll, assistir seriados (sitcoms), ler revistas, e até mesmo ver a perspectiva da moda pop - às vezes bastante maluca e ousada, mas para a maioria das pessoas "comuns" (não tão preocupadas em andar nas fronteiras), roupas casuais como o velho jeans e all star funcionam perfeitamente.

Não há problema em curtir elementos de determinada expressão cultural. Com o Novo Calvinismo, grande parcela da igreja percebeu uma nova atitude de lidar com a cultura. No âmbito musical, por exemplo, o NC trouxe consigo bandas com sonoridade contemporânea e a mensagem reformada. Isso não é novidade entre os evangélicos, mas a postura por trás da prática parece bastante diferente. Para muitos cristãos que utilizavam expressões culturais contemporâneas a serviço de Deus, tratava-se da criação de uma "subcultura cristã" - uma réplica "gospel" do que está lá fora. Para que o cristão não tenha que sair do ambiente seguro da igreja e vá ouvir heavy metal não-cristão, é melhor termos uma banda cristã de metal. Não é que a cultura tem validade por si, ou que as expressões musicais são bênção de Deus e revelam o belo ao espírito humano. Nada disso é realmente refletido - a utilização da música e demais artes é puramente pragmática (produzir as réplicas e "proteger" os cristãos).
O ambiente de uma igreja Mars Hill

O Novo Calvinismo não parte de tais premissas, e por isso não precisa se aproximar das expressões culturais em busca destes famigerados "genéricos". Ele lida com o heavy metal - para acompanhar o exemplo acima - a partir da realidade de que a criatividade humana que fez nascer o "som pesado" vem de Deus, e por isso tal sonoridade tem valor intrínseco. (Vou me abster de tratar a questão se tais músicas devem ser tocadas no culto - esse não é o foco da discussão).

Não apenas a música é vista deste modo, mas o NC promoveu uma nova forma de enxergar as artes plásticas, a decoração, a moda e as artes audiovisuais (multimídia, como o cinema). Observem o ambiente da Mars Hill em cada série pregada pelo Driscoll - inclusive o figurino do pregador -, e vocês entenderão o que estou falando. O ambiente criado na igreja é devidamente trabalhado utilizando recursos que demonstram elementos da cultura pop - a mais reconhecida e valorizada pelos jovens de Seattle.

De uma mudança no modo de encarar a cultura pop para a idolatria dela, porém, há diferença. O defensor do Novo Calvinismo que se distrair um pouco pode deixar o ponto passar. Existem pelo menos outras duas expressões culturais: a cultura popular, e a alta cultura (o conceito é questionado por alguns, mas também não pretendo me perder nessa discussão). A cultura pop é a de consumo imediato, que aparece e some com a mesma rapidez - talvez como uma música do cantor da moda, que amanhã já foi esquecid@ (o cantor e a música). A cultura popular é aquela que ainda preserva popularidade e grande aceitação, embora se preocupe em integrar elementos mais densos à sua expressão, e por isso o seu consumo é mais duradouro - no contexto brasileiro, talvez a bossa nova nas canções de Tom Jobim ilustre o ponto (elas duram mais, embora não se pretendam "canções eruditas"). A alta cultura é aquela de menor aceitação, por envolver elementos de maior complexidade. Uma revista 'Cláudia' tem mais leitores do que a obra de Shakespeare. A música de Ivete Sangalo é de mais fácil compreensão do que a obra de Vila-Lobos. Pela maior profundidade de análise, rigor na produção e complexidade, as expressões da alta cultura tendem a demorar mais tempo que as anteriores. Uma mesma música pode ser ouvida várias vezes, e sempre revelar novas surpresas - de elementos ainda não percebidos, e sentidos ocultos na composição.
Mark Driscoll antes de ser cool

Não percamos o ponto: o apelo estético do Novo Calvinismo, como nos tem sido apresentado aqui, é bastante sedutor. Boa iluminação e fotografia, com boa música contemporânea, um pastor descolado falando linguajar pop, e o cenário está montado. O novo calvinista é bastante cool. Mas isso é tudo?

O risco corrido por muitos novos calvinistas, é o de identificar o NC como expressão da cultura pop, por ela ter maior aceitação das pessoas. Dessa forma, qualquer manifestação reformada e missional no contexto da cultura popular, ou - pior ainda - no âmbito da alta cultura, seria considerado algo externo ao movimento. Se esta fusão for realizada (NC e cultura pop), estaremos afirmando que ser missional só é válido em determinado contexto, para determinado grupo de pessoas, e isto - tenho certeza - é o fim da perspectiva missional.

Contra esta idolatria, recomendo a leitura do próprio Driscoll no Reformissão. Ali ele identifica as três expressões culturais mencionadas aqui (pop, popular e alta), e indica que igrejas em determinados contextos trabalham de diferentes maneiras. O NC não é a cultura pop. Ser um calvinista [novo, neo, clássico, ou o raio!] é mais do que usar jeans e all star. Alguém pode cantar hinos e ser contextualizado. Alguém pode usar um vocabulário mais rebuscado e ser missional. Alguém pode rejeitar a idéia de ser cool, e ser um reformado comprometido com a cultura.

Se abrirmos os olhos desde já para tais distinções, melhor será a caminhada.

22 de março de 2011

Lulu Santos e o Novo Calvinismo

Publicado originalmente no Optica Reformata.

***

Sem querer aumentar ainda mais o celeuma em torno das fervorosas discussões sobre o Novo Calvinismo (NC), e já correndo o risco de ser considerado como alguém totalmente avesso ao movimento (o que não é verdade, evidentemente), vou revelar aqui uma brincadeira que fiz alhures (via chat) com alguns colegas quando me referi àquela que poderia ser a modinha dos novos calvinistas. Trata-se da música O último romântico, de Lulu Santos, que assim reza em seus versos iniciais:

Faltava abandonar a velha escola/ tomar o mundo feito Coca-Cola.

É claro que não se trata de nenhuma análise “séria” do movimento, haja vista o elemento lúdico embutido na própria comparação em si. Sim, fiz isso mais como quebra-gelo mesmo, e até pensei se valeria a pena mesmo o post. Mas em que se pese essa proposta de ruptura com as velhas formas (ou, o velho modus operandi, de repente) e a consequente propagação de uma mensagem mais contextualizada para a cultura na qual está inserida – o ser “missional”, no caso do NC –, penso que a relação que fiz tem lá a sua validade, o que torna o este post, digamos, “publicável”, segundo penso.

Mas se é pra falar de coisa séria, aqui vai uma crítica. E mais uma vez me aproprio da deixa do Lulu, só que agora no que tange ao romantismo. Tenho notado que alguns irmãos que se identificam com o NC tem se deixado levar por uma postura quase acrítica quanto ao movimento, o que faz com que se irritem facilmente quando alguém questiona certos pontos de suas perspectivas. E o pior é que não são exclusivamente os ditos “neopuritanos” quem levantam as questões, mas até mesmo gente que está mais próxima do arraial do Piper do que do arraial do Peter Masters. E é justamente isso o que me preocupa, pois a impressão que tenho é que muitos estão simplesmente pegando arrego numa onda que nem bem sabem o que é, mas que já se apressam em defendê-la com unhas e dentes. Temo também que essa atitude irrefletida de alguns, somada aos seus ânimos acirrados pela "oposição", possa interferir de forma trágica no resultado pretendido por eles próprios, o que não seria nada bom para o calvinismo no Brasil. Para que seja um movimento realmente frutífero e duradouro [olha eu palpitando aí, gente!] – e não apenas um modismo –, é preciso que os novos calvinistas juntem o ouro, a prata e as pedras preciosas do que há de melhor na tradição reformada, largando de mão as madeiras, fenos e palhas de nossos modelos equivocados (cf. 1 Co 3.10-15). É necessário também que se vá com calma, muita calma, para que a noiva não se canse antes do baile.

É por essas e outras que tenho me recolhido ao silêncio nesses dias. Ainda preciso ler muito sobre o assunto para poder me definir como “a” ou “b”, se é que o farei. Mas de uma coisa eu sei: que a Fé Reformada é muito maior do que o Velho ou o Novo calvinismos. Maior até do que o próprio Calvino, como eu já disse alhures. E se porventura estivermos procurando estabelecer A ou B como o padrão último do que venha a ser um verdadeiro reformado, de modo que rompamos com as Escrituras e com a fé legada pelos nosso pais, então seremos achados não apenas os últimos românticos, mas também como os últimos tolos (isto se não deixarmos o mau exemplo para as futuras gerações, que também poderão continuar endossando essa nossa tolice). Que Deus nos dê discernimento!

Soli Deo Gloria!

21 de março de 2011

Justificados completamente

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30


A justificação somente pela fé é considerada a doutrina mais importante do Novo Testamento, é o coração da igreja. Para Lutero, essa é a doutrina pela qual a igreja cai ou permanece em pé. É triste que poucos tenham uma compreensão clara e um entendimento correto dessa verdade bíblica. Devido a isso, ao mesmo tempo que ressalto o fato de que os que foram previamente conhecidos, predestinados e chamados também foram justificados, aproveito para tentar esclarecer este importante aspecto de nossa salvação.
Justificação é o ato pelo qual Deus declara o crente justo diante dele. Dessa afirmação decorre alguns fatos. Primeiramente, a justificação é um ato e não um processo. Deus não nos torna progressivamente justos e então nos aceita, mas num único ato nos considera justos diante Dele para sempre (não confundir aqui justificação e santificação). O segundo ponto é que a justificação é uma declaração e não uma operação de Deus. A justificação é forense, no sentido de que um culpado é declarado inocente diante de um tribunal. Terceiro, a justificação é pela fé somente, pelo que se diz que Deus declara justo aquele que crê. E o que crê é justificado sem nada além da fé, o que não crê não é justificado não importa o que mais faça. E, finalmente, o crente é declarado justo diante de Deus. Embora pecadores, somos justos perante o Senhor.
Um entendimento incorreto da doutrina é a que pensa que Deus simplesmente releva, põe de lado o pecado humano, deixando de atender os requerimentos de Sua santidade e justiça. De fato, a justificação é pela graça, ou seja, não custa nada para nós, pois somos "justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus" (Rm 3:24). O texto mostra que a justificação, ainda que gratuita para nós, custou um alto preço para Deus, pois a Seu Filho "Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua justiça neste tempo presente" (Rm 3:25-26a). Dessa forma, punindo o pecado em Jesus, Deus torna-se "justo e justificador daquele que tem fé em Jesus" (Rm 3:26a).
A justificação é, pois, pela graça mediante a fé em Jesus. A fé não é apenas suficiente, mas também necessária. Não fosse pela fé, teria que ser pelas obras da lei. Em verdade, Paulo declara que "os que praticam a lei hão de ser justificados" (Rm 2:13). Apesar de em tese a justificação pelas obras ser possível, na prática "ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (Rm 3:20) e "todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rm 3:23), assim, a única justificação possível é "a que decorre da fé" (Rm 9:30).
O apóstolo apresenta Abraão como exemplo da justificação pela fé somente. "Se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus" (Rm 4:2), contudo "Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça" (Rm 4:3), a conclusão é que "ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça" (Rm 4:5). A aceitação de Abraão por Deus se deu antes de sua circuncisão, portanto, esta não lhe serviu de base para justificação, da mesma forma que as obras que os crentes realizam não é a base pela qual Deus os declara justos diante Dele. "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei" (Rm 3:28).
Voltando ao texto que encabeça esta série de artigos, pergunto, quem é justificado? Justificados são os que são chamados de forma eficaz. Nessa chamada está incluso o dom da fé, necessária para a justificação. Ocorre, contudo, que somente são chamados de forma eficaz aqueles que foram anteriormente conhecidos e predestinados. Em resumo, apenas "os eleitos de Deus" (Rm 8:33) chegam a ser justificados.
Sendo a justificação forense, não pensemos que ela não tem implicações práticas ou que existe apenas para teologizarmos sobre. Romanos diz que "veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida" (Rm 5:18). A justificação declara que somos reconciliados com Deus "justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5:1) e por isso "sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira" (Rm 5:9). Há uma íntima relação entre a doutrina da justificação e a segurança eterna do crente. Não importa se nesta vida ou no juízo, "quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica" (Rm 8:33). Tendo sido justificados quando cremos em Jesus "agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8:1). Todos os nossos pecados passados, os atuais e até mesmos os futuros, foram punidos em Jesus e todos eles foram levados em conta quando Deus nos declarou justos diante Dele. Aleluia!
Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

17 de março de 2011

5 ídolos que ameaçam os novos calvinistas [1]

Nenhum movimento sobrevive sem auto-crítica (não confundir com "alta crítica"). Refletir profundamente sobre a sua condição, identidade, propósitos e motivações é mais do que recomendável para qualquer corrente cristã; é uma necessidade. Por isso, penso que, enquanto acompanhamos as crescentes discussões sobre o Novo Calvinismo - levantadas pelo Rev. Helder Nozima aqui e aqui - precisamos apontar os riscos que rondam o terreno dos novos calvinistas.

Penso que a reflexão sobre o novo calvinismo ainda está engatinhando em nosso contexto. Por isso temo que maiores identificações com o fenômeno possam nascer de corações bem intencionados, embora desconhecedores da coisa em si e de suas implicações. O risco que se corre é de adotar uma série de novos modelos, técnicas e abordagens eclesiológicas e ministeriais, sem captar adequadamente o espírito do NC. Como resultado, poder-se-ia obter um frankenstein tupiniquim que não é nem o calvinismo old school, nem o novo calvinismo, mas uma coleção de arremedos práticos, sem nenhuma estrutura teológico-doutrinária que promova a unificação dos conceitos e práticas adotadas. Corremos o risco de pastores interessados em um novo modelo apenas pela expectativa de mais uma fórmula que encha sua igreja, sem perceber que isso é a negação do calvinismo, seja o clássico, seja o novo. Mas eu me adianto, e assim preciso voltar um pouco para tratar da questão dos ídolos.

Os sistemas de pensamento e organização conceitual, em maior grau (como uma cosmovisão inteira) ou menor (como uma perspectiva eclesiológica), possuem conjuntos de pressupostos que norteiam os caminhos escolhidos. Quando tais conceitos subjacentes são desviados de sua direção bíblica, rumo à autonomia, temos a formação de um ídolo. Aquilo que um dia deu base ao surgimento de medidas boas, reivindicou independência e partiu para a rebelião contra Deus. Para que tal perigo seja evitado, é importante discernir, por meio de uma crítica radical do coração (nosso e do NC), quais  os conjuntos de pressupostos que estão em jogo, e que caminho eles têm tomado, além da direção a que nos têm levado. Uma forma de perceber o ponto é imaginar o que aconteceria se determinados elementos se tornassem autônomos - observar o processo da idolatria em formação. É assim que percebemos os cinco ídolos que descrevo abaixo (e nos posts que seguem). Alguns já podem estar em atividade, enquanto outros dormem, aguardando a hora de entrar em ação. Cabe aos velhos e novos calvinistas apontá-los e resisti-los.

Uma digressão que se faz importante: Sem pretensão alguma de originalidade, a idéia do texto veio na esteira do texto do Pb. Solano Portela, que faz a auto-crítica do calvinismo de modo magistral.


Outra digressão: talvez você queira saber de onde eu falo. Que posição eu assumo enquanto levanto tais críticas ou pontos a serem discutidos? É uma pergunta justa, e eu não me esquivarei dela. Não sou um novo calvinista. Ainda não. Não conheço o suficiente do movimento, e creio que preciso sedimentar reflexões e percepções da proposta durante um período, antes de (ou se) me identificar publicamente com a coisa. Se, por um lado, não me identifico como um novo calvinista, também não sou um anti-novo calvinismo. Há alguns anos tenho acompanhado sermões dos iniciadores do movimento nos EUA, mais intensamente do Pr. Mark Driscoll, mas também de pregadores e autores que respeito bastante, como Joshua Harris e Matt Chandler. Tenho lido materiais dos novos calvinistas, e sobre eles - como a única pesquisa publicada por um brasileiro sobre o fenômeno, o livro "O futuro do Calvinismo", do Rev. Leandro Lima (ed. Cultura Cristã). Ele também é autor do blog Novo Calvinismo. Assim, escrevo como quem pretende contribuir com as reflexões sobre o movimento, numa tentativa de trazer luz sobre suas nuances, para benefício meu e de outros - não importa se adotaremos o novo calvinismo ou não. Compreendê-lo melhor, ou compreendê-lo afinal, é um passo fundamental para qualquer postura seguinte.

Agora sim, aos ídolos:

1. A idolatria do modelo


Talvez todos tenhamos aquele amigo chato que se empolgou com o modelo de células a la G12, e repetia incessantemente: "Este é o modelo. Esta é a visão". O mantra dos seguidores de Castellanos vinha carregado de uma arrogância que pretendia reivindicar a singularidade do modelo celular como a única proposta válida para os dias atuais. O discurso todo se mostrava tão entediante que a melhor solução era tentar mudar de assunto rapidamente, e aguardar para ver quantos minutos o sujeito ficaria sem falar no "modelo" ou na "visão".

Defensores do novo calvinismo correm o risco de cair em tal armadilha. Preocupados com a situação atual da Igreja, e embriagados pelo impacto do new calvinism nos Estados Unidos, pensam ter encontrado "a" (!) resposta para o problema brasileiro. Sem perceber, são levados aos poucos a adotar um discurso cada vez mais arrogante, que pretende exaltar as virtudes do NC, e apresentá-lo como a única maneira pela qual uma igreja pode sobreviver aos nossos dias.

Que isto não é verdade, não é difícil perceber. Basta notar que, paralelo ao crescimento do novo calvinismo, uma corrente totalmente oposta a ela tem crescido consideravelmente no Brasil - e tem recebido a alcunha de neopuritanismo (embora o termo seja rejeitado pelos que adotam a perspectiva - para os fins deste post, e por falta de um termo melhor eu utilizarei esta designação). Como explicar que forças tão distintas cresçam simultaneamente? Uma promove liturgia mais aberta e espontânea, enquanto outra não permite que mulheres orem no culto. Uma não vê problemas em um visual cool, com brincos, camisetas divertidas e tênis, enquanto outra prioriza o estilo formal, de preferência com terno e gravata (há exceções, sempre há...). Uma enfatiza o uso de música contemporânea, provavelmente no melhor estilo rock'n'roll, enquanto outra retorna aos caminhos da utilização exclusiva de salmos no repertório da igreja.

Sem julgar os méritos de cada corrente, ambas crescem. A percepção deste fenômeno deveria indicar ao novo calvinismo que ele não está sozinho, e que ele não é, exclusivamente, o caminho do crescimento da contemporaneidade, ou, mais ainda: ele não é a tábua de salvação da igreja.

A idolatria do modelo pode cegar os novos calvinistas, e não permitir que eles percebam o que Deus está fazendo em comunidades vizinhas, que não aderiram ao movimento. Pode criar uma perspectiva de "gueto", como descreve o calvinista Roberto Vargas Jr., tão sectária e facciosa quanto os proponentes do G12, ou muitos "neopuritanos", que reivindicam exclusividade de modelo e interpretação teológica, condenando quem difere de seu modo de pensar e sentenciando-os como hereges.

O novo calvinismo, como o clássico e qualquer outra corrente da igreja cristã precisa partir da compreensão básica: existe vida para além dos limites de minha compreensão. Existem salvos fora do calvinismo em geral. Existem cristãos sérios fora do calvinismo clássico. Existem igrejas abençoadas e crescentes fora do novo calvinismo. Esta ressalva pode livrar o NC de uma arrogância que comprometeria o futuro do movimento no Brasil.

[continua]

13 de março de 2011

Novos reformados: servos da nossa geração

Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção. (Atos 13:36)
Lidar com a Tradição é um dos grandes problemas enfrentados pelo cristianismo. O catolicismo romano a valoriza tanto que chega a colocar o Magistério da Igreja acima da Bíblia. A liturgia ainda é antiga e só abandonou o latim no Concílio Vaticano II (embora hoje ainda se permita a missa em latim). Por outro lado, certos ramos do protestantismo parecem desprezar a história do cristianismo e ignoram até mesmo o ensino daqueles que fizeram a Reforma Protestante. O equilíbrio raramente é conseguido.

E isso é particularmente verdadeiro quando se olha para as igrejas evangélicas brasileiras do século XXI. Mesmo nas igrejas históricas, há seminários que formam pastores sem exigir a leitura de uma página escrita por Martinho Lutero ou João Calvino (foi o que aconteceu comigo, e eu passei por 3 seminários). A ampla maioria não conhece a história de suas igrejas ou no que elas realmente acreditam. Entretanto, também há grupos que são tão apegados à tradição que parecem ler mais os teólogos reformados que a Bíblia e sonham com uma liturgia do século XVI.

Para piorar, vivemos em um mundo dinâmico, onde as transformações tecnológicas, políticas, econômicas e sociais acontecem de forma muito rápida. Há pouco mais de 50 anos, os moradores da região de Brasília andavam de carro de boi e quase ninguém tinha visto um automóvel. A maioria das famílias possuía muitos filhos e nem mesmo os adultérios eram vistos como motivo para separação de casais.

Tudo isso torna muito complexa a sobrevivência das igrejas em nossa sociedade. Sim, Deus é Soberano e Jesus Cristo salvará eleitos geração após geração. Mas isso não significa que os evangélicos estão livres de desafios enormes. Como ser uma igreja relevante para o Brasil do século XXI?
O resgate da Escritura e da Tradição
Creio que a primeira parte da resposta é olhar para trás. O povo de Deus precisa recuperar o seu passado e a sua História. Esse resgate vai até Adão e Eva, até os eventos redentivos descritos na Bíblia e que estão registrados nas Escrituras Sagradas. Mas eles também incluem o longo período que se inicia com o encerramento da Bíblia e vai até os dias atuais.

Inicialmente é preciso recuperar a leitura e a pregação expositiva das Escrituras. Nada de sermões em cima de versículos isolados ou de estudos que não expliquem o que é ensinado nas páginas da Bíblia. Os pastores e professores devem ensinar o fiel a ler e a interpretar corretamente a Bíblia, aplicando-a em sua vida e em sua sociedade. É preciso que apontemos a Palavra de Deus como sendo a nossa regra suprema de fé e prática, que vai orientar toda a nossa vida.

Secundariamente é preciso recuperarmos as reflexões e ensinos que grandes homens de Deus tiveram a partir da Bíblia. Com humildade, os cristãos do século XXI devem reconhecer como irmãos os que viveram nos séculos II a XX e voltar a lê-los. Ao compreendermos a forma como eles enfrentaram os desafios de suas próprias épocas, acharemos exemplos e inspiração para os nossos próprios dilemas.

Ao pregar em Antioquia da Pisídia, Paulo fez isso. É o que nos mostra Atos 13. O apóstolo recordou-se de como Deus havia lidado com os patriarcas, o povo de Israel no deserto, os juízes, os reis...até chegar a Jesus. Expôs o significado da Lei e dos Profetas. Embora fosse apóstolo, Paulo não renegou o rico passado do Antigo Testamento.

Hoje, os novos calvinistas (não confundir com o neocalvinismo) devem continuar a fazer essa identificação. Nos identificamos com calvinistas porque honramos e respeitamos a tradição teológica exposta por Calvino. Mas entendemos que Calvino foi apenas um dos inúmeros santos que fazem parte da história do povo de Deus, e, por isso, reformados é um termo melhor. Vamos além: entendemos que a tradição reformada é nobre, mas é válida somente na medida em que está submissa às Escrituras Sagradas, que são muito mais antigas que Calvino. Queremos sim o resgate da Tradição, mas somente na medida em que ela é serva da Palavra de Deus.

Afinal, somos reformados, mas antes de tudo, somos cristãos.

Por que novos?
Todavia, os novos reformados não são meros reprodutores dessa rica tradição. A Bíblia é a mesma, a interpretação correta é imutável, mas a sua aplicação varia conforme o tempo, o país, a cultura e as características daqueles que a ouvem. E, por causa disso, sabemos que Deus nos chamou para responder aos desafios da nossa geração, de uma sociedade do século XXI. Sabemos que, embora antigo, o Evangelho sempre será vinho novo (Mateus 9:17).

Ser um novo reformado é reconhecer que a cultura e a sociedade do século XXI trazem os seus próprios desafios e acreditar que a Biblia tem uma resposta para o nosso tempo. É saber diferenciar o que é imutável (a doutrina) e o que pode ser mudado para tornar a Bíblia um livro compreensível aos que vivem nos dias de hoje. É buscar fazer a mesma coisa que o apóstolo Paulo fazia: achar pontes de contato entre a Bíblia e as pessoas, para fazer com que alguns se voltem para Deus (1 Coríntios 9:22).

De modo resumido, o pastor Mark Driscoll apontou quatro marcas que caracterizam esta nova postura:

- Teologia reformada;
- Relacionamentos complementares (e não igualitários) entre homens e mulheres;
- Ministério cheio do Espírito Santo;
- Prática missional.

O novo calvinismo não é uma ruptura com um "velho" calvinismo, mas sim a aplicação dos princípios da Reforma Protestante ao século XXI. Claro que há novidades. A prática missional, ou seja, a formatação de nossa vida e de nossas igrejas com o objetivo de levar Cristo a ser adorado por muitos, nos leva a rompermos com certos tradicionalismos. O propósito maior do Evangelho e a consciência do que realmente é santidade é que nos levam a aplaudir quem canta a soberania de Deus em um rap.
Shai Linne, usando o rap para glorificar a Deus

Ser um novo reformado é, na verdade, ser coerente com o ensino bíblico. É imitar a Jesus quando Ele questionava tradições sem sentido dos fariseus, como a exigência de lavar as mãos antes de comer. (Mateus 15:20). É confrontar os que se dizem reformados mas não são como Jesus, que comia com os publicanos e pecadores (Marcos 2:16). É deixar de lado a liturgia elaborada do culto no Templo e entender que a verdadeira adoração é em espírito e em verdade (João 4:22-24).

É novo porque ainda há um calvinismo "velho" que sonha com uma liturgia do século XVI, onde se criticam aqueles que louvam ao Senhor com "ritmos mundanos". Ainda há um calvinismo "velho" e sectário, que chama os pentecostais de apóstatas e os arminianos de hereges, embora eles professem crer em Jesus Cristo como Senhor e que Ele ressuscitou dos mortos (Rm 10:9).

O desafio
Contudo, o desafio dos novos reformados não é o de guerrear contra este velho calvinismo, mas sim o de servirmos à nossa geração. Por esta razão, dialogamos com outros cristãos, buscando juntar o que há de melhor na teologia reformada e nos movimentos de renovação espiritual, como faz John Piper, tentando unir Reforma e Carisma. Reconhecemos as heresias de movimentos como as igrejas emergentes, mas também aprendemos com eles formas de alcançar a nossa cultura. Temos a consciência de que o corpo de Cristo não se restringe aos seguidores da Confissão de Fé de Westminster.

Na verdade, não há nada de novo com os novos reformados. Eles estão apenas tentando fazer como Davi, que serviu ao Senhor e à sua própria geração. Somos como Paulo, que buscava formas de tornar o reino de Deus conhecido dos gregos e dos judeus, além de enfrentar as heresias e buscar a unidade de igrejas divididas em partidos. A única diferença é que buscamos fazer isso dentro do século XXI.

Que o Senhor nos ajude a alcançarmos este objetivo.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

P.S: Embora eu me identifique como novo calvinista, o 5Calvinistas não é um blog novo calvinista. Agradeço aos meus confrades por poder expor aqui meus pensamentos.

10 de março de 2011

Novo Calvinismo: uma onda que (ainda) não pegou

Ser calvinista (ou reformado) no Brasil é uma "cruz" das mais pesadas. Os evangélicos são minoria em um país católico. Os tradicionais são minoria em meio a evangélicos pentecostais. E os reformados são minoria no grupo dos tradicionais. Se há uma espécie em extinção religiosa no Brasil, com certeza é a dos seguidores de João Calvino.

Isto explica a imensa alegria com que foi recebida uma reportagem da revista Time, que apontou o novo calvinismo como um dos dez movimentos que podem mudar o mundo agora. A euforia foi tamanha que a reportagem foi citada em blogs conceituados, como o da editora Fiel e o O Tempora, O Mores. Se no Brasil os calvinistas são vistos como seres exóticos, nos Estados Unidos a teologia reformada mostrava a sua força e era reconhecida, inclusive pela sociedade secular.

No entanto, até aqui, o novo calvinismo ainda não disse a que veio. Pelo menos no Brasil.

Made in USA
O problema começa com a falta de divulgadores do novo calvinismo. Os maiores são a editora Tempo de Colheita e blogs como o Voltemos ao Evangelho e o iPródigo, que traduzem posts e vídeos de expoentes do movimento, como Paul Washer, Mark Driscoll e John Piper.
Mark Driscoll

É verdade que algumas editoras tradicionais (Cultura Cristã, Fiel, Shedd Publicações e Vida Nova) também têm publicado livros de destacados representantes do novo calvinismo, principalmente John Piper e Wayne Grudem. Mas é igualmente verdadeiro que o interesse é mais doutrinário do que eclesiológico. Ou, dito de outra forma, os novos calvinistas são publicados pelo que falam de "calvinista" e não pelo que tem de "novo".

Ou alguém imagina a Editora Fiel se juntando a Grudem, Driscoll e Piper na recusa deles ao cessacionismo? O mesmo pode ser dito da liturgia de Driscoll sendo endossada pelo Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. No Brasil, grosso modo, os novos calvinistas são enquadrados simplesmente como calvinistas.

O resultado é fácil de se prever: no Brasil, o novo calvinismo é muito mais uma curiosidade do que um movimento. Não há nenhuma igreja de grande porte ou pastor de projeção nacional que se assuma como novo calvinista. Não temos escritores nacionais que produzam literatura dentro dessa linha e a ampla maioria dos blogs dedica-se mais a traduzir os autores norte-americanos. O mesmo pode ser dito das editoras.

Em suma: no Brasil, se queremos saber o que é novo calvinismo, temos que olhar para os Estados Unidos.
Novo calvinismo não..."New calvinism"

Novo o quê?
Uma outra consequência é a de que o membro comum das igrejas e os pastores que não navegam com frequência na Internet nem sabem de que se trata o novo calvinismo. Na prática, a maioria das igrejas reformadas ainda não se enxerga como "missional" e prende-se às mesmas condutas litúrgicas e evangelísticas de sempre.

Na verdade, o que acontece é bem o contrário: há o ressurgimento de um "neopuritanismo", com a defesa de uma liturgia tão engessada que nem os hinos encontram lugar. Não é incomum ver blogs calvinistas rompendo o diálogo com outros ramos do protestantismo, alguns chamando pentecostais de apóstatas e outros tachando os arminianos de hereges. Evangelismo que é bom...

Só há uma conclusão óbvia quando se analisa o cenário brasileiro: a contextualização cultural do Evangelho só é possível nas igrejas emergentes. A coisa chega a tal ponto que a Mocidade Para Cristo recomendou a leitura do herético Brian McLaren no Treinamento de Líderes de Jovens e Adolescentes deste ano, deixando Driscoll de lado. Parece que o único caminho para se ter uma igreja cristã própria para o século XXI é cair na heresia. E líderes brasileiros que apontam neste sentido não faltam, como Ed René Kivitz, Ricardo Gondim, Caio Fábio...

Essa ignorância tem o seu preço. Embora o novo calvinismo não seja um movimento homogêneo, Driscoll aponta marcas que provam que há alternativas à igreja emergente:

- Teologia reformada;
- Relacionamentos complementares (homens e mulheres);
- Ministério cheio do Espírito Santo (continuísmo, rejeição ao cessacionismo);
- Prática missional.

Dito de outra forma, o novo calvinismo preserva o que é imutável (teologia reformada) e muda o que deve mudar. Pena que só você, que lê blogs na Internet, sabe disso. Agora, pergunte aos seus diáconos, presbíteros, às senhoras se elas sabem algo a respeito.

À procura de líderes
Penso que isso só vai mudar quando o novo calvinismo encontrar referenciais no Brasil, que pensem na igreja reformada brasileira do século XXI e estejam dispostos a levar esse pensamento para o dia-a-dia das igrejas locais. Particularmente, não creio que os expoentes do calvinismo tradicional se dediquem a esta tarefa por uma razão muito simples: eles não endossam o que há de "novo". É preciso que outros se disponham a isso.

Até lá, entendo que é preciso se libertar um pouco das traduções e começar a dar lugar a uma produção teológica nacional. Blogs como o Novo Calvinismo, o Filipe Niel, o Pensar... , o Cinco Solas ou o Guilherme de Carvalho precisam ser mais valorizados e conhecidos. Seria interessante ler mais textos de Josaías Cardoso no iPródigo ou autores nacionais no Voltemos ao Evangelho. 

E, claro, seria ótimo se pastores como Jeremias Pereira e Hernandes Dias Lopes se identificassem abertamente com as ideias do novo calvinismo. Seria ótimo se eles se juntassem a outros pastores, como Juan de Paula e Helder Nozima na defesa do que há de "novo" no calvinismo. Poderia ser o que falta para o novo calvinismo "pegar" no Brasil.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

9 de março de 2011

Justiça com as próprias mãos

Carnaval, feriado, época para aproveitar e fazer algo divertido. Como, por exemplo, reunir alguns amigos e ir passear de bicicleta em uma área verde. Nada como um exercício físico e o contato com a natureza para renovar o corpo e a saúde.

Carnaval, feriado, época ótima para não se fazer nada e deixar a mente vazia. Tempo bom para adolescentes terem ideias estúpidas, como roubar bicicletas. E, se o dono da bicicleta tentar reagir, não há Carnaval que impeça um menor de 14 anos de idade de atirar e matar quem já foi roubado.

A história acontecida ontem, dia 8 de março, em Brasília, por si só já seria trágica. Mas no Carnaval tudo pode acontecer...e piorar. Um grupo de populares viu o crime e resolveu fazer justiça com as próprias mãos. O menor assassino foi linchado e agora está internado no Hospital de Base, entre a vida e a morte.
Devemos ser como o Justiceiro, personagem de HQ da Marvel Comics?

Questões não respondidas
Fatos como este clamam por atenção em uma sociedade indiferente. Saber qual é a escola de samba campeã ou as últimas notícias dos blocos da Quarta de Cinzas chamam mais a atenção do que a violência de uma sociedade voltada para o prazer. Mesmo nas igrejas, a volta dos acampamentos, os "pós-retiros" e o clima de euforia espiritual abafam perguntas que o mundo faz e não encontra resposta.

Afinal, o que fazer diante de crimes bárbaros como esse, praticados por menores? A maioridade penal deve ser reduzida? Já que o Estado não faz nada, podemos fazer justiça com as próprias mãos? Onde devemos procurar as respostas?

A resposta dos cristãos é: na Bíblia. Lá encontraremos princípios que deveriam orientar a conduta ética e a formulação de políticas para atacar a criminalidade. Mas, infelizmente, a maioria dos cristãos já não sabe mais dizer qual o ensino bíblico sobre o assunto. É hora de rever alguns textos.

Com as próprias mãos, não!
E o primeiro princípio que devemos resgatar é o de que a Justiça Civil e Criminal é uma atribuição do Estado. Não cabe a nós fazermos justiça com as próprias mãos, prendendo, espancando e linchando criminosos, por piores que eles sejam. É o que ensina a Bíblia em Romanos 13:
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. (Romanos 13:1-4)
Segundo as Escrituras, a principal função de todos os governos é "louvar" os que fazem o bem e castigar os que praticam o mal. Mais do que redistribuir renda, dar educação e saúde de graça ou mesmo garantir aposentadoria, o que o Estado deve fazer é executar a Justiça. Os governantes são ministros vingadores de Deus para punir os malfeitores e criminosos.

O problema é que o Estado brasileiro fracassa nesta missão. Na verdade, o que vemos são autoridades flagradas na prática de crimes ou em situações, no mínimo, embaraçosas, como aconteceu com a deputada federal Jaqueline Roriz. Enquanto isso, juízes vivem com escolta armada, pois podem ser mortos a qualquer momento. Na verdade, parece que as autoridades brasileiras invertem o mandamento bíblico.

Só há uma forma de mudar isso: cobrando do Estado que faça a sua parte. As igrejas precisam conscientizar a sociedade que a Justiça e a Segurança Pública são as principais esferas de atuação estatal. Precisamos cobrar resultados e políticas eficazes dos candidatos e dos juízes, mais do que cobramos por educação ou saúde. Esse ensino precisa ser pregado nos púlpitos e ensinado nas escolas dominicais. Os alunos das escolas evangélicas devem aprender isso e levar essa temática aos pais. Assim, poderemos cobrar de quem tem a responsabilidade do julgamento.

Penas mais duras
Mas apenas julgar e prender não é suficiente. Se o crime é grave, como um homicídio, a pena deve ser pesada. E, ao contrário do que pensa a maioria dos evangélicos, a pena de morte é sim bíblica e deveria ser aplicada no século XXI.

Em Romanos 13:4, a Bíblia afirma que "não é sem motivo que ela traz a espada". As autoridades recebem de Deus o poder de matar pessoas, simbolizado na espada. Por meio desta arma letal, o ensino bíblico é o de que os governos podem manter exércitos, polícias e poderes capazes de matar os que fazem o mal. Se há julgamento justo, a pena de morte é sim válida.

Chocante não? Mas não para os apóstolos. O próprio Paulo disse que não se recusava a morrer, se houvesse cometido crime digno de morte:
Caso, pois, tenha eu praticado algum mal ou crime digno de morte, estou pronto para morrer; se, pelo contrário, não são verdadeiras as coisas de que me acusam, ninguém, para lhes ser agradável, pode entregar-me a eles. Apelo para César. (Atos 25:11)
A pena de morte também foi instituída por Deus antes da Lei de Moisés, nos dias de Noé. A antigüidade do mandamento é uma forte sugestão de que ele não deve ser observado apenas por crentes, mas por toda a humanidade:
Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem. (Gênesis 9:6)
Logo, engana-se quem pensa que a pena de morte é uma exigência apenas da Lei de Moisés. Ela é instituída por Senhor antes da Lei e é revalidada pelos apóstolos. Mais do que isso: é um instrumento pelo qual o Senhor ensina que os homens são a imagem de Deus. Por fim a esta imagem por meio do assassinato, como fez o adolescente de Brasília, é um crime passível de morte.

Hoje a Constituição impede que a pena de morte seja sequer discutida no Congresso Nacional. Contudo, os cristãos devem se levantar e questionar este ponto. Mais: devemos sim nos colocar do lado de penas mais severas para crimes contra a vida. Quem mata, tortura, estupra, quem atenta contra a imagem de Deus de modo violento, não deve ser beneficiado com liberdade condicional, progressão de pena e poucos anos de cadeia. E essa deve ser uma bandeira cristã.

Claro, se o homicídio foi acidental ou culposo, a pena de morte não deve ser aplicada. É o que a própria Bíblia ensina na Lei, quando fala das cidades de refúgio (Números 35:10-28). Os julgamentos, claro, devem ser justos e com amplo direito à defesa. Mas a pena de morte deve ser aplicada.

E a maioridade penal? Isso já é um assunto para um próximo post.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

7 de março de 2011

Chamados de modo irresistível

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30
Os que foram conhecidos de antemão e predestinados por Deus na eternidade, são chamados na história. Observe que os chamados são todos e somente aqueles que foram anteriormente conhecidos e predestinados. Isto aponta para um sentido da palavra chamados que vai além de mero convite.

De fato, nas epístolas, sempre que a palavra chamados ocorre é no sentido de uma chamada interior, poderosa, irresistível. Chamar nessa passagem deriva de kaleõ, que nas epístolas sempre denota "convocar, intimar", não apenas convidar externamente, mas tem o sentido de "chamar interna, eficiente e salvadoramente" (JFB). "O amor de Deus, que reina no coração daqueles que outrora foram inimigos, prova que eles foram chamados segundo o Seu propósito" (Mathew Henry).

Consideremos alguns aspectos desse chamado. Em primeiro lugar, Deus é quem nos chama. Não se trata de um mero convite humano, recheado de chantagem emocional, mas da convocação de um soberano: "Fiel é Deus, o qual os chamou à comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor" (1Co 1:9). Paulo foi "chamado para ser apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus" (1Co 1:1) e por isso reconhecia que "Deus me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça" (Gl 1:15). No chamado de Deus importa a vontade de Deus, e não do homem, pois todos os que o foram, "foram chamados de acordo com o seu propósito" (Rm 8:28).

Por ser um "chamado celestial" (Hb 3:1) e não terreno, é um chamado poderoso. Deus os "chamou para isso por meio de nosso evangelho" (2Ts 2:14), que "é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê" (Rm 1:16). "Para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus" (1Co 1:24). Experimentaram que não fosse uma chamada poderosa, ainda estariam chafurdando em seus pecados. Por isso se alegram em "anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (1Pe 2:9).

E é para se alegrar mesmo, especialmente quando consideramos o propósito para o qual fomos chamados. Para esta vida, o chamado implica renúncia e sofrimento. Os eleitos são "chamados para serem santos, juntamente com todos os que, em toda parte, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso" (1Co 1:2) e mesmo quando são afrontados lhes é ordenado que "não retribuam mal com mal nem insulto com insulto; pelo contrário, bendigam; pois para isso vocês foram chamados" (1Pe 3:9).

Mas a chamada não se resume a esta vida. "Cristo é o mediador de uma nova aliança para que os que são chamados recebam a promessa da herança eterna" (Hb 9:15). Paulo aconselhou Timóteo dizendo "tome posse da vida eterna, para a qual você foi chamado" (1Tm 6:10), pois de fato o Senhor nos "chamou para a sua glória eterna em Cristo Jesus" (1Pe 5:10). Para isso nosso Pai nos dá "todas as coisas de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude" (2Pe 1:3), "a fim de tomarem posse da glória de nosso Senhor Jesus Cristo" (2Ts 2:14).
Essa chamada é feita pelo "Deus de toda a graça" (1Pe 5:10), logo, é uma chamada graciosa, não baseada em características e capacidades humanas. Paulo se refere "a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios" (Rm 9:24). Os judeus tinham vantagem sobre os gentios? "Muita, em todos os sentidos! Principalmente porque aos judeus foram confiadas as palavras de Deus" (Rm 3:2). No entanto, isso não contou na chamada divina. Inteligência, poder, nobreza, tornam alguém mais habilitado a responder ao chamado? "Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento" (1Co 1:26). Se dependesse do homem, era de se esperar que alguns estivessem melhor qualificados que outros. Mas não, Deus "nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça" (2Tm 1:9).
Isso não significa que o homem não tem participação ativa na resposta ao chamado divino? De jeito nenhum. O homem responde com fé e arrependimento ao chamado interno do Espírito Santo. Mas a fé e o arrependimento com os quais respondem são dons de Deus, embora seu exercício seja do homem. Contudo, o fato de que ninguém que não seja chamado interiormente responda com fé, aliado ao fato de que somente os que são chamados sobrenaturalmente pelo Espírito o fazem, demonstra que o fator decisivo na chamada eficaz é a vontade de Deus e não o arbítrio do homem.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.