O desejo de relevância é legítimo, e está presente em muitos cristãos. Há quem deseje ser irrelevante, fechando-se cada vez mais e rejeitando a comunicação com a cultura, mas esses são grupos menores, provavelmente com prazo de validade e data de óbito definida.
O cristianismo busca ser relevante na medida em que pretende comunicar o evangelho com clareza, e, a partir dele, ser instrumento para a transformação de vidas - da igreja, da família, da sociedade, e da cultura. Não há pretensões de redenção do mundo, porque elas sempre acabam em um projeto megalomaníaco ou totalitário, mas há o desejo de produzir impacto no seu contexto.
Chamar atenção a qualquer custo tem seu preço |
A grande pergunta é: até onde estamos dispostos a ir em nome da relevância?
Os grandes barcos e navios precisam de âncoras em ordem, e os carros mais velozes precisam de freios ajustados. Da mesma forma, os projetos teológicos e eclesiásticos mais arrojados precisam de bons mecanismos de avaliação e retorno para o caso de possíveis desvios.
Quanto à relevância, é o momento de andarmos com o pé sobre o freio. O desejo de ser percebido ou de ser útil à cultura pode tomar proporções maiores do que o desejado, e assim o processo idolátrico se apresenta.
Ao colocar a relevância em um nível pouco acima do que deveria estar, o novo calvinista vai deixando em segundo plano as bases de sua fé, em busca dos modelos e técnicas de relevância cultural. Logo se terá algo completamente distinto do original "novo calvinismo" - um arremedo de teologia e igreja, que apenas busca seguidores e adesistas, não mais convertidos.
Deveríamos sempre nos lembrar das lições da história. No contexto da modernidade, o desejo dos liberais era o de tornar a igreja relevante à mente cooptada pelo iluminismo. Ao idolatrarem a relevância, descartaram os pressupostos bíblicos, e entraram em algo diferente do cristianismo.
Do mesmo modo, os novos calvinistas precisam ficar atentos e reavaliar suas motivações e práticas continuamente, para identificar se o desejo de relevância tem tomado proporções maiores do que deveria.
Questões fundamentais nesse processo são:
- O que está por trás do meu desejo de relevância? A glória de Cristo? A exibição do estilo de minha igreja? A demonstração de como o novo calvinismo é cool?
- Até onde estou disposto a ir para comunicar o evangelho?
- Quais os limites de minha contextualização?
- Quais os limites da minha linguagem?
- Quais os limites de transformações no culto?
- Quais os limites da mudança nas músicas?
- Quais os elementos inegociáveis em minha fé e prática?
- Tenho feito algo que deveria voltar atrás?
- O caminho que estou seguindo me levará a algum tipo de desvio na fé ou prática?
- Estou disposto a ser chamado de irrelevante, se isso significar permanecer fiel à Escritura?
Uma análise seguindo a linha das questões acima pode nos preservar de uma busca cega pela irrelevância. Antes de buscarmos o impacto na cultura, precisamos estar certos de que vivemos para glorificar a Deus.
5. A idolatria dos jovens
Nosso tempo idolatra os jovens. Nelson Rodrigues, ainda nas décadas de 60 e 70 já falava que a "idade da razão" deu lugar à "razão da idade". Ele criticava o fato de alguém estar a priori correto, apenas por ser jovem. Não é difícil perceber o fenômeno - os jovens movimentam maior fatia do mercado, determinam a programação geral da televisão e demais meios de comunicação e influenciam a opinião pública. Os idosos querem ser ou parecer jovens - por meio de cirurgias, ou por meio da ridícula expressão "tenho espírito jovem". As igrejas caminham com a cultura e criaram a figura do pastor de jovens, e assim a ditadura da juventude vai se perpetrando.
A possibilidade é de novos calvinistas, que nascem nesse contexto de idolatria da idade, não questionarem o ponto. Sem refletir adequadamente, tendem a repetir o modelo, com um ministério absurdamente anti-idosos ou outras faixas etárias.
Isso pode se manifestar de várias formas:
- As músicas adotadas são rápidas demais, com ritmos explosivos, volume alto, e tudo o que alguém mais velho não consegue assimilar tão rapidamente;
- A utilização de tecnologias e cores torna o ambiente quase insuportável para quem lidava apenas com uma abordagem simples do ambiente de culto;
- As pessoas que servem parecem modelos, malhadores, etc., e assim os que possuem maior idade não têm qualquer identificação ao aparecerem em suas reuniões;
- A velocidade e dinâmica do culto e das programações é de difícil assimilação por parte daqueles que vêem o mundo em outra perspectiva e não estão na era da internet;
- O linguajar dos líderes é carregado de gírias e expressões não inteligíveis pelos de maior idade.
Quão bíblico é desprezar outras faixas etárias? |
Várias questões precisam ser pensadas a partir daí. Uma delas é que, eventualmente, estes jovens formarão família, e crianças aparecerão no contexto da igreja. Os pequeninos não poderão ser ignorados, sob pena de o novo calvinismo ter apenas uma geração de vida. Outro ponto é que os jovens também envelhecerão. Ou (1) eles ficarão velhos e tolos, tentando manter o pique da juventude, ou (2) sairão da igreja [e do movimento], percebendo que não há lugar para idosos no novo calvinismo.
As consequências disso são terríveis. Os jovens ficam privados da sabedoria dos mais velhos quando se fecham em um grupo tão homogêneo, e perdem a oportunidade de edificar e abençoar as gerações mais novas. As crianças precisam de adolescentes que lhes sejam exemplos. Os adolescentes precisam de jovens que os discipulem. Os jovens precisam de adultos que lhes sejam conselheiros. E os adultos precisam do acompanhamento de pessoas mais velhas.
A igreja é uma comunidade ampla de santos - de toda as cores, estilos, times de futebol e idades. Idolatrar uma faixa etária é empobrecer o movimento, e decretar a sua falência.
Conclusão: Sabedoria na auto-crítica
A proposta desse artigo é de levantar a auto-crítica sobre os novos calvinistas que se formam no Brasil. Enquanto o movimento busca articulação e definições, é importante estar consciente dos riscos que o cercam, bem como pensar e repensar suas práticas, convicções e motivações à luz do bom senso, e da Palavra de Deus.
Quem rejeita a crítica se afunda num deserto de tolice. Quem a recebe e a considera - ainda que para descartar posteriormente, é mais passível de ter atitudes bem pensadas e coerentes.
Que Deus abençoe os novos calvinistas, e nos livre da idolatria.