26 de novembro de 2009

Que é o calvinismo? [3]

3. O calvinismo é uma forma de ver Deus

As últimas três proposições poderiam tranqüilamente ser conjugadas em uma frase: “O calvinismo é uma forma de ver Deus, o homem, e o mundo”. Para efeitos de uma análise mais cautelosa, contudo, é razoável tratar os três itens separadamente.

O calvinismo é uma forma de ver Deus. Há uma perspectiva própria a respeito da Divindade entre aqueles que pensam a partir da visão reformada. Os atributos – as qualidades – que a Escritura confere ao Senhor, são profundamente considerados e percebidos em sua extensão e implicações.

O calvinista compreende que não é possível limitar o Criador diante das criaturas, por isso as Suas características sempre determinam o tom da relação entre ambos. Trocando em miúdos: o amor de Deus não depende dos seres amados, a graça Divina não depende dos agraciados, e assim por diante.

Muitas expressões dentro do ramo evangélico buscam reduzir a visão sobre Deus diante da necessidade de valorizar o homem. Há quem fale do amor do Pai pela humanidade com base na “beleza” do ser humano – ou pior: na “inocência”. Há quem decida analisar a justiça de Deus a partir das suas impressões sobre o que é correto.

Essas manifestações resultam em alguma perda no relacionamento com o Senhor. Quando a justiça de Deus é avaliada conforme as impressões humanas, por exemplo, é questionada a idéia de que Deus pode abençoar a alguns e não a outros.

Seguindo esta linha, o Criador tem Seu poder de atuação e Seu caráter “restringido”pelas criaturas. Para o calvinismo, porém, não cabe ao ser criado avaliar o Senhor. A ele, basta reconhecer quem Deus é com base na Escritura. Se a Bíblia afirma a justiça de Deus, e apresenta a verdade de que Ele abençoa a uns e não a outros, o reformado aceita esta apresentação como legítima, e vê nisto mais uma motivação para adorar ao Todo-Poderoso.

Qualidades como a Soberania, a Majestade, a Justiça e o Amor, são melhor compreendidas em um sistema que permita tais atributos “falarem por si". O calvinismo é esta perspectiva.

As implicações disto para a práxis reformada são incontáveis. Se existe uma percepção de um “Deus ilimitado”, então Ele tem a autoridade absoluta sobre o todo da vida humana. Se a soberania de Deus é considerada com verdadeira seriedade, sem restrições, então cabe ao calvinista viver em obediência e submissão ao Deus soberano. Se o controle absoluto do Pai sobre o universo é percebido em sua inteireza, então o reformado confiará na Providência, e reconhecerá que nada acontece fora dos planos Divinos.

Como conseqüência desta perspectiva, existe verdadeiro incentivo à evangelização, à santidade, e à adoração.

O calvinista exalta um Deus verdadeiramente digno de ser exaltado. Ele adora o Senhor de todas as coisas. Prostra-se diante daquele Ser reconhecido pela natureza inanimada (Sl.19).

Existe um Deus com “d” maiúsculo no calvinismo.

Quer ler mais sobre esta proposição?
CALVINO, João. A instituição da religião cristã, tomo 1, livros I e II. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
SPROUL, R. C. A invisível mão de Deus: todas as coisas realmente cooperam para o bem? 2. ed. São Paulo: Bompastor, 2006.
HORTON, Michael S. Creio: redescobrindo o alicerce espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. p. 25-50.
BOICE, James Montgomery. O evangelho da graça: a aventura de restaurar a vitalidade da igreja com as doutrinas bíblicas que abalaram o mundo. São Paulo: cultura cristã, 2003.p.143-162.
MACHEN, J. Grescham. Cristianismo e Liberalismo. São Paulo: Os Puritanos, 2001. p.61-74.
PACKER, J. I. Vocábulos de Deus. São José dos Campos: Fiel, 1994. p.39-50.
PIPER, John. Teologia da Alegria: a plenitude da satisfação em Deus. São Paulo: Shedd Publicações, 2001. p.20-39.


Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve às quintas-feiras no 5 calvinistas.

5 comentários:

  1. Já dizia o pastor batista Charles Haddon Spurgeon:

    "Eu pessoalmente acredito que não seja possível pregar a Cristo e Ele crucificado, a menos que estejamos pregando o que hoje é conhecido como Calvinismo. O Calvinismo é apenas um apelido; o Calvinismo é o evangelho e nada mais".

    ResponderExcluir
  2. Sei que há um necessidade no Calvinismo de dar explicações sobre a "predestinação", por outro lado acho uma covardia, a associação de que "calvinismo" se restringe a este elemento. O "Calvinismo" enquanto "apelido para o evangelho" segundo Spurgeon, poderia ser sintetizado por "soberania".

    Somente alguém que crê na total soberania de Deus, pode dar graças totalmente.

    ResponderExcluir
  3. Caros,
    Realmente o calvinismo é visto quase que universalmente por não-calvinistas como uma caricatura resumida na predestinação. Ou às vezes ampliada aos cinco pontos.

    Vale repetir algo que eu disse em outra postagem:

    O Calvinismo não pode ser resumido aos Cinco Pontos. E, talvez, a doutrina de maior relevância deste sistema teológico seja a da soberania de Deus. Um outro símbolo das Igrejas Reformadas, a Confissão de Fé de Westminster, assim afirma a sua crença na providência divina:

    "Pela mui sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho de sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor de sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, todas as ações delas e todas as coisas, desde a maior até a menor".

    Ou ainda, de acordo com a Confissão Belga:

    "Cremos que o bom Deus, depois de ter criado todas as coisas, não as abandonou, nem as entregou ao acaso ou à sorte, mas as dirige e governa conforme sua santa vontade e de tal maneira que neste mundo nada acontece sem sua determinação".

    O próprio Calvino, nas Institutas, argumenta que não há qualquer acaso ou qualquer outro poder que esteja agindo no mundo criado. É Deus mesmo, em sua onipotência e de acordo com o conselho de Sua vontade, que mantém e governa a ordem criada de forma vigilante, eficaz e sempre ativa, de tal forma que nada ocorre sem que ele o tenha decretado.

    O Calvinismo sustenta a fé no poder infinito de Deus para fazer cumprir os Seus desígnios, que são sábios, justos e bons, de acordo com a própria natureza do Todo Poderoso. É esta forte e inabalável fé que caracteriza todo o pensamento calvinista. É esta doutrina da soberania do Deus Criador sobre todo o mundo criado que é a base e a fonte de outras doutrinas. O centro nevrálgico do sistema teológico calvinista é, portanto, a soberania de Deus, não a predestinação, como é comum se afirmar, e todo o corpo doutrinário calvinista deve ser interpretado a partir desta premissa. E, por fim e inevitavelmente, os desígnios divinos resultam em glória e louvor ao próprio Criador. Por isso, o hino calvinista de louvor a Deus é:

    "Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos! Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense? Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém" (Rm 11.33-36).

    NEle,
    Roberto

    ResponderExcluir
  4. Belíssima reflexão! Exatamente isso. Penso que o esforço do calvinismo escolástico, foi necessário em seu tempo. Porém, arminianos comumente retro-alimentam o estigma, ofuscando o que há de mais precioso na doutrina calvinista.

    ResponderExcluir
  5. Eu concordo plenamente com o articulista e com o Roberto: o calvinismo apenas reconhece o óbvio que consta das Escrituras, a plena soberania de Deus. Como restringir a soberania de um Deus que tudo criou, inclusive o HOMEM e todo o universo?

    Obrigatoriamente temos que voltar a Romanos 9: Como discutir com o Criador? Para fazer uma analogia simplista, "pode uma cadeira discutir com o marceneiro que a construiu? Porventura não é a própria vontade do construtor que determina a sua forma, utilidade e destino?

    O terrível erro arminiano é não considerar a premissa de que o Eterno é verdadeiramente soberano e não depende de suas criaturas para coisa alguma, até mesmo para destiná-las para a salvação ou perdição eternas.

    Deus não pode ser "meio soberano", como querem os arminianos. Ele é soberano ou não é. Logo, é Deus ou não é.

    A pergunta que teima em aflorar: será que o deus dos arminianos é de fato Deus? Quem irá me responder?

    Em Cristo.

    Ricardo

    ResponderExcluir

Sua opinião sobre este post é muito importante. Para boa ordem, os comentários são moderados e somente são publicados os que forem assinados e não forem ofensivos, lembrando que discordar não é ofensa.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.