6 de março de 2012

Que será dos que nunca ouviram? Uma breve confissão

Esse é um assunto que sempre me incomodou bastante, a saber, o destino eterno daqueles que nunca ouviram falar de Cristo. Deixando de lado se os tais ainda existem hoje (particularmente, penso que haja) e outras questões parecidas, bem como as várias perspectivas sobre o assunto, vou logo resumir a minha posição: todos os eleitos, fatalmente, ouvirão acerca de Cristo por meio da pregação da Sua Palavra. Nem todos os que ouvem são eleitos, obviamente, mas todos os eleitos ouvirão. Ainda que digamos que cabe somente a Deus julgar tais pessoas, não somos autorizados, pelas Escrituras, a pensar que poderá ser salvo quem nunca ouviu de acerca de Cristo, uma vez que "a fé vem pelo ouvir" (Rm 10.17), sendo esta mesma fé um dom de Deus exclusivamente para os Seus eleitos (cf. Tt 1.1). Estes, por sua vez, vem a Cristo pela pregação (cf. 2 Ts 2.13, 14).


Há de se questionar em que consiste essa "pregação". De pronto, rejeito a perspectiva segundo a qual a revelação geral (criação, cultura, moralidade, etc.) é suficiente para a salvação, pois, se assim fosse, a fé em Cristo seria necessária apenas para alguns (sinceramente, não creio na revelação geral nem como meio salvífico extraordinário). Nesse quesito, penso em Cornélio, centurião romano sobre o qual se diz ter sido "piedoso e temente a Deus" (At 10.2), mas que precisou ouvir explicitamente acerca de Cristo por intermédio do apóstolo Pedro para ser salvo (ver todo o capítulo 10 de Atos). Rejeito, também, a noção segundo a qual a pregação pode ser entendida como o exemplo de vida dos cristãos ("conversão pelo exemplo", tão propagada pelos pietistas e místicos medievais), pois nossas vidas não podem ser melhores do que a pregação viva da Palavra de Deus.


Há, ainda, um equívoco a ser corrigido, e este tem a ver com a relação entre Decreto e Providência. Novamente citando o caso de Cornélio (somente para não citar todos os eleitos), não podemos dizer que ele já era salvo antes de ouvir a Palavra. Pelo decreto, sim, ele já constava entre os eleitos, mas não pela Providência, haja visto não ter chegado ainda o tempo da concretização do decreto. E o que é a Providência, senão os meios que Deus usa para alcançar aquilo que Ele decretou? Nesse caso, Cornélio precisou, na História, ouvir a Palavra, sendo regenerado pelo Espírito para que pudesse, então, crer e ser salvo.


Assim sendo, creio ser a pregação o meio providencial responsável por infundir fé no coração do eleito. Só a pregação? Bem, como já falei acima, se há exceções elas não são especificadas pelas Escrituras, pelo que me reservo ao direito de me ater apenas àquilo que nos é afirmado pela Revelação como regra, em vez de especular sobre a exceção. E me valho, aqui, do pertinente comentário de Calvino a Romanos 10.14 (..."e como ouvirão, se não há quem pregue?"). Ele diz que "o que Paulo está descrevendo aqui é somente a palavra pregada, pois este e o modo normal que o Senhor designou para comunicar sua Palavra. E se se argumenta, à luz desse fato, que Deus não pode dar-se a conhecer entre os homens só por meio da pregação, então negaremos que isto era o que o apóstolo pretendia transmitir. Ele estava transferindo somente a ordinária dispensação divina, e não pretendia escrever uma lei à sua graça" (ênfase minha). E me é muito claro, ainda na Escritura, que Deus sempre envia Seus arautos para os lugares em que há eleitos Seus para serem alcançados (cf. At 18.10; 13.48; Jonas e os ninivitas, etc.). Novamente citando o reformador francês (agora em seu comentário a Romanos 10.15 - "e como pregarão se não forem enviados"), "quando alguma nação é agraciada com a pregação do evangelho, tal fato é uma garantia do amor divino".


Por último, não penso que este seja o típico assunto que deva ser relegado apressadamente ao "mistério", como se as provas bíblicas acerca dele fossem insuficientes ou inexistentes. O máximo que posso dizer quanto aos que nunca ouviram é que cada um será julgado de acordo com a resposta que deu à luz que teve, mas não para uma possível absolvição. Para o quê, então? Bem, embora eu tenda a crer aqui em possíveis níveis de sofrimento no inferno (cf. passagens como Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.17), prefiro não arriscar ir além daquilo sobre o que a Escritura não lança senão faíscas.


Soli Deo Gloria!


 

3 comentários:

  1. Com a sua licença, venho estragar seu post :P

    "De pronto, rejeito a perspectiva segundo a qual a revelação geral (criação, cultura, moralidade, etc.) é suficiente para a salvação..."

    Interessante esse aspecto, porque a criação (Rm 1.20) e o padrão moral (Rm 2.14, 15) não são suficientes para a salvação, mas são suficientes para a condenação, afinal, todos já nascemos pecadores (Rm 3.23). O que tu achas?

    Se possível, queria que explicasse a passagem de Lc 20.17, quanto aos níveis de sofrimento no inferno.

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  2. Olá, Weider!

    Estragar que nada, rapaz. Suas questões foram pertinentes. Vamos a elas.

    1) Sim, a revelação geral é suficiente para a condenação, mas não para a salvação. O fato é que, por conta do pecado, a mente humana já não é mais capaz de discernir a vontade de Deus baseando-se somente na revelação geral. É exatamente essa a argumentação de Paulo em Romanos 1.18-32. Os homens "detém a verdade pela injustiça" (v. 18) porque suas mentes estão nulas para glorificar a Deus, pois seus corações já se encontram num estado de total obscuridade e insensatez para tal (v. 21). E é exatamente por isso que, quando o homem cai, Deus lhe revela a necessidade de Cristo (revelação especial), o "descendente" da mulher que, mediante sua obra (e obras) perfeita(s), esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Sem o conhecimento de Cristo, pois, não haveria possibilidade de escape para o homem. Sem Cristo, o melhor que podemos oferecer para Deus não passa de "trapo da imundícia" (Is 64.6).

    Assim, a revelação geral está aí para, além de proclamar a glória de Deus e anunciar as obras de suas mãos (Sl 19.1), avisar ao homem que este não poderá dar a desculpa de que não sabia da existência de Deus quando for inquirido pelo Juiz de toda a terra naquele grande Dia.

    2) Não entendi direito a associação entre Lc 20.17 e os possíveis níveis de sofrimento no inferno, senão no sentido em que todos os que rejeitam a Cristo hão de perecer. Você poderia ser mais específico?

    Grande abraço!

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    Respostas
    1. Realmente, quanto a primeira questão, somente por Cristo obtemos a salvação de nossas almas. Ninguém vai ao Pai senão por Ele (Jo 14.6).

      E quanto à Lc 20.17, eu entendi que no post tu estavas associando o versículo com os níveis de sofrimento no inferno, mas, é verdade, a parábola é bem clara quanto ao fim dos que rejeitaram a "principal pedra".

      Bruno, muito obrigado pelas tuas considerações.

      Abração, meu querido!

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