1 de novembro de 2018

A Reforma que o Brasil precisa: Tota Scriptura

Outubro já passou, por que ainda falar em Reforma? Bom, nunca é tarde demais para tocar no assunto, como diz o lema: "Igreja reformada, sempre se reformando". Infelizmente, porém, o lema tem sido mal aplicado no Brasil. As igrejas evangélicas brasileiras parecem aquelas senhoras que fizeram tantas cirurgias plásticas que desfiguraram seu próprio rosto. São tantas reformas: na liturgia, no nome, no marketing, na abordagem evangelística...mas a verdadeira Reforma, que é o retorno à Palavra de Deus, essa parece sempre ficar para depois.

E, de todas as reformas plásticas feitas no rosto das igrejas evangélicas brasileiras, a mais assustadora de todas é a doutrinária. E eu não falo aqui da Teologia da Prosperidade. Falo de uma "reforma"mais sutil, disfarçada de pregação do Evangelho da graça, mas que esconde uma heresia por trás: o marcionismo. Usando o Sola Gratia e o Solus Christus como disfarce, muitos pastores em igrejas históricas tem desprezado completamente o ensino do Antigo Testamento, assim como o herege Marcião descartou o Antigo Testamento no século II. Quando pastores verdadeiramente reformados resgatam princípios do Antigo Testamento para aplicá-los de modo cristológico nos dias de hoje, eles logo são acusados de judaizantes e legalistas. Bem, em resposta, afirmo: a Reforma não é apenas os cinco Solas. Ela também é o ensino do Tota Scriptura. E rejeitar o Tota é abraçar a heresia do que chamo "neomarcionismo".

A utilidade do Antigo Testamento
Em primeiro lugar, é preciso aprender a importância do Antigo Testamento nos dias de hoje. Com a vinda de Jesus e o derramar do Espírito Santo, uma nova aliança ou testamento teve início. A Lei passou a ser lida de uma forma diferente, com as lentes oferecidas pelo Novo Testamento. Mas ler com uma nova lente não significa que eu não preciso mais ler. Como diz a própria Bíblia:
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2 Timóteo 3:16-17)
Quando Paulo fala de "Toda a Escritura", as Escrituras que ele tinha em mãos eram o Antigo Testamento. Os Evangelhos não haviam sido todos escritos ainda, o Apocalipse sequer fora revelado, e as cartas dos apóstolos ainda não haviam sido compiladas em um Novo Testamento. Tudo o que Paulo fala nos dois versículos supracitados aplica-se, de modo mais direto, ao Antigo Testamento. Aplica-se a Moisés e a todos os Profetas.

Enquanto, em nome da graça, pastores dizem que não devemos ir até Moisés, Paulo estava usando Moisés e os Profetas para ensinar, repreender, corrigir e educar na justiça. Paulo estava afirmando a inspiração divina de livros como Levítico. Mais: ele aconselhava Timóteo a permanecer usando esses livros, para que o homem de Deus fosse perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.

O dever de anunciar o Antigo Testamento
Em segundo lugar, além de ser útil, é um dever ensinar o Antigo Testamento. Erramos quando pensamos que nós, que vivemos no tempo da graça, temos a opção de ignorar 39 dos 66 livros da Bíblia em nossa leitura individual. Erramos quando pensamos que nossos pastores e professores de Escola Bíblica Dominical podem descartar a Lei e os Profetas de seu ensino. Deixar de fazê-lo é deixar que as mãos de mestres e pastores estejam sujas de sangue:
Portanto, eu vos protesto, no dia de hoje, que estou limpo do sangue de todos; porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus. (Atos 20:26-27)
Quando Paulo fala de todo o "desígnio" de Deus, a palavra usada é boule, que tem o sentido de "conselho, propósito". O texto tem sido entendido como uma declaração paulina de que o apóstolo ensinou toda a Palavra de Deus à igreja de Éfeso. Isso faz muito sentido. Uma vez que Deus fala por meio da Bíblia, a única maneira de expor todo o seu propósito é explorando todo o seu conteúdo.

Isso não significa que Paulo fez uma exposição de todo o Antigo Testamento versículo por versículo em Éfeso ou em qualquer igreja. Mas que toda a mensagem bíblica, todos os temas contidos em toda a Lei e os Profetas foram ensinados por ele em seu ministério. Paulo não era um especialista que falava somente do profeta Isaías, por exemplo. A Bíblia toda era o seu ensino.

O caminho que leva a Jesus Cristo
Mas há um terceiro e último motivo que quero colocar aqui para defender porque Moisés não deve ser retirado dos púlpitos cristãos. Repare em Atos 20:26. Paulo afirma que estava limpo do sangue de todos, porque ensinou todo o desígnio de Deus. Por que limpo do sangue? Porque, ao ensinar toda a Escritura, Paulo ensinou tudo o que era preciso para que os efésios cressem em Jesus e vivessem segundo o desejo d'Ele. Em outras palavras, Moisés nos leva a Cristo.

Quem ensina isso é o próprio Senhor Jesus. O problema nunca esteve na Lei e nos Profetas, mas sim na maneira como lemos. Se lermos o Antigo Testamento corretamente, veremos que a mensagem dele é Cristo! Jesus mesmo prova isso quando conversa com dois discípulos no caminho de Emaús:
Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!  Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras. (Lucas 24:25-27)
Jesus não é a revogação da Lei, mas sim o seu cumprimento:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. (Mateus 5:17-18)
A Lei não é contrária a Cristo! O problema da Lei não é a sua existência. O que o Novo Testamento combate é a ideia de que podemos ser salvos por meio das obras da Lei. Contudo, se a Lei for vista de modo correto, sem ser como caminho de salvação, ela é boa. Ela é uma espécie de pedagogo que leva até Cristo Jesus:
É, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum! Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente de lei.  Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem. Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de revelar-se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio.(Gálatas 3:21-25)
A Lei não é uma inimiga do Evangelho. Ela não se coloca como uma alternativa a ele. Usada de modo correto, a Lei conduz a Cristo. Como? Nos convencendo de nossos pecados. Não há arrependimento e graça sem que, antes, sintamos a condenação da Lei aos nossos pecados. Enquanto não formos convencidos de que não somos justos e de que necessitamos de um Salvador, nunca imploraremos a misericórdia de Cristo. E, sem isso, não seremos salvos.

Um retorno ao Tota Scriptura
Ainda haveria mais motivos para serem explorados, mas o espaço e o hábito limitam-me a listar apenas os três acima. Jesus nunca quis que sua vinda e a pregação de Seu nome fossem pretextos para jogar fora Moisés e os Profetas. O que Ele espera é que nós o imitemos, e aprendamos a encontrar tudo o que é dito sobre Cristo em todo o Antigo Testamento.

Certamente isso não é fácil. Mas viver de modo completo nunca o foi. Ter uma dieta completa envolve variedade e o trabalho de cozinhar e preparar o que não parece saboroso. Uma vida equilibrada não é aquela dedicada somente ao lado espiritual, negligenciando o convívio com o próximo ou os cuidados com a saúde. É preciso enfrentar aquilo que parece difícil ou até indesejado.

O mesmo ocorre com as Escrituras. Uma Igreja verdadeiramente bíblica e reformada precisa passar por aqueles livros difíceis de entender e até de ler. Precisa aprender a buscar a Cristo em histórias que, em um primeiro momento, não parecem nada cristãs. Mas não temos o direito de fingir que elas não existem.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

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