14 de novembro de 2009

Sobre os supostos textos “arminianos” da Bíblia [0] – Questões Introdutórias

Antes de adentrar nas “questões introdutórias” propriamente ditas, gostaria de esclarecer algumas coisas sobre os motivos que me levaram (na realidade, que estão me levando) a escrever essa série. Tenho visto que nos últimos anos a internet, especialmente a blogosfera, tem se tornado o espaço preferido para as mais efusivas discussões (talvez porque dispense o “constrangimento” de uma acareação). “A arena está montada e só se digladia quem tem pulso!” – é mais ou menos este o discurso que paira implícito (e explícito, por vezes) em alguns ciberespaços. No entanto, percebo que pouco do que se diz tem sido realmente proveitoso ou produtivo. Na maioria das vezes esse pretenso “pulso” não tem se mostrado como firmeza na Verdade por Deus revelada, e sim, como firmeza no próprio “pulso” carnal – nas especulações vãs e irracionais da mente humana decaída, de modo que o foco na edificação mútua e no compartilhamento da “fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3) tem sido paulatinamente perdido. Contudo, isso não quer dizer que um “caloroso” debate seja ruim, e vou tentar explicar o porquê.

[Adentrando nas “questões introdutórias” – uma defesa da relevância da discussão]

Algum tempo atrás me envolvi num debate sobre a doutrina da perseverança dos santos, no blog de um famoso e influente pastor pentecostal (preciso citar quem foi?), que respondia com um “sim” à seguinte pergunta: “É possível perder a salvação, se ela nos foi concedida pela graça de Deus”? Na oportunidade, fiz alguns comentários (uns publicados, outros não, sei lá por que) pertinentes ao assunto, no intuito de apresentar as razões bíblicas pelas quais o parecer do referido pastor era inconsistente. O pastor em questão também apresentou mais alguns textos bíblicos para dar suporte ao seu ponto de vista, e o resultado foi que a discussão ficou “inacabada”, pois resolvi sair dela, o que foi interpretado por alguns seguidores do blogueiro anfitrião como um “pedido de arrego” de minha parte. Recentemente meus amigos blogueiros Clóvis e Helder Nozima (do Cinco Solas e do Reforma e Carisma, respectivamente) se envolveram num debate intenso com o Prof. Leandro Quadros, do programa de televisão e site adventista Na Mira da Verdade. Na ocasião, o pivô da discussão foi a doutrina da predestinação, na qual o referido professor mirou, mas errou (acho que por problemas de vista), embora tenha apresentado uma “enorme” lista de 48 textos (na realidade foram 56) que, segundo ele, “mostram ser possível o predestinado se perder”, o que “leva qualquer leitor a concluir que o calvinismo carece – e MUITO – de base bíblica”.

Diante de exemplos como os supracitados, paira no ar a seguinte pergunta: já que cada um usa a Bíblia para apoiar seu próprio ponto de vista, e como muitas das vezes o uso que elas fazem do texto sagrado parece ser coerente, quando é, então, que uma discussão sobre certos assuntos é relevante? Não seria essa uma “guerrinha de egos” somente para definir quem está com a razão?

Devo admitir que, de fato, na maioria dos casos as discussões tem se transformado mesmo em disputas puramente egocêntricas, onde a humildade é esquecida em prol do afã de se ganhar a disputa (inclusive este que vos escreve já agiu assim, por algumas vezes). Nesse caso, o debate, ainda que seja sobre um tema de extrema relevância, tornar-se-á não apenas inútil, mas, também, nocivo. Porém, creio que há uma “possibilidade de redenção” para a necessidade de se debater. Eu diria que isso se dá apenas quando ambas as partes se dispõem a se submeterem à Verdade. E aqui é bom que se diga que a Verdade é uma só. ABRE PARÊNTESE. Sei que essa minha declaração pode soar deveras soberba e exclusivista (além de “suspeita”), mas, sinceramente, não estou nem um pouco preocupado com isso, contanto que minhas assertivas estejam respaldadas pela Verdade contida na Palavra. FECHA PARÊNTESE.

[Chegando mais perto…]

Muitos são os textos que os arminianos (ainda que alguns deles não gostem de ser chamados assim, pois preferem ser chamados de “bíblicos”, ou “equilibrados”) usam para tentar legitimar suas doutrinas e pareceres sobre certos assuntos em que divergem da teologia reformada. Essa divergência geralmente dá-se em virtude da soteriologia calvinista, resumida em cinco pontos pelos seus próprios oponentes arminianos (para um breve resumo histórico, clique aqui). O famoso acróstico TULIP os resume: Total depravação, Uma eleição incondicional (Predestinação), Limitada expiação, Irresistível graça e Perseverança dos santos. Ainda que nós, reformados, saibamos perfeitamente que o calvinismo é muito mais do que soteriologia, devemos admitir que a doutrina da salvação é realmente o ponto nevrálgico dessa disputa.

Quanto a este último particular, há quem diga que uma leitura ipso facto da Bíblia favorece mesmo a algumas das interpretações que os arminianos advogam como verdadeiras. Talvez seja esse um dos principais motivos pelos quais o arminianismo seja mais palatável à maioria dos cristãos de hoje. Ora, se Paulo mesmo fala que Deus “deseja que todos os homens cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4), e que Jesus “a si mesmo se deu em resgate por todos” (1Tm 2.6), os arminianos não estão porventura corretos quando afirmam que a morte de Jesus foi para salvar a toda a humanidade, e não apenas aos eleitos? Não é de fato esta a primeira impressão que se tem quando se depara com um texto tão “claro” como esse?

Bem, a discussão relativa ao referido texto propriamente dito, bem como tudo o que envolve sua exegese, ficará para as próximas postagens (que não será necessariamente a próxima). Nesse momento basta dizer apenas que o grande problema da visão arminiana é, primariamente, um problema de referência. Sem medo de parecer arrogante ou coisa que o valha, afirmo, sem meias palavras, que o sistema arminiano (ou qualquer outro que procure limitar Deus em Seus atributos) é puramente humanista em seu âmago, visto que o homem, e não Deus, é sempre tomado como o ponto de partida nas discussões. E, ainda que vários textos da Bíblia sejam usados para apoiar seus argumentos, os mesmos mostrar-se-ão completamente falsos se o referencial certo (ou seja, o próprio Deus) não for devidamente considerado. Este ponto é de crucial importância para qualquer tipo de abordagem que se queira fazer envolvendo as verdades eternas.

[Um testemunho]

A esta altura considero ser oportuno comentar algo. Penso que boa parte dos reformados, na qual me incluo, já se sentiu profundamente inquieta diante de textos como os supracitados quando iniciaram sua jornada pelas Antigas Doutrinas da Graça (das quais o calvinismo é apenas um “apelido”, digamos). Como nem sempre assimilamos tudo de uma vez só, creio que muitos de nós já questionamos até mesmo a validade da perspectiva que resolvemos abraçar. Eu, particularmente, não abracei todos os cinco pontos logo de imediato, mas a posteriori (a “conta-gotas”, digamos). Resisti por um tempo à doutrina da predestinação, que é tida (erroneamente) como o coração do calvinismo. Mas depois de muito meditar na Palavra percebi que, se Deus não predestinasse, ninguém poderia ser chamado eficazmente pelo Espírito, nem justificado dos seus pecados, o que significa que ninguém jamais seria glorificado naquele glorioso Dia (cf. o silogismo paulino em Rm 8.30). Mas não foi o medo de ser tachado como um “calvinista manco” (de quatro pés, ou melhor, pontos) ou coisa do tipo que me fez acatar a doutrina da predestinação. Eu o fiz simplesmente por perceber uma unidade intrínseca entre cada ponto, bem como a interdependência deles entre si. E foi pensando nessas questões que me decidi a escrever sobre o que fazer com aqueles textos supostamente “arminianos” da Bíblia.

[Considerações finais]

Em princípio, meu objetivo é analisar apenas os textos que os arminianos usam como “provas irrefutáveis da falácia calvinista”, mas não prometo que será sempre assim. Paralelo aos textos que os arminianos pervertem, pode ser que eu coloque outros textos, apelando para o princípio hermenêutico de que a Bíblia se auto-interpreta. Na medida do possível também pretendo expor algumas das falácias hermenêuticas e exegéticas mais comuns em nosso meio (acadêmico, clerical ou leigo), mas somente o farei quando for pertinente. Espero em Deus que essa série possa se tornar útil para todos aqueles que, como eu, desejam “manejar bem” a Palavra da Verdade (2Tm 2.15), e que, nisso tudo, somente Deus seja glorificado.

Soli Deo Gloria!

Leonardo Galdino.

9 comentários:

  1. Olá Leonardo Galdino.

    Tenho acompanhado o debate com o Leandro. Acho apropriado uma análise calvinista dos textos "arminianos" da Bíblia.

    Com certeza vou acompanhar suas próximas postagens.

    Um abraço.

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  2. Heitor,

    Antes de tudo, obrigado por sua visita e comentário aqui neste blog.

    Acho que o debate do Clóvis e do Helder com o referido professor ainda vai render muito assunto. Ele mandou pro Clóvis uma lista de 56 textos que pretensamente refutam o calvinismo. O Clóvis já está bolando uma resposta à altura. Mas meu objetivo não é apenas analisar esses textos "arminianos", mas, como falei no finalzinho da minha postagem, derrubar certas falácias hermenêuticas e exegéticas nas quais muitos incorrem, embora não seja essa a minha preocupação central.

    A propósito, ri muito quando li o episódio que você presenciou dos dois "evangélicos" discutindo no ônibus. Deixei um comentário lá no Eleitos de Deus.

    Abraços e até dezembro, lá na IPB do Ibura, se Deus quiser!

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  3. Leonardo,

    Uma falácia comum neste tipo de debate é a seleção de amostra. A Bíblia tem lá uns 30.000 versículos (perdoem-me a pouca assiduidade na escola dominical), das quais se "seleciona" aqueles que aparentemente apoiam (se apoiam de fato é outra questão) o pressuposto pessoal e com esse arsenal parte-se para guerra de versículos (o nome dessa estratégia devo à Nani). A quanto ao arsenal de versículos contrários? A, estes ignora-se, pois os meus são os melhores, pois "provam" a minha tese.

    Como então entrar nessa "guerra" sem cometer tal falácia. Há duas estratégias, uma absolutamente inviável, que é analisar todos os 32.000 (acho que era isso) versos da Bíblia. A outra é não se armar de versículos, mas trabalhar sobre os versos escolhidos a dedo pelos adversários das doutrinas da graça, ditas calvinistas. Se os versos que eles usam não dizem o que alegam dizer, então eles ficam sem argumentos bíblicos.

    Por isso aprovo e acompanharei o seu tratamento aos versos "arminianos".

    Em Cristo,

    Clóvis

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  4. Clóvis,

    Minha intenção é exatamente usar a segunda estratégia que você propõe. Certamente, não pretendo analisar asbolutamente todos os versículos usados pelos arminianos. Farei apenas uma seleção da seleção de amostra deles (rsrsr!). Obrigado pela dica!

    Abraços!

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  5. Meus irmãos, boa noite!
    Deus é soberano e pode fazer o que quiser, salvar alguns e não salvar outros. Ele pode, é verdade, contudo não o faz, pois o seu caráter amoroso impede que Ele aja dessa forma. Ele tb é justo, misericordioso, ....e soberano, é claro.
    Pensem nisso.
    Francisco Rui Moreira - sou da IPB Penha

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  6. Olá Leonardo Galdino! Desculpe incomodar . . .

    . . . onde está a continuação deste "escrito"?
    Me interessei em ler a análise dos chamados "supostos textos arminianos".

    E onde posso encontrar as 48 "56" referências bíblicas às quais você se referiu? Cliquei no link mas não as encontrei.

    Aguardo!

    Graça e Paz!

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  7. Wagner,

    A continuação da série sobre os supostos textos arminianos da Bíblia estão aqui, aqui e aqui.

    Quanto ao texto do Leandro Quadros (as "48" e "56" referências bíblicas), está aqui.

    Abraços!

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  8. Nossa, Leo! Obrigado, meu querido!
    Só para contar . . . estou vivenciando a coisa de 4 meses, uma transição de um "arminianismo por inercia" para um "calvinismo iniciante".

    Eu nunca soube nem o que era arminianismo nem calvinismo até o Espírito de Deus começar a me chamar a atenção para textos como o de Efésios 1, mesmo eu tendo lido aquilo já umas 10 vezes antes.

    Vou estudando e, obrigado pelas colaborações aqui no Blog!

    Glórias ao nosso Senhor por isso!

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  9. Wagner,

    Fico muito feliz pela "descoberta" (rsrs!). Que você possa, de fato, crescer mais e mais no conhecimento das Escrituras. Estamos aqui para ajudar, mesmo.

    Abraços!

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