Talvez uma das lições bíblicas aprendidas mais tardiamente pelos cristãos seja a da separação entre a Igreja e o Estado. Se no Antigo Testamento, o sustento do culto era uma responsabilidade real, a ponto de reis terem fechado o templo de Jerusalém movidos por seus caprichos idólatras, no Novo, em momento algum, Jesus promete a instalação de um reino temporal cristão. Ao contrário, Ele ensina que, agora, o seu reino não é deste mundo:
Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui. (João 18:36)
O Senhor nunca exigiu que o Império Romano protegesse ou divulgasse a fé cristã ou que os cristãos devessem organizar um levante popular para derrubar o imperador. Desta maneira, a separação institucional entre Igreja e Estado pode sim ser considerada uma doutrina bíblica.
No entanto, separação não significa, em absoluto, que o Estado não tenha responsabilidades diante de Deus. Os diferentes governos não são entidades autônomas, fora da lei de Deus e de seu domínio, entes que seguem uma moralidade à parte daquela estabelecida na Bíblia. Dito de modo mais claro, os Estados podem pecar, apesar da separação entre eles e a Igreja.
Ministros de Deus
Isso acontece porque Deus é o Senhor de todas as coisas, de tudo o que diz respeito à existência humana, inclusive da política. Como dizia o teólogo holandês Abraham Kuyper:
não há um milímetro cúbico em todas as áreas da existência humana sobre o qual Cristo, que é Soberano acima de todos, não possa dizer "É meu!"
Por isso, a Bíblia apresenta os agentes estatais como sendo ministros de Deus, pessoas que receberam autoridade divina e possuem certos direitos...e deveres no exercício do poder:
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra. (Romanos 13:1-7)
Aqui, aprendemos:
1) Que a verdadeira fonte primária do poder estatal é Deus, e não o povo (democracias) ou as armas (ditaduras);
2) Que as autoridades são ministros de Deus;
3) Que o dever básico do Estado é premiar quem faz o bem (faze o bem e terás louvor dela) e punir quem faz o mal (ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal);
4) Que o Estado tem o direito de receber tributos, submissão de seus cidadãos, respeito e honra.
Quando um cristão se recusa a pagar impostos ou desobedece às leis do Estado, ele peca, por não cumprir com suas obrigações diante de uma autoridade divina. Por outro lado, quando o Estado não cumpre com o seu papel de premiar quem faz o bem e punir quem faz o mal, ele também peca, por desobedecer ao papel que lhe foi dado por Deus. E, se há pecado, também há castigo.
A condenação bíblica dos governos
Uma forma de quebrar o mandamento divino é usar a máquina estatal para pelejar contra Deus. Em Apocalipse 17, esse caso é retratado de modo dramático e em cores escatológicas, quando se fala da condenação dos reis que seguem a besta (de certa forma, um símbolo de Satanás):
Os dez chifres que viste são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora. Têm estes um só pensamento e oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem. Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele. (Apocalipse 17:12-14)
Nos últimos dias, todos os governos da Terra usarão sua estrutura, inclusive a militar, para guerrear contra Cristo e sua Igreja. Contudo, essa guerra já começou. Todas as vezes que um governo restringe a liberdade dos cristãos e os persegue, ele faz guerra contra o Cordeiro. Quando um governo adota padrões contrários aos adotados por Cristo, defende uma moralidade diferente da preconizada por Deus ou obriga seus cidadãos a pecarem, eles estão pelejando contra Cristo e atraindo sobre si a pena de destruição. Lutar contra a Igreja é lutar contra os que fazem o bem.
O Antigo Testamento traz ainda mais condenações. Quando são decretadas leis injustas, que aviltam a verdadeira justiça e aumentam a opressão na sociedade, os governos também são condenados e o juízo divino está às portas:
Quando as leis existem, mas a corrupção grassa no governo, o Estado também peca:
Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Israel e por quatro, não sustarei o castigo, porque os juízes vendem o justo por dinheiro e condenam o necessitado por causa de um par de sandálias. (Amós 2:6)
E o que os cristãos devem fazer quando o Estado incorre nestes pecados?
O dever dos cristãos
A segunda coisa é interceder. Uma vida tranqüila e um governo piedoso dependem das orações dos cristãos:
Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. (1 Timóteo 2:1-2)
A terceira coisa é atuar dentro das regras políticas para fazer com que o Estado cumpra o seu papel. José no Egito, Ester e Mordecai na Pérsia e Daniel, na Babilônia e na Pérsia, são exemplos de como isso pode ser feito por cristãos que são chamados para serem ministros, juízes ou outras funções públicas.
Por fim, a Igreja pode exercer o seu papel profético e denunciar os abusos e erros das autoridades e as deformidades do Estado. Os textos proféticos citados aqui são uma pequena amostra da ampla base bíblica existente para que cristãos denunciem esses pecados, preguem e protestem, até mesmo usando palavras fortes.
Quando vivemos em um país chamar de amigas nações que perseguem o Evangelho, onde deputados são condenados por crimes que já prescreveram, onde medidas protelatórias podem fazer julgamentos acontecerem 20 anos depois da ocorrência dos crimes, onde movimentos criminosos como o MST são reconhecidos como legítimos pelo Governo Federal e a corrupção desvia recursos que deveriam ser empregados para a promoção do bem-estar dos bons...a apatia dos cristãos diante de tudo isso é escandalosa.
Não é papel do Estado evangelizar, subvencionar cultos, promover a disciplina eclesiástica ou doar terrenos e conceder isenções às igrejas, assim como não cabe a estas últimas a tarefa de legislar ou de usar a máquina estatal para divulgar o cristianismo. Todavia, a separação entre Igreja e Estado não é desculpa para nos calarmos diante dos pecados do Estado. Que os cristãos ergam a sua voz!
Não usei neste texto uma definição extremamente exata ou rigorosa dos termos Estado e Governo.
Boa Helder! Muito boa iniciativa! Eu postei um texto em meu blog sobre o sofisma marxista de luta de classe e sua incompatibilidade com uma percepção reformada de autoridade: http://pensarigor.blogspot.com/2010/05/uma-luta-com-classe.html temos que engrossar a internet com conteúdo que possa orientar cristãos no quesito política.
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