5 de novembro de 2010

Abre o olho, Gedalias!

Ouvindo, pois, os capitães dos exércitos que estavam no campo, eles e seus homens, que o rei da Babilônia nomeara governador da terra a Gedalias, filho de Aicão, e que lhe havia confiado os homens, as mulheres, os meninos e os mais pobres da terra que não foram levados ao exílio, para a Babilônia, vieram ter com ele a Mispa, a saber: Ismael, filho de Netanias, Joanã e Jônatas, filhos de Careá, Seraías, filho de Tanumete, os filhos de Efai, o netofatita, Jezanias, filho do maacatita, eles e os seus homens.

Gedalias, filho de Aicão, filho de Safã, jurou a eles e aos seus homens e lhes disse: Nada temais da parte dos caldeus; ficai na terra, servi ao rei da Babilônia, e bem vos irá. Quanto a mim, eis que habito em Mispa, para estar às ordens dos caldeus que vierem a nós; vós, porém, colhei o vinho, as frutas de verão e o azeite, metei-os nas vossas vasilhas e habitai nas vossas cidades que tomastes.

Da mesma sorte, todos os judeus que estavam em Moabe, entre os filhos de Amom e em Edom e os que havia em todas aquelas terras ouviram que o rei da Babilônia havia deixado um resto de Judá e que havia nomeado governador sobre eles a Gedalias, filho de Aicão, filho de Safã; então, voltaram todos eles de todos os lugares para onde foram lançados e vieram à terra de Judá, a Gedalias, a Mispa; e colheram vinho e frutas de verão em muita abundância.

Joanã, filho de Careá, e todos os príncipes dos exércitos que estavam no campo vieram a Gedalias, a Mispa, e lhe disseram: Sabes tu que Baalis, rei dos filhos de Amom, enviou a Ismael, filho de Netanias, para tirar-te a vida? Mas Gedalias, filho de Aicão, não lhes deu crédito.

Todavia, Joanã, filho de Careá, disse a Gedalias em segredo, em Mispa: Irei agora e matarei a Ismael, filho de Netanias, sem que ninguém o saiba; por que razão tiraria ele a tua vida, de maneira que todo o Judá que se tem congregado a ti fosse disperso, e viesse a perecer o resto de Judá? Mas disse Gedalias, filho de Aicão, a Joanã, filho de Careá: Não faças tal coisa, porque isso que falas contra Ismael é falso.

Sucedeu, porém, que, no sétimo mês, veio Ismael, filho de Netanias, filho de Elisama, de família real, e dez homens, capitães do rei, com ele, a Gedalias, filho de Aicão, a Mispa; e ali comeram pão juntos, em Mispa. Dispuseram-se Ismael, filho de Netanias, e os dez homens que estavam com ele e feriram à espada a Gedalias, filho de Aicão, filho de Safã, matando, assim, aquele que o rei da Babilônia nomeara governador da terra. Também matou Ismael a todos os judeus que estavam com Gedalias, em Mispa, como também aos caldeus, homens de guerra, que se achavam ali. (Jeremias 40:7- 41:3)
A inocência e a simplicidade sempre são virtudes? Creio que a maioria dos cristãos não hesitaria em dizer que sim. Afinal, no nosso imaginário sobre "uma pessoa boa", imaginamos alguém que não conheça a malandragem e a malícia típica dos "homens maus". Sendo mais direto, o bom é também um bobão.

E isso se reflete diretamente na fé, na pregação e na prática de muitos cristãos. Não existem pessoas más ou mal-intencionadas...o que existem são pessoas incompreendidas, que não tiveram boas oportunidades na vida e por isso escolheram um caminho ruim. Todos devem ser acolhidos sem reservas e da mesma maneira, independente do histórico e da reputação. Não importa que a razão reconheça a existência de pessoas de má índole: ela deve ser ignorada em favor do amor "cristão". Se a prudência recomenda cuidados na aproximação com os outros, deve-se, pela fé, abrir exceções e ignorar o perigo.

Trata-se de uma visão romântica do amor cristão e das pessoas. Mas é também uma forma muito antiga de se olhar para as pessoas. É o que prova a história de Gedalias, filho de Aicão.

O contexto histórico
Vamos voltar ao início do sexto século antes de Cristo, após o ano 586 a.C.. O reino de Judá havia sido conquistado pelo imperador babilônio Nabucodonosor. A elite dos judeus havia sido morta ou estava sendo levada em cativeiro para a Babilônia. Apenas os mais pobres permaneciam na Palestina e Nabucodonosor nomeia o judeu Gedalias, filho de Aicão, um dos nobres de Judá, como governador daquela província.

Nabucodonosor conquistou Jerusalém em 586 a.C.

Quando isso aconteceu, havia algumas tropas de soldados que não estavam em Jerusalém e que apenas souberam da conquista do reino. Sem condições de enfrentar o exército mais poderoso daquela época, esses militares voltam e se unem a Gedalias para ajudar os judeus a se reeerguerem. Entre eles vinha Ismael, filho de Netanias.

No início, tudo deu certo. O povo estava unido e plantou e colheu em abundância. Mas aí um boato ganhou corpo: Ismael havia sido mandado para assassinar Gedalias.

O aviso ignorado
Quem deu um aviso? Um outro capitão, Joanã, filho de Careá, e todos os príncipes dos exércitos que estavam no campo. Ismael estava a serviço do rei dos amonitas, Baalis. Tratava-se de um perigo real. Gedalias deveria tomar precauções. Mas ele não deu crédito a história.

É claro que nem todo boato merece, de fato, ser levado em consideração. Fofocas maliciosas, exagerdas e mentirosas existem em todos os lugares. Contudo, quando o fato é referendado por um grupo, por líderes, por pessoas que eram da mesma profissão que Ismael...ignorar o apelo era mais do que ser inocente. Era uma prova de estupidez. Gedalias deveria, ao menos, averiguar a história e tomar providências para garantir a sua segurança.

Hoje acontece a mesma coisa, repetidas vezes ao dia, com um grande número de cristãos. Acontece quando os pais advertem seus filhos de que certos "amigos" são péssimas companhias ou que determinada pessoa não será um bom namorado e os filhos não ligam. Quando congregações elegem pastores e oficiais com reputação questionável ou histórico complicado e não investigam os fatos; quando a nação ignora as reportagens e elege políticos que já se envolveram com corrupção ou estão sendo indiciados em muitos casos como suspeitos; quando pastores ignoram as advertências de sua congregação e fazem campanha para políticos que eles acabaram de conhecer...estão todos agindo como Gedalias.

Confiando demais no inimigo
Mas a estupidez e a imprudência humana não conhecem limites. Além de ignorar o apelo, Gedalias se deixa cair numa cilada. Aceita um convite para comer com Ismael. Naquele tempo, as refeições eram momentos de intimidade...comer com alguém significava uma prova de amizade. Gedalias, Ismael...e mais dez homens. O resultado não podia ser outro: Ismael assassinou a Gedalias.

Amar o inimigo não significa ignorar que ele é um inimigo. Para cumprir o mandamento, não é preciso convidar o inimigo a partilhar de sua intimidade nem entregar a ele áreas importantes de sua vida. Mas é o que muitos fazem.

Quando a jovem aceita ficar sozinha com o homem casado que ela sabe que é galanteador, quando o adolescente compartilha seus segredos com um traficante de drogas, quando o povo vota e dá poder a pessoas más para governarem seu país, seu Estado e sua cidade, quando insistimos em manter à frente das igrejas pastores que já provaram não ser confiáveis...estamos convidando Ismael e sua gangue para comer conosco.

E o resultado foi aquele predito pelos príncipes. Se você continuar a leitura do livro de Jeremias, vai ver que o povo, sem líderes, acabou fugindo para o Egito, com medo dos babilônios. Mais do que isso, lá no Egito eles voltaram à idolatria. E acabaram vendo, mais uma vez, o furor do exército da Babilônia, agora contra o Egito. A imprudência de Gedalias foi o fim para os judeus que Nabucodonosor deixou em Canaã.

Da mesma maneira acontece conosco. Uma "refeição com Ismael" pode arruinar a nossa vida, a de outras pessoas e até mesmo de todo um grupo. As conseqüências são imprevisíveis.

E Jesus?
Mas será que não estou indo contra o ensino de Jesus? Afinal, Jesus andava na companhia de pecadores e os acolheu sem reservas, mesmo tendo sido advertido pelos fariseus.

Será? A verdade é que nem sempre Jesus agia dessa maneira. Ele não confiava em todos:
Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos. E não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana. (João 2:23-25)
O mito da boa natureza do ser humano deve ser derrubado o quanto antes, principalmente pelos cristãos. Jesus não saiu por aí confiando em todo mundo. Ele sabia muito bem que a natureza humana era má. E assim como muitos pais, pastores e presbíteros aconselham, Jesus também sabia que nós não devemos confiar em todo mundo. Amar sim. Confiar não.

A inocência é boa quando ela significa não cometer pecados e não desejá-los na mente e no coração. Mas quando ser inocente significa ignorar a maldade das pessoas e os perigos do mundo real...aí deixa de ser virtude para se tornar sinônimo de idiotice. Como disse Jesus:
Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. (Mateus 10:16)
Menos inocência e mais esperteza, cristãos. Inclusive na hora de votar. Abre o olho, Gedalias!

Um comentário:

  1. Amei o texto foi muito edificante pra mim, estava precisando entender um pouco sobre essa palavra, ficarei em alerta a partir de agora era a resposta que eu estava pedindo a Deus!foi muito profundo.
    Parabéns!!!!
    Parabèns

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