31 de março de 2010

Bíblia e Predestinação [9] - A Perseverança dos Santos

Para ler o post anterior da série, clique aqui.
Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. (João 6:37-40)
Quando eu me converti, na época em que Dunga era só um jogador de futebol e o Brasil ganhava o tetracampeonato, um argumento usado para me convencer a deixar de ser católico era a distinção entre os católicos praticantes e não-praticantes. Dizia o nobilíssimo Rafael Garcia, o homem usado por Deus para me levar ao Evangelho: "Vocês, católicos, escolhem se seguem ou não a sua religião, por isso há os praticantes e os não-praticantes. Mas nós evangélicos não temos essa distinção: todos temos que seguir a nossa fé".

Infelizmente, hoje em dia este argumento não é mais válido. Os evangélicos também têm os seus não-praticantes, também conhecidos como desviados. Pessoas que freqüentaram igrejas, foram batizadas, mas abandonaram a fé ou vivem de modo contrário a ela. E há uma angústia enorme quanto à salvação dessas pessoas. Afinal, se elas morrerem hoje, vão ou não ao céu?

Responder a esta pergunta não é fácil. Mas antes de chegarmos lá, precisamos compreender uma doutrina: a da perseverança dos santos.

Os dois lados do ringue
Uma vez adquirida a salvação, ela pode ser perdida por causa de algum pecado? Segundo os calvinistas (ou reformados), a resposta é não. O verdadeiro salvo perseverará no caminho do Senhor até o fim. Ainda que ele se decepcione com Deus e com a Igreja, essa decepção nunca se transformará em uma apostasia, ou seja, jamais o verdadeiro salvo chegará a perder a sua fé em Deus. Essa doutrina é conhecida como a perseverança dos santos, e é o último ponto do calvinismo.

Os arminianos pensam diferente. Para eles, a salvação pode sim ser perdida. Se um salvo peca e não tem tempo de confessar o seu pecado e arrepender-se dele, ele irá ao inferno. Essa doutrina tem sido básica em muitas igrejas, notadamente algumas de cunho neopentecostal fortemente ligadas às doutrinas do G-12 e de batalha espiritual.

Uma acusação arminiana ao calvinismo é de que a perseverança dos santos induz os salvos ao relaxamento moral. Ao afirmar a salvação como uma graça eterna, o calvinista induziria os cristãos a darem ao pecado um valor menor que o real e a superestimar a graça divina, produzindo uma igreja de desviados.

A minha acusação como reformado é um pouco mais pesada: o ponto de vista arminiano torna Jesus Cristo um Filho desobediente ou incapaz de cumprir a vontade do Pai. Se a perseverança dos santos não é real, há um conflito na Trindade e não seria exagero negar a divindade do próprio Cristo.

O ensino de Jesus
Vejam o que diz Jesus no texto que abre este post. Algumas afirmações não podem passar despercebidas:

1) Todo o que o Pai dá a Jesus, vai até Ele. Esse ponto é mais desenvolvido no post anterior, sobre a graça irresistível.

2) Jesus não lança fora os que vão até Ele. Essa promessa é reforçada pela expressão "ou mê", que é traduzida como "nunca" ou "de modo nenhum". Em outras palavras, não há uma possibilidade pela qual Jesus venha a rejeitar os que Ele recebe do Pai. Se Jesus rejeitar um só destes, Ele mentiu e já não merece ser chamado de Deus.

3) A vontade do Pai é que nenhum eleito se perca. Deus Pai deseja que todo homem que veja o Filho e creia n'Ele tenha a vida eterna. Todos, sem exceção. Ele dá pessoas ao seu Filho e não quer que o seu presente seja desperdiçado. Repare, no entanto, que o texto não diz que a vontade do Pai é salvar a todas as pessoas, mas apenas um grupo de pessoas: os que Ele deu ao Filho, que são os mesmos que veem a Jesus e n'Ele creem.

4) Jesus vem cumprir a vontade do Pai. Salvar a humanidade, ensinar, curar...tudo isso pode ser resumido em uma única intenção de Jesus: fazer a vontade de seu Pai. De fato, esse objetivo era tão forte que Ele disse que eram a Sua comida (João 4:34). Repare que Jesus coloca sobre Ele mesmo a responsabilidade de guardar os salvos. Se eles não se perdem é porque Jesus cumpre a vontade do Pai e não perde os Seus filhos.

Mas, e os desviados?
Há duas possibilidades. A mais benigna é a de que pode ser que o "desvio" seja algo passageiro, que o cristão se arrependa e volte à comunhão com o Senhor. É isso o que parece ter acontecido com um membro da igreja de Corinto:
Ora, se alguém causou tristeza, não o fez apenas a mim, mas, para que eu não seja demasiadamente áspero, digo que em parte a todos vós; basta-lhe a punição feita pela maioria. De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor." (2 Coríntios 2:5-8)
Por outro lado, é possível que, na verdade, o desviado jamais tenha sido salvo. Na parábola do trigo e do joio, Jesus afirma que tanto o trigo (filhos de Deus) como o joio (filhos do diabo) crescem juntos no mundo (o que, certamente, inclui também as igrejas). Salvos e não-salvos vivem lado a lado e nem sempre é possível distinguir um do outro:
Não! Replicou ele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. Deixai-os crescer juntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro. (Mateus 13:29-30)
Todos os versículos de advertência quanto a uma possível perda de salvação devem ser lidos tendo essa parábola em mente. Os apóstolos escreviam a igrejas onde trigo e joio convivem lado a lado. As ordens de perseverar servem para encorajar os salvos a permanecerem na fé e para evidenciar as pessoas que não são filhas de Deus:
Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos. (1 João 2:19)
Uma advertência final
A perseverança dos santos não é, de modo algum, uma licença para pecar. Nem ela e nem a doutrina da predestinação. O verdadeiro cristão se santifica à medida que o tempo passa, enquanto os condenados ao inferno permanecem no pecado. Um versículo de Apocalipse esclarece bem isso:
Continue o injusto fazendo injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o santo continue a santificar-se. (Apocalipse 22:11)
O santo persevera na santidade e não no pecado.

Concluo aqui a série de posts sobre a base bíblica da predestinação. Espero que a exposição seja útil à edificação dos irmãos.

30 de março de 2010

Meu sobrinho, a inspiração da Bíblia, a divindade de Jesus e os liberais

Quando estou de férias em Recife uma de minhas atrações favoritas (senão a favorita) é curtir o meu sobrinho, de três aninhos de idade (e não é porque o nome dele é igual ao meu, viu?!). Como ainda não sou pai, meu consolo é ficar babando por ele (acho que herdei a “corujice” de meus pais). Desta última vez em que fui a minha amada terra, ensinei-lhe a dizer que a Bíblia é a Palavra de Deus.

– “A Bíblia é o que, Leo”?

– “A Palavra de Deus”, respondia ele entusiasticamente, com os punhos cerrados e dando socos no ar, como se estivesse comemorando um gol ou coisa do tipo. Fiquei lhe perguntando repetidas vezes a mesma coisa, e a resposta era sempre a mesma: “A Palavra de Deus, a Palavra de Deus”! Depois disso, dessa vez sem adotar nenhuma metodologia tipo catequética, perguntei-lhe quem era Jesus. Ele pensou um pouco, pensou, e disse: “É… é… é Deus”! Ainda nem tínhamos conversado sobre isso! Nem acreditei no que ouvi, tanto que resolvi forçar mais ainda a barra:

– “E quem é Deus, Leo”?

– “Jesus”, respondeu ele dando de ombros, com aquela simplicidade que é própria das crianças. Depois daquele dia eu quase disse para mim mesmo que agora eu poderia morrer, ops!, ir para Santarém em paz (*).

Depois de mais  dois meses sem falar com meu sobrinho, pedi a minha mãe para levá-lo à casa dela somente para eu matar um pouquinho da saudade que sinto dele. Depois de tantos desencontros (eu ligo e ele não está, ele está e eu não ligo…), o dia finalmente chegou: eu estava, enfim, cara a cara, ou melhor, fone a fone com ele. E adivinhem qual foi a primeira pergunta que lhe fiz?

– “A Bíblia é o que, Leo?” –  perguntei-lhe com aquela expectativa ofegante, para ver se ele ainda lembrava.

“A Palavra de Deus!”, respondeu ele sem hesitar (só não deu para saber se foi com socos no ar). Dois meses depois e ele ainda lembrava! Puxa vida! Nem precisa dizer como me senti, não é mesmo? Bem, depois de ouvir o que queria (egoísta bitolado, eu?!), começamos a conversar sobre sua escolinha, seus amiguinhos, sua “malcriação” (“birra”, para os não-nordestinos), etc, etc, etc.

As declarações de meu sobrinho fariam muita gente se contorcer toda, especialmente os liberais, que negam tanto a inspiração das Escrituras quanto a divindade de Jesus. Para estes, as palavras do  pequeno Leo não revelam apenas a “inocência” de uma criança que ainda não sabe o que diz, mas também a ilusão de toda uma cultura cristã construída sobre uma base mítica – os Evangelhos, que não são, segundo eles, um relato confiável da vida e ministério de Jesus. É exatamente assim que pensa, por exemplo, Rudolf Bultmann, teólogo liberal (roxo, diga-se de passagem), considerado por muitos como um dos maiores eruditos em Novo Testamento do século 20.

Eu realmente penso que não podemos saber quase nada sobre a vida e a personalidade de Jesus, já que as fontes cristãs primitivas [os Evangelhos] não mostram qualquer interesse em ambos, são fragmentárias e frequentemente lendárias; e outras fontes sobre Jesus não existem[1].

Para Bultmann, a Bíblia nada mais é do que o registro das crenças de um povo, a saber, dos judeus e cristãos do primeiro século, nada mais. Ela está cheia de lendas e crenças populares. Não há nenhuma verdade absoluta ali, apenas crendices (lendas).

A comunidade cristã estava convencida de que Jesus havia realizado milagres, e contaram muitas histórias de milagres sobre ele. A maioria das estórias sobre milagres que estão nos Evangelhos são lendas, ou pelo menos estão revestidas de caráter lendário. Não pode haver dúvida, contudo, que Jesus realizou atos que, no seu entendimento e no de seus contemporâneos, eram atribuídos a uma causa divina sobrenatural[2].

Além de eventos como o relato do chamado dos primeiros discípulos (Mt 4.18-22; Mc 1.16-20; Lc 5.1-11), da morte de João Batista (Mt 14.1-12; Mc 6.14-29; Lc 9.7-9), da moeda na boca do peixe, para pagar o imposto (Mt 17. 24-27), e da última Ceia (Mt 26.26-30; Mc 14.22-26; Lc 22.14-20), a própria ressurreição de Jesus é considerada por liberais como Bultmann como mitológica, lendária. Para eles, Jesus não ressuscitou literalmente, mas apenas no coração e na lembrança dos discípulos. Por exemplo, Cristo não esteve literalmente com aqueles dois discípulos no caminho de Emaús (Lc 24.13-35), mas apenas “na memória” destes. Ou seja, o Jesus que caminhava com aqueles discípulos era, na realidade, uma fantasia. Consequentemente, isso faz com que a divindade de Jesus também seja mítica, já que sua ressurreição (que para nós, os que cremos, é uma prova cabal de sua divindade) não foi histórica, mas folclórica. E o que Bultmann propõe para que relatos tão “fantasiosos” e “folclóricos” como esses é que o intérprete das Escrituras proceda a uma “demitização” (ou “desmitologização”) da mensagem do Evangelho (do kerigma), o que pode significar negar totalmente o conteúdo da Revelação, mesmo que alguns relatos nem sejam tão “absurdos” e “folclóricos” assim.

Prefiro ficar com a simplicidade do meu sobrinho a ceder às sugestões de Bultmann e seus confrades liberais. E não se trata de nenhum tipo de “nepotismo teológico” de minha parte, claro que não. O que o pequeno Leo falou apenas está de acordo com o ensino das Escrituras, no qual creio ser infalível, inerrante e inspirado. “Nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” – é o vaticínio de Pedro quanto à infalibilidade e inspiração da Bíblia (2Pe 1.20-21). Pedro diz que os santos profetas não falaram aquilo que eles “achavam” que ia acontecer, e sim aquilo que Deus lhes mandara falar e que Ele mesmo cumpriria. Este mesmo Pedro, quando discursou em Jerusalém por ocasião da descida do Espírito Santo sobre a igreja no dia de Pentecostes (At 2), aplicou o Salmo 16, especificamente os versículos de 8 a 10, a Jesus: “Porque não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” – referindo-se à ressurreição de Cristo como um fato histórico, o que atesta tanto a infalibilidade das Escrituras quanto a divindade do Filho de Deus. Se isso é mero mito, como querem os liberais, então, de acordo com o apóstolo Paulo “é vã a nossa pregação, e vã, a nossa fé” (1Co 15.14).

O teólogo presbiteriano Grescham Machen já dizia que “o liberalismo teológico não é cristianismo, mas outra religião”. G. K. Chesterton foi mais além (apesar de não estar se referindo diretamente aos liberais) quando disse que “quando as pessoas deixam de crer no verdadeiro Deus da Bíblia, isso não significa que elas deixaram de crer em algo, mas que elas agora creem em tudo ao mesmo tempo”[3]. H. Richard Niebuhr também deixou seu comentário (caricaturizado) sobre a perspectiva liberal: “um Deus sem ira levou homens sem pecado para um reino sem julgamento pelas ministrações de um Cristo sem uma cruz”[4]. Tudo isso só reforça ainda mais o parecer simples, mas extremamente profundo, do meu querido sobrinho: a Bíblia é a Palavra de Deus; Jesus é Deus! Simples assim.

Soli Deo Gloria!

(*) Isso não quer dizer que eu esteja aderindo ao Monarquianismo Modalista (séc. IV), que não faz distinção entre as Pessoas da Trindade (aquelas coisas do tipo: “o Pai foi para a cruz”, Unitarismo, etc).  Só estou ressaltando a divindade de Cristo, nada mais. Seria exigir demais de uma criança de apenas três anos que ela distingua tão bem algo que nem mesmo os grandes teólogos da história conseguiram fazer – desvendar o inesvendável mistério da Trindade.


[1] Bultmann, Rudolf K. Jesus and the Word (1934). Citado por Augustus Nicodemus Lopes em A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo, 2007. Editora Cultura Cristã. Pág. 208.

[2] Idem. Pág. 208, 209.

[3] Citado por Michael Horton em A Face de Deus – os perigos e as delícias da intimidade espiritual. São Paulo, 1999. Editora Cultura Cristã. Pág. XV.

[4] Idem. Pág. XVI.

29 de março de 2010

De pecadores mortos a santos ressuscitados

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (Ef 2:8)

INTRODUÇÃO

Na primeira mensagem dessa série, lemos que Paulo escreveu a santos e fiéis em Cristo. Santos significa separados para Deus e fiéis quer dizer crentes em Jesus. Porém, a Bíblia diz que "todos pecaram e separados estão da glória de Deus" (Rm 3:23). Diz também que "o salário do pecado é a morte" (Rm 6:23). Como então pecadores mortos passam a ser santos vivos? É esse processo que Paulo explica na passagem que iremos meditar nesta noite.

Na primeira parte do capítulo primeiro, Paulo fala do planejamento da nossa salvação pelo Pai, do provimento dos meios para nossa salvação pelo Filho e da execução dessa salvação pelo Espírito Santo. Agora Paulo se detém a explicar o que aconteceu na prática com cada pessoa que experimentou a salvação de Deus, de como elas passaram de defuntos espirituais  a novas criaturas em Cristo.

Você precisa apreciar, valorizar o que recebeu de Cristo. Mas para isso, precisa considerar tr~es coisas: que você estava morto e separado de Deus, que você foi vivificado em Cristo e que tudo isso foi feito exclusivamente pelo Espírito Santo.

I ESTANDO VÓS MORTOS EM OFENSAS E PECADOS, 2:1

Tudo começou com nosso primeiro pai, Adão. Ele recebeu uma ordem de Deus, não poderia comer do fruto da árvore no meio do jardim. Deus havia sido bem claro: "De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gn 2:16-17). Desde Adão, todos os homens nascem mortos espiritualmente, pois "como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Rm 5:12).

Paulo apresenta as provas dessa morte espiritual, ao dizer que

1. Andávamos "segundo o curso deste mundo", 2:2a

Os padrões do mundo são opostos à Lei de Deus. Existe uma incompatibilidade, que a Bíblia chama de inimizade entre o mundo e Deus, a ponto de que se alguém quer ser amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus. E de fato, a forma como andávamos anteriormente fazia de nós inimigos de Deus (Rm 5:10).

2. Andávamos "segundo o príncipe das potestades do ar", 2:2b

Como "todo o mundo está no maligno" (1Jo 5:19), andar segundo os rudimentos do mundo é, em última análise, fazer a vontade do Diabo. Mesmo sem saber, quem está no mundo faz a vontade do Diabo e não a vontade de Deus. Pois quem opera neles não é o Espírito santo, mas "espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (2:2).

3. Andávamos "nos desejos da nossa carne", 2:3

Além de nos conformar com o mundo separado de Deus, de agir sob influência do Diabo, também nos entregávamos à concupiscência de nossa carne, "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos" (2:3). Quando Adão pecou, ele arruinou a nossa natureza, que ficou corrompida pelo pecado. Passamos a ter uma vontade contrária á vontade de Deus, de modo que até mesmo nossos pensamentos tornaram-se pecaminosos.

Era assim que andávamos, como amantes do mundo e inimigos de Deus, dominados pelo espírito maligno e não pelo Espírito Santo e servos de nossa vontade caída e não da vontade santa de Deus. Isso fazia de nós "filhos da desobediência" e "filhos da ira". Por nossa desobediência estávamos destinados à ira, se Deus não fizesse algo por nós. Mas Ele fez!

II NOS VIVIFICOU JUNTAMENTE COM CRISTO, 2:5

1. Motivado "pelo seu muito amor com que nos amou", 2:4

Paulo se refere a Deus como "riquíssimo em misericórdia" (2:4). Não fosse Seu grande amor para com pecadores irremediáveis, nós permaneceríamos mortos até finalmente experimentarmos a segunda morte, a condenação e tormento eterno. Mas movido por grande amor, foi misericordioso e nos deu vida com Cristo, livrando-nos das algemas da morte.

2. Ele "nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus", 2:6

Mais que apenas nos vivificar, o Senhor nos exaltou às regiões celestiais, em Cristo. Como a igreja é o Corpo de Cristo, que está assentado nos céus, desde agora ela está assentada nos lugares celestiais na pessoa de Jesus. De defuntos espirituais jogados nas profundezas da terra e separados de Deus, fomos transportados para as alturas celestiais, na presença de Deus!

3. Para mostrar as "as abundantes riquezas da sua graça", 2:7

Para que Deus fez tudo isso? Paulo nos diz que foi para mostrar "nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus". Deus é glorificado por Sua justiça quando aplica a justa condenação àqueles que rejeitam seu Filho Jesus Cristo. Mas muito mais Ele é glorificado ao exibir, por toda a eternidade, a riqueza de sua graça com pecadores redimidos e ressuscitados com Seu Filho!

III ISTO NÃO VEM DE VÓS, É DOM DE DEUS, 2:8

Agora precisamos abordar um ponto fundamental e que muitas vezes é ignorado. Tranformar pecadores mortos em pessoas nascidas de novo é uma obra exclusiva de Deus. Um morto não pode fazer nada por si mesmo. Somente depois de ser vivificado é que alguém pode esboçar qualquer reação. Paulo faz questão de deixar isso claro na passagem que estamos analisando.

1. "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas", 2:5

Nunca é demais relembrar este ponto: nós ainda estávamos mortos quando fomos renovados em nossa vontade, mente e coração. Um morto não tem fé, então precisar viver antes de crer. Um morto não se arrepende, então precisa viver antes de confessar seus pecados. Por isso, os que nasceram de novo "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1:13). Deus usa de misericórdia e vem até nós quando estamos mortos e incapazes de fazer qualquer coisa para cooperar com Sua obra em nós.

2. "Não vem das obras, para que ninguém se glorie", 2:9

A nossa ressurreição com Cristo não vem de algo que possamos fazer. Obras são coisas que o homem faz. E não há nada que o homem possa fazer para ajudar na sua salvação. Se o homem operasse ou cooperasse com sua salvação, teria motivos para se orgulhar disso. O glória não seria toda de Deus, que pelo menos uma parte teria que dividir com o homem. Mas a Bíblia é taxativa: a salvação não vem de obras humanas, logo não há motivo para ele se gloriar.

3. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé", 2:8

A salvação é uma obra divina, do começo ao fim. Paulo diz que somos salvos pela graça. O fundamento de nossa salvação é a graça de Deus, é porque Deus quis nos salvar, mesmo sem mérito algum, que somos salvos. Tudo o que é necessário para nossa salvação é provido por Deus, até mesmo a fé. A fé é necessária para a salvação, pois somente quem crê é salvo por Deus. Mas é Deus quem nos capacita a crer, em outras palavras, a fé também é um dom de Deus!

CONCLUSÃO

Um erro comum é pensar que como a salvação é pela graça somente e não pelas obras, não precisamos viver uma vida de santidade ou fazer o bem. O ensino de Paulo é bastante claro. Embora o novo nascimento não dependa de boas obras, estas tem o seu lugar na vida daqueles que nasceram de novo. Primeiro, que "fomos criados para boas obras" (2:10). Não realizamos boas obras para sermos salvos, mas somos salvos para realizá-las. As boas obras não são a causa, mas a consequência da salvação. Em segundo lugar, as boas obras "Deus preparou para que andássemos nela" (2:10). Isto significa que mesmo quando realizamos boas obras, e devemos realizá-las, não devemos nos orgulhar disso, "porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:13).

Soli Deo Gloria

25 de março de 2010

Reflexos devocionais da doutrina da criação

Correndo um grande risco de ser redundante, considerando o post anterior que exemplifica estes pontos de maneira tão clara, pretendo destacar aspectos da doutrina da criação que estimulam a vida do cristão e seu relacionamento com Deus.

Escrevo isto porque, vez ou outra, corremos o sério risco de excluir tudo aquilo que não possui uma aplicação imediata do nosso repertório. É o famigerado pragmatismo que nos leva a tais decisões. Por isso, alguém poderia pensar: “a doutrina da criação não possui nenhuma aplicação direta para a minha vida hoje. Ela não me ajuda a resolver os problemas, não fala sobre a vida atual da igreja, não indica nada para a 'missão', e por isso não merece tanto a nossa atenção”.

Daí se percebe que a mente pragmática caminha para um vazio no qual apenas frases de impacto imediato e ações ordenadas têm vez. Talvez por isso as pregações de hoje caminham mais e mais para uma abordagem do “faça isso” ou “faça aquilo”, em vez do “Jesus fez”. Mas eu me desvio do assunto. Voltemos, pois.

Falei, em outro post, sobre o papel das origens na determinação de uma cosmovisão. A maneira como vemos a realidade, e como consideramos sua origem e queda – se nossa cosmovisão tem lugar para uma “queda” - influenciará a nossa visão de redenção. Por isso, a criação ocupa papel de destaque na forma como vivemos hoje, ainda que não tenhamos uma percepção disso.

Para a vida devocional – e eu me refiro a “vida devocional” e não apenas ao “momento devocional” por entender que a devoção transcende os minutos de oração e leitura bíblica – a doutrina da criação possui grande significado.

1.Ela nos assegura a existência de um Criador infinito e pessoal
Toda a vida de devoção só faz sentido porque a criação nos demonstra a existência do Criador. Mais do que isso, o modo como o Criador agiu, revela a sua pessoalidade. Ainda além, a revelação bíblica de que fomos criados à imagem e semelhança dEle, indica que é possível haver comunicação real entre nós e o Criador.

A possibilidade de um relacionamento com Deus é estabelecida a partir da compreensão deste ponto.

A oração é possível na base de um Deus pessoal. A comunicação com Deus, ouvindo-O por meio da Escritura, é certa a partir do fundamento de que Deus é pessoal.

Antes mesmo de passar a outro item, é preciso destacar que a Queda afetou o relacionamento inicial entre homem e Deus, e assim, hoje só é possível haver paz entre criatura e Criador, com base no sacrifício perfeio de Cristo.

2.Ela demonstra um Criador digno de adoração
Não apenas o Criador existe, mas em Seus atributos de inifinitude e pessoalidade (ou personalidade, como quiserem), encontramos um Deus digno de adoração. Na criação encontramos um Deus poderoso, criativo, perfeito, gracioso, e santo.

Na doutrina da criação percebemos aspectos da transcendência e da imanência de Deus, e nesse contextos somos levador a nos alegramos e vivermos em adoração.

Considerar a independência do Criador – que não precisava de absolutamente nada do que foi criado, e ainda assim decidiu criar, torna todas as criaturas devedoras a Ele – tudo o que respira, louve ao Senhor”.

3.Ela pavimenta o caminho da doutrina da providência e fortalece a fé e segurança do cristão
A doutrina da criação, ao revelar o cuidado e amor de Deus, aponta para a realidade de que o Criador não abandona Sua criação. Por isso, enquanto vivemos, temos a certeza de que estamos “sob os olhos” do Senhor, ou “nas mãos de Jesus”.

Para a vida devocinal, esta segurança de que o Criador e Mantenedor de todas as coisas está cuidando de nós, livra-nos do desespero nos momentos de crise e dor, protege-nos do medo nos momentos de perigo, guarda-nos da ansiedade, e nos dá paz para todas as horas.

Você consegue pensar em outros pontos?
Longe do falso ensinamento pragmático, a doutrina-sem-ordem-de-ação-imediata da criação revela, por meio de suas implicações, como ela gera impacto no nosso dia-a-dia.
Você consegue pensar em outros reflexos dela para a sua vida devocional?

Soli Deo Gloria.

* * *

Allen Porto é blogueiro do BJC e escreve às quintas-feiras no 5Calvinistas.

23 de março de 2010

A doutrina da Criação no Catecismo de Heidelberg

O que o Catecismo de Heidelberg fala acerca da doutrina da criação pode até não ser a exposição mais apreciada e abrangente (em comparação com outras confissões de fé e catecismos do período da Reforma) sobre o assunto, mas é a que mais me agrada. Por que? Porque ela dá um toque, digamos, mais devocional a esse tema. Escrito a pedido do príncipe eleitor da província alemã do Palatinado, Frederico III (que havia se tornado calvinista em 1560), por Zacarias Ursinus (professor de teologia da Universidade de Heidelberg) e por Gaspar Olevianus (pregador da corte de Frederico), esse valioso catecismo, publicado em 19 de janeiro de 1563, tem muito a nos ensinar sobre como a doutrina da criação pode nos levar a uma reflexão mais piedosa (sem deixar de ser teológica) sobre o Deus Criador e as coisas a Ele concernentes.

A exposição do tema encontra-se nas perguntas 26 a 28 do Catecismo (sugiro aos leitores que atentem bem para as referências bíblicas).

Pergunta 26 – Em que você crê quando diz: “Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”?


Resposta – Creio que o eterno Pai de nosso Senhor Jesus Cristo criou, do nada, o céu, a terra e tudo o que neles há (1) e ainda os sustenta e governa por seu eterno conselho e providência (2) . Ele é também meu Deus e meu Pai, por causa de seu Filho Cristo (3). NEle confio de tal maneira, que não duvido que dará tudo o que for necessário para meu corpo e minha alma (4); e que Ele transformará em bem todo mal que me enviar, nesta vida conturbada (5) . Tudo isto Ele pode fazer como Deus todo-poderoso (6) e quer fazer como Pai fiel (7) .


(1) Gn 1:1; Gn 2:3; Êx 20:11; Jó 33:4; Jó 38:4-11; Sl 33:6; Is 40:26; At 4:24; At 14:15. (2) Sl 104:2-5,27-30; Sl 115:3; Mt 10:29,30; Rm 11:36; Ef 1:11. (3) Jo 1:12; Rm 8:15; Gl 4:5-7; Ef 1:5. (4) Sl 55:22; Mt 6:25,26; Lc 12:22-24. (5) Rm 8:28. (6) Rm 8:37-39; Rm 10:12; Ap 1:8. (7) Mt 6:32,33; Mt 7:9-11.

Como é claramente perceptível, o Catecismo de Heidelberg se utiliza da primeira sentença do Credo Apostólico (séc. II – VI) na formulação da pergunta 26, uma vez que o referido credo foi amplamente aceito pelas igrejas reformadas como sendo uma genuína expressão da fé que nos foi legada pelos apóstolos de Cristo. E a resposta a essa pergunta não poderia ser mais esplêndida. Ela não diz apenas que Deus criou “do nada” (ex nihilo) todas as coisas, mas faz questão de frisar que Ele é “meu Deus e meu Pai, por causa de seu Filho Cristo”. É somente por intermédio de Jesus Cristo que alguém pode se apropriar do amor paternal de Deus. O Catecismo também faz questão de acentuar a necessidade de confiarmos total e irrestritamente no fato de que Deus nos dará tudo o que for necessário para nossos corpos e almas. Ou seja, Deus não apenas proverá nosso alimento material (“necessário para meu corpo”), mas também o espiritual ([necessário] para minha alma”). Em tempos onde os crentes andam tão vacilantes quanto à certeza da divina provisão para as suas necessidades mais básicas (tanto materiais quanto espirituais), a inabalável convicção exposta nessa resposta deve nos servir de exemplo. Precisamos crer que o mesmo Deus que cria é o mesmo Deus que supre. O Catecismo ainda diz, alinhado ao que Paulo fala sobre todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que amam a Deus (Rm 8.28),  que o próprio Deus converterá todo mal que Ele nos enviar em bem, enquanto aqui estivermos. O mesmo Deus que das trevas fez resplandecer a luz é o mesmo Deus que fará redundar em glória as agruras pelas quais passamos aqui nesta terra. A última sentença da resposta não poderia ser mais categórica: Deus pode nos provar pelo seu soberano poder, e quer nos livrar por sua fidelidade paternal.

Referindo-se à divina Providência, doutrina que está intimamente ligada à doutrina da Criação, o Catecismo ainda nos diz, em resposta à pergunta 27 (“O que você entende por ‘Providência de Deus?’”), que “ervas e plantas, chuva e seca [Jr 5.24; At 14.17] , anos frutíferos e infrutíferos, comida e bebida, saúde e doença, riqueza e pobreza [Pv 22.2; Jo 9.3] e todas as coisas [Pv 16.33; Mt 10.29] não nos sobrevem por acaso, mas de sua mão paternal”. Deus, por ser onipotente e onisciente, não apenas “sustenta continuamente o céu e a terra e todas as criaturas” (providência), mas também os governa de tal modo que Sua Soberania seja a todos evidenciada.  Notem os queridos leitores que o Catecismo inclui a “seca”, os “anos infrutíferos”, a “doença” e a “pobreza” na categoria daquelas coisas que “não nos sobrevem por acaso”. Se for assim, quem é que está por trás disso tudo? “É a ‘mão paternal’ de Deus” – responde o Catecismo. ABRE PARÊNTESE. Os propagadores do Teísmo Aberto (heresia que nega, dentre outras coisas, o absoluto controle de Deus sobre todas as coisas) odiariam esta afirmação. Nesse caso, não é um problema deles com o Catecismo, e sim, um problema deles com as Escrituras. FECHA PARÊNTESE.

Mas, afinal, “que benefício há em sabermos que Deus criou todas as coisas e que continuamente as sustenta pela sua providência” (Pergunta 28)? Chegamos, então, ao “filé mignon” da exposição que o Catecismo faz da doutrina da Criação. E a resposta é:

Para que tenhamos paciência em toda adversidade (1) e mostremos gratidão em toda prosperidade (2) e para que, quanto ao futuro, tenhamos a firme confiança em nosso fiel Deus e Pai, de que criatura alguma nos pode separar do amor dEle (3) . Porque todas as criaturas estão na mão de Deus, de tal maneira que sem a vontade dEle não podem agir nem se mover (4) .

(1) Jó 1:21,22; Sl 39:9; Rm 5:3,4; Tg 1:3. (2) Dt 8:10; 1Ts 5:18. (3) Sl 55:22; Rm 5: 4,5; Rm 8:38,39. (4) Jó 1:12; Jó 2:6; Pv 21:1; At 17:25-28.

Dificilmente alguém enxergaria algum benefício prático em se possuir uma perspectiva correta sobre a doutrina da criação. “E daí? O que é que eu ganho com isso? Que diferença isso fará na minha vida?” – é o que pensa a maioria das pessoas (em tom de desdém), inclusive alguns crentes. E o Catecismo, mais uma vez de forma mui apropriada, nos instrui de forma singular.

Que benefício há em sabermos destas coisas? Para que tenhamos a paciência de Jó (Jo 1.21) e do salmista Davi, que no meio da adversidade reconheceu tanto a soberania quanto a providência do Seu Criador: “Emudeço, não abro os meus lábios porque tu fizeste isso” (Sl 39.9 – itálico meu). Que benefício há em sabermos destas coisas? Para que sejamos gratos a Deus quando as coisas estiverem dando certo. Não devemos lembrar de Deus apenas quando o cerco se fecha contra nós. Não devemos lembrar de que Ele é o Criador de todas as coisas apenas quando a terra treme, ou quando a chuva cai copiosa e arrasadoramente, momentos estes em que costumamos clamamos por Sua misericórdia e graça, mas devemos ser gratos em todo tempo e em qualquer circunstância. Foi exatamente isso que Ele recomendou ao povo de Israel: “Comerás, e te fartarás, e louvarás o Senhor, teu Deus, pela boa terra que ele te deu” (Dt 8.20). Que benefício há em sabermos destas coisas? Para que a incerteza quanto ao futuro não assalte nossos corações com aquele tipo de pavor que é próprio dos incrédulos. Foi Jesus mesmo quem disse para não andarmos preocupados com a nossa vida, quanto ao que haveremos de comer e beber, nem quanto ao nosso corpo, quanto ao que haveremos de vestir. Segundo o próprio Mestre, esse tipo de ansiedade é uma particularidade dos pagãos. Ele mesmo é quem nos garante que o mesmo Deus que criou e veste as ervas dos campos é o mesmo Deus que cuida (e continuará cuidando!) de nós (Mt 7.25-34). Que benefício há em sabermos destas coisas? Para sabermos, finalmente, que todas as coisas, absolutamente todas as coisas, estão sob o domínio de Deus. Não apenas as coisas visíveis, como as chuvas e os terremotos, mas também as coisas invisíveis, como os principados e potestades que habitam nas regiões celestes. Inclusive o diabo, que, como dizia Lutero, é “o diabo de Deus”. Mas o bom de tudo é saber que nada, absolutamente nada disso poderá nos separar do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, nosso Senhor (Rm 8. 31-39). Aleluia!

Saber destas coisas faz toda a diferença, meus amados. A vontade que me dá é de não parar mais de escrever sobre estas verdades tão maravilhosas. No momento em que escrevo estas linhas passa em minha memória um filme da minha breve vida, de como Deus tem sido misericordioso para comigo, um pecador. Não posso ser outra coisa senão grato a Ele por tão grande amor. Infelizmente, nem sempre é dessa forma que encaramos certos temas teológicos. Geralmente nem nos esforçamos para enxergar sequer uma pontinha de “possibilidade devocional” em nossas elucubrações. Por isso, agradeço a Deus pelo Catecismo de Heidelberg, que me fez enxergar a teologia (doutrina) da Criação por um prisma, digamos, “diferente” – o da piedade.

Soli Deo Gloria!!!

22 de março de 2010

De pecadores mortos a santos vivificados

Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus (Ef 2:8)

INTRODUÇÃO

Na primeira mensagem dessa série, lemos que Paulo escreveu a santos e fiéis em Cristo. Santos significa separados para Deus e fiéis quer dizer crentes em Jesus. Porém, a Bíblia diz que "todos pecaram e separados estão da glória de Deus" (Rm 3:23). Diz também que "o salário do pecado é a morte" (Rm 6:23). Como então pecadores mortos passam a ser santos vivos? É esse processo que Paulo explica na passagem que iremos meditar nesta noite.

Na primeira parte do capítulo primeiro, Paulo fala do planejamento da nossa salvação pelo Pai, do provimento dos meios para nossa salvação pelo Filho e da execução dessa salvação pelo Espírito Santo. Agora Paulo se detém a explicar o que aconteceu na prática com cada pessoa que experimentou a salvação de Deus, de como elas passaram de defuntos espirituais  a novas criaturas em Cristo.

Você precisa apreciar, valorizar o que recebeu de Cristo. Mas para isso, precisa considerar tr~es coisas: que você estava morto e separado de Deus, que você foi vivificado em Cristo e que tudo isso foi feito exclusivamente pelo Espírito Santo.

I ESTANDO VÓS MORTOS EM OFENSAS E PECADOS, 2:1

Tudo começou com nosso primeiro pai, Adão. Ele recebeu uma ordem de Deus, não poderia comer do fruto da árvore no meio do jardim. Deus havia sido bem claro: "De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gn 2:16-17). Desde Adão, todos os homens nascem mortos espiritualmente, pois "como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram" (Rm 5:12).

Paulo apresenta as provas dessa morte espiritual, ao dizer que

1. Andávamos "segundo o curso deste mundo", 2:2a

Os padrões do mundo são opostos à Lei de Deus. Existe uma incompatibilidade, que a Bíblia chama de inimizade entre o mundo e Deus, a ponto de que se alguém quer ser amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus. E de fato, a forma como andávamos anteriormente fazia de nós inimigos de Deus (Rm 5:10)

2. Andávamos "segundo o príncipe das potestades do ar", 2:2b

Como "todo o mundo está no maligno" (1Jo 5:19), andar segundo os rudimentos do mundo é, em última análise, fazer a vontade do Diabo. Mesmo sem saber, quem está no mundo faz a vontade do Diabo e não a vontade de Deus. Pois quem opera neles não é o Espírito santo, mas "espírito que agora opera nos filhos da desobediência" (2:2).

3. Andávamos "nos desejos da nossa carne", 2:3

Além de nos conformar com o mundo separado de Deus, de agir sob influência do Diabo, também nos entregávamos à concupiscência de nossa carne, "fazendo a vontade da carne e dos pensamentos" (2:3). Quando Adão pecou, ele arruinou a nossa natureza, que ficou corrompida pelo pecado. Passamos a ter uma vontade contrária á vontade de Deus, de modo que até mesmo nossos pensamentos tornaram-se pecaminosos.

Era assim que andávamos, como amantes do mundo e inimigos de Deus, dominados pelo espírito maligno e não pelo Espírito Santo e servos de nossa vontade caída e não da vontade santa de Deus. Isso fazia de nós "filhos da desobediência" e "filhos da ira". Por nossa desobediência estávamos destinados à ira, se Deus não fizesse algo por nós. Mas Ele fez!

II NOS VIVIFICOU JUNTAMENTE COM CRISTO, 2:5

1. Motivado "pelo seu muito amor com que nos amou", 2:4

Paulo se refere a Deus como "riquíssimo em misericórdia" (2:4). Não fosse Seu grande amor para com pecadores irremediáveis, nós permaneceríamos mortos até finalmente experimentarmos a segunda morte, a condenação e tormento eterno. Mas movido por grande amor, foi misericordioso e nos deu vida com Cristo, livrando-nos das algemas da morte.

2. Ele "nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus", 2:6

Mais que apenas nos vivificar, o Senhor nos exaltou às regiões celestiais, em Cristo. Como a igreja é o Corpo de Cristo, que está assentado nos céus, desde agora ela está assentada nos lugares celestiais na pessoa de Jesus. De defuntos espirituais jogados nas profundezas da terra e separados de Deus, fomos transportados para as alturas celestiais, na presença de Deus!

3. Para mostrar as "as abundantes riquezas da sua graça", 2:7

Para que Deus fez tudo isso? Paulo nos diz que foi para mostrar "nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus". Deus é glorificado por Sua justiça quando aplica a justa condenação àqueles que rejeitam seu Filho Jesus Cristo. Mas muito mais Ele é glorificado ao exibir, por toda a eternidade, a riqueza de sua graça com pecadores redimidos e ressuscitados com Seu Filho!

III ISTO NÃO VEM DE VÓS, É DOM DE DEUS, 2:8

Agora precisamos abordar um ponto fundamental e que muitas vezes é ignorado. Tranformar pecadores mortos em pessoas nascidas de novo é uma obra exclusiva de Deus. Um morto não pode fazer nada por si mesmo. Somente depois de ser vivificado é que alguém pode esboçar qualquer reação. Paulo faz questão de deixar isso claro na passagem que estamos analisando.

1. "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas", 2:5

Nunca é demais relembrar este ponto: nós ainda estávamos mortos quando fomos renovados em nossa vontade, mente e coração. Um morto não tem fé, então precisar viver antes de crer. Um morto não se arrepende, então precisa viver antes de confessar seus pecados. Por isso, os que nasceram de novo "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus" (Jo 1:13). Deus usa de misericórdia e vem até nós quando estamos mortos e incapazes de fazer qualquer coisa para cooperar com Sua obra em nós.

2. "Não vem das obras, para que ninguém se glorie", 2:9

A nossa ressurreição com Cristo não vem de algo que possamos fazer. Obras são coisas que o homem faz. E não há nada que o homem possa fazer para ajudar na sua salvação. Se o homem operasse ou cooperasse com sua salvação, teria motivos para se orgulhar disso. O glória não seria toda de Deus, que pelo menos uma parte teria que dividir com o homem. Mas a Bíblia é taxativa: a salvação não vem de obras humanas, logo não há motivo para ele se gloriar.

3. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé", 2:8

A salvação é uma obra divina, do começo ao fim. Paulo diz que somos salvos pela graça. O fundamento de nossa salvação é a graça de Deus, é porque Deus quis nos salvar, mesmo sem mérito algum, que somos salvos. Tudo o que é necessário para nossa salvação é provido por Deus, até mesmo a fé. A fé é necessária para a salvação, pois somente quem crê é salvo por Deus. Mas é Deus quem nos capacita a crer, em outras palavras, a fé também é um dom de Deus!

CONCLUSÃO

Um erro comum é pensar que como a salvação é pela graça somente e não pelas obras, não precisamos viver uma vida de santidade ou realizar boas obras. O ensino de Paulo é bastante claro. Embora o novo nascimento não dependa de boas obras, estas tem o seu lugar na vida daqueles que nasceram de novo. Primeiro, que "fomos criados para boas obras" (2:10). Não realizamos boas obras para sermos salvos, mas somos salvos para realizar boas obras. As boas obras não são a causa, mas a consequência da salvação. Em segundo lugar, as boas obras "Deus preparou para que andássemos nela" (2:10). Isto significa que mesmo quando realizamos boas obras, e devemos realizá-las, não podemos nos orgulhar disso, "porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:13).

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

19 de março de 2010

Carta a Ricardo: Sobre o deus dos recados (“scraps”)

Caro Ricardo [*],

Tenho recebido vários recados (scraps) seus no Orkut. Pra ser sincero, não leio todos. Não por falta de consideração a você, que tenho em grande estima, e sim por falta de tempo mesmo, ainda mais agora que estou sem internet em casa. Mas o motivo pelo qual estou te enviando a presente carta, quer dizer, e-mail, é para manifestar a minha insatisfação com alguns recados do tipo “evangelístico” que tenho recebido ultimamente. Como os tais possuem mais ou menos o mesmo conteúdo, vou citar apenas um. Ei-lo:

Oi, preciso de um favor!!!!

Bom dia e desculpe te incomodar é que é muito urgente. Tenho um amigo que veio de muito longe e precisa ficar em algum lugar. Sendo assim, indiquei sua casa. Te peço que o receba e o ame. O nome dele é Jesus Cristo.

Agora diga bem baixo: Pode entrar Senhor, eu preciso de Ti, limpa meu coração com Teu sangue e abençoe a minha família.

Se acredita em Deus envia esta mensagem a 20 pessoas, se rejeitar lembre do que Jesus disse: “SE ME NEGAS ENTRE OS HOMENS,TE NEGAREI DIANTE DO PAI”.

Mesmo sem saber se o texto é de sua autoria (pois minha esposa já recebeu esse recado também, e não foi você quem enviou), somente o fato de você repassá-lo a outras pessoas revela que, no fundo, no fundo, abraças a teologia contida nesse scrap. Pra você não dizer que estou sendo radical e “chato” (cansei de ouvir você me chamar disso – rsrsrs!) demais, gostaria que você considerasse minhas razões.

Eu sei que Jesus certa feita disse que “o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8.20).  Todavia, este versículo não justifica nem apoia coisas do tipo “tenho um amigo que veio de muito longe e precisa ficar em algum lugar. Sendo assim, indiquei sua casa. Te peço que o receba e o ame. O nome dele é Jesus Cristo”. É bom que observemos, Ricardo, que no contexto em que Jesus falou que não tinha onde reclinar a cabeça ele estava, na realidade, pondo à prova aqueles que queriam segui-lo. O versículo 18 do aludido capítulo de Mateus diz que Jesus percebeu que havia “muita gente” ao seu redor. Foi quando um escriba (sugestivo isso, não?) aproximou-se dele e lhe falou: “Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores” (v. 19). Foi aí que Jesus, que sonda e conhece as reais intenções do coração, respondeu-lhe: “as raposas tem seus covis, e as aves dos céus, ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (v. 20 – itálico meu). Isso significa que Jesus sabia que aquele escriba que pretendia segui-lo na realidade não estava nem um pouco disposto a negar-se a si mesmo. Como se percebe, esse texto (se é que você estava pensando nele de fato) não advoga esse tipo de teologia contida no seu recado, Ricardo! Além do mais, o modo como você coloca as sentenças transforma Jesus num pobre coitado que fica mendigando o favor dos homens para repousar em algum coração que queira recebê-lo. Esse tipo de apelo não receberia apoio nem mesmo de alguns arminianos mais fervorosos que conheço.

E tem mais. Essa coisa de dizer bem baixinho para o Senhor entrar no meu coração combina muito bem com o espírito poético-meloso da pós-modernidade, bem como com as práticas finneyanas (semi-pelagianas pragmáticas) de evangelismo, mas não com as Escrituras. Até hoje, depois de uma intensa e cansativa busca, não consegui encontrar em lugar nenhum da Bíblia qualquer texto que apoie isso. E se você estiver pensando em Apocalipse 3.20, onde Jesus diz: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo”, pode ir tirando seu cavalinho da chuva. Jesus está falando de arrependimento, o que é bem diferente dessa coisa de dizer “entra no meu coração”. Geralmente, as pessoas pedem para Jesus entrar nos seus corações quando não estão dispostas a se arrepender dos seus maus caminhos. “Entra no meu coração, Senhor”… bom, sim, mas e daí? Onde está o arrependimento, a regeneração? E o pior de tudo, Ricardo, é que tem tanta gente por aí pensando que é salva somente porque repetiu uma oração do tipo “entra no meu coração, Senhor”! Será que Jesus “entraria” num coração que não se arrependeu genuinamente, num coração que não foi regenerado pelo Espírito? Será que Jesus se deixaria levar por um pedido tão inócuo como esse?

E ainda tem mais, Ricardo. É justamente pelo fato de eu acreditar em Deus (quero dizer, no Deus da Bíblia) que eu não repassarei esta mensagem a 20, 50 ou a “x” pessoas. Prefiro falar-lhes nos termos da Palavra, e não de scraps sem conteúdo. E penso que com isso eu não esteja negando a Jesus. Lembre-se: scrap (do inglês) significa “pedaço”; “recorte”; “fragmento”. Também pode significar “refugo”; “sobras”; “sucata”. E é exatamente isso que esse tipo de recado é, Ricardo: apenas um pedaço, um recorte de evangelho, não sua totalidade. Isso quando não se torna uma verdadeira sucata; sobras de teologia barata. Lembro-te de que quando o apóstolo Paulo se despedia dos presbíteros de Éfeso ele lhes disse que não deixou de anunciar-lhes “todo o desígnio de Deus” (At 20.27). Imagine, Ricardo, se Paulo aderiria à moda dos scraps para instruir uma pessoa nos retos caminhos do Senhor? Penso que jamais.

Perdoe-me o tom não muito amistoso, caro amigo (que paradoxo! rsrsrs!), mas meu alvo não é a sua pessoa, e sim a teologia que seu recado carrega. Insisto em dizer que esse tipo de coisa, apesar de bem intencionada, não está respaldada pelas Escrituras. Também quero te pedir um favor: não me envie mais mensagens desse tipo, pois não terei o mínimo de consideração por elas (ah! se eu pudesse bloquear o recebimento de certos tipos de recados…). Não duvide que eu deletarei todas imediatamente assim que vê-las. Em vez disso, pergunte-me como é que vão as coisas por aqui em Santarém-PA. Aí sim, poderemos manter um contato, digamos, menos “beligerante” (rsrs!) e mais amistoso.

Um grande abraço!

Leonardo.

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[*] Ricardo é um amigo fictício, mas as circunstâncias são reais.

15 de março de 2010

Deus é injusto

"Há injustiça da parte de Deus?" Rm 9:14

Muitos tem dificuldades em aceitar algumas afirmações da Bíblia, pois entendem que se forem tomadas em seu sentido natural fazem de Deus injusto. As que tratam da eleição soberana são as que mais trazem dificuldades aos cristãos sinceros, preocupados em resguardar o Senhor da acusação de ser injusto.

A pergunta acima bem poderia ter sido feita por um desses crentes. Paulo citou as palavras de Deus: "Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú" (Rm 9:13). O senso comum é que Deus ama a todos os homens de igual maneira, portanto Ele afirmar que amava uma pessoa e se aborrecia de outra deporia contra a retidão de Seu caráter.

Quem conhece a história dos dois personagens sabe que, pela régua humana, se Jacó não fosse muito pior que Esaú, com certeza não seria o melhor dos dois. Desde o seu nascimento, passando pelo episódio da venda da primogenitura e chegando ao roubo da bênção paterna, Jacó era o típico aproveitador desonesto. Como poderia Deus amá-lo enquanto preteria seu irmão Esaú? Para piorar, há o momento em que essa escolha se deu. Paulo diz que "ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal" (Rm 9:11) e Deus já manifestara à mãe dos garotos que "o mais velho será servo do mais moço" (Rm 9:12). Portanto, Paulo sabia que ouviria a acusação de injustiça contra Deus. Mas sua resposta é um enfático "de modo nenhum!" (Rm 9:14).

Como pode ser isso, se Deus amou a Jacó e odiou (este é o sentido exato da palavra no original) Esaú? A palavra chave para resolver o problema é misericórdia, que garantiu que "o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama" (Rm 9:11). Deus diz "terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão" (Rm 9:15).

Para dissipar qualquer nuvem que paire sobre o caráter de Deus, é preciso entender o que é justiça e o que é misericórdia. Justiça é dar a cada um o que é devido e como ninguém merecia a salvação, se Deus condenasse a todos, não seria nem um pouco injusto. Por outro lado, graça e misericórdia é dar a alguém aquilo que ele não merece. Como ninguém tem direito à misericórdia, não pode acusar Deus de injustiça. Por ser a eleição graciosa, os eleitos não tem do que se vangloriar, pois não mereceram a graça, nem os que foram preteridos podem reclamar, pois não tiveram direitos violados.

Portanto, Deus é misericordioso com muitos sendo justo com todos.

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

11 de março de 2010

Conexões da criação com o resto da vida

A mentalidade departamentalizada é uma peste. Sutilmente invade o corpo de pensamentos de alguém, e passa a romper os vínculos entre as idéias. Quando menos espera, o indivíduo já capitulou diante da noção fragmentada de mundo, nada restando senão idéias desconexas em sua forma de interagir com a realidade.

O que sobra a partir daí são mini-discursos, completamente descomprometidos, sobre as partículas da realidade. Digo mini-discursos porque, na visão departamentalizada, é impossível pensar profundamente sobre as coisas. As implicações de uma idéia ou discurso só serão consideradas naquele nicho do qual se fala. E assim se ignora o valor de um pensamento para o todo da vida.

Alguns cristãos foram contaminados por isso. Ao lidarem com a Escritura, trabalham as doutrinas cristãs em uma categoria bastante restrita e limitada de "ensinamentos religiosos", separando-as do seu dia-a-dia.

Além disso, há os que fragmentam a relação existente entre as doutrinas em si, observando de maneira desassociada a eleição da justificação, a santificação da expiação, e assim por diante.

Quando o assunto é a criação, a coisa não é diferente. Para alguns, falar da criação é apenas afirmar que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Esta declaração resume a sua perspectiva do ensino contido nos primeiros capítulos do Gênesis. Mais do que isso: há quem comece a sua noção religiosa a partir de Gênesis 3, abandonando deliberadamente, ou desprezando inconscientemente, as implicações da criação para o resto da Escritura, bem como para a vida humana.

Quais seriam, então tais conexões entre a Criação e o resto da vida? Em que aspectos considerar o fato de que Deus criou o universo se torna importante? Vejamos:

1. Uma visão das origens é elemento determinante de uma cosmovisão

Devo este ponto a Nancy Pearcey, que deve a Francis Schaeffer, que foi influenciado em sua análise dos motivos básicos religiosos por Hans Rookmaaker, que, recebeu tal perspectiva de Herman Dooyeweerd.

Pearcey descreve, em sua obra "Verdade absoluta", como a base de uma cosmovisão está em sua compreensão das origens. Ela testa tal perspectiva, aplicando em visões como o marxismo, a perspectiva de Rousseau, a visão sexua de Margaret Sanger, e o budismo.

Todas estas visões demonstram uma noção do surgimento das coisas, que fundamenta o cerne de sua abordagem. Para que Margaret Sanger defenda a revolução sexual, por exemplo, é necessário que a sua visão da origem exclua um legislador inicial, ou algum padrão pessoal de moralidade. Ela rejeitou o criacionismo, e foi para o evolucionismo.e

E assim começamos a derrubar a noção de que a criação está desligada do resto de nossa forma de pensar e interagir com o mundo. Na verdade, e maneira como vemos a origem das coisas é fundamental para a forma como vamos encará-las.

2. A Criação ensina a origem pessoal do Universo

Esse ponto eu devo ao Schaeffer.

Um dos problemas que leva muitos ao desespero, está na observação de um universo impessoal e despropositado. Quando tudo o que se tem é um mundo sem objetivo e origem definida, o significado das coisas é inexistente. Eis o porquê de o existencialismo falar sobre a necessidade de legitimarmos a nossa existência através de nossas escolhas. Quando não há um significado real para tudo, precisamos fingir que ele existe, ou cedemos ao desespero.

O impacto disto é bem mais amplo. A origem pessoal do universo confere significado não apenas à natureza, mas à nossa própria existência. Confere valor e dignidade às coisas e pessoas, e pavimenta o caminho para uma forma saudável de nos relacionarmos com tudo o que existe.

3. A Criação revela a Deus

O ensinamento sobre a origem criacionista não apenas fala sobre um universo criado, mas sobre um universo criado por um Deus pessoal e infinito.

Isso abre as portas para o conhecimento do Criador. Considerar a doutrina da criação é atentar para o caráter criativo da Divindade, bem como Seus atributos de soberania, onipotência, independência e amor.

Na criação o Deus exaltado se torna conhecido. Aquele que habitava a eternidade cria um universo e pessoas com as quais Se relacionará.

Muitos outros pontos podem ser percebidos a partir destas considerações. A conexão da realidade criacional com o resto da vida é bastante intensa. Cada ponto acima descrito produz impacto sobre o modo como vivemos.

Cabe a nós sermos coerentes com a nossa criação à imagem e semelhança do Criador, e vivermos em um relacionamento não fragmentado com a realidade.

Soli Deo Gloria.

Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve às quintas no 5Calvinistas.

10 de março de 2010

Um eufemismo para Deus

Eufemismo é uma figura de linguagem que usamos quando queremos amenizar as coisas. Por exemplo, quando se quer dizer que fulano de tal morreu, diz-se que ele “passou desta para melhor” (mesmo que o fulano não tenha crido em Cristo para a remissão dos seus pecados). Quando um jogador de futebol é afastado do grupo por andar mal das pernas, geralmente o técnico justifica sua decisão com a “insuficiência técnica” do atleta (o que, traduzindo, quer dizer: “ou melhora ou vai ficar aí esquentando banco”). Quando o patrão quer dizer ao funcionário que este errou feio, para não endossar mais ainda aquela imagem de que todo patrão é carrasco, ele diz que o funcionário “deixou muito a desejar” (essa tática já tá tão desgastada que os empregados já encaram isso como um eufemismo para o temido aviso prévio). Um caso curioso é o da minha mãe. Ela não gosta de pronunciar a palavra “câncer”, pois, segundo ela, uma doença tão ruim como esta não é bom que a pronunciemos. Em vez disso, ela diz simplesmente que a pessoa está com aquela “doença ruim”, que às vezes ela acaba abreviando para “CA” (morro de rir com a minha mãe!).

A moda da linguagem eufêmica pegou entre as pessoas  que costumam conversar sobre Deus (que não são necessariamente teólogos, clérigos, filósofos e afins), inclusive entre muitos cristãos professos, que adoram fazer uso desse artifício nos debates mais acalorados. Quando isso acontece, eles geralmente fogem para bem longe do Deus revelado nas Escrituras, e procuram uma outra forma de descrevê-lO e encará-lO, o que geralmente fazem diminuindo-O (quando não esvaziando-O) de seus atributos. Isso equivale a dizer, sem eufemismos, que um outro deus totalmente diferente do Deus de Abraão, Isaque e Jacó é apresentado; “um deus menor que Deus”, como diria meu amigo Roberto Vargas Jr.

Uma das situações mais propícias para se eufemizar a Deus é quando algo de muito ruim acontece. Por exemplo, diante das tragédias que tem devastado vários países ao redor do mundo, muitos cristãos logo se apressam em isentar Deus da culpa, procurando de todas as formas uma linguagem que torne Deus mais palatável ao homem pós-moderno. Essa seria uma atitude bastante louvável se tivesse como referencial o próprio Deus, mas, como tem se tornado evidente, não é isso que acontece. Parece que muitos que dizem crer nas Escrituras como sendo a Palavra infalível de um Deus infalível se envergonham diante da possibilidade de alguém atribuir crueldade a um Deus que sempre foi tido como sendo o Todo-Amoroso. Para os tais, seria trágico demais furtar das pessoas toda aquela noção que elas herdaram de Deus como um pai sempre disposto a perdoar, de braços abertos. Isso naturalmente estimula os pseudo-apologistas (ainda que sinceros, não passam de falsos)  a fazerem as suas pseudo-apologias da fé (fé?) cristã (cristã?), utilizando-se do recurso leve e agradável da linguagem branda, aquela que não repele nem assusta, e que visa a trazer Deus para mais perto, bem para perto, quase que mortalizando-O (esse “quase” foi eufêmico demais).

O que é pior nisso tudo, e o que as pessoas mais custam a aceitar, é que a eufemização de Deus acaba por negá-lO. Na realidade, ela acaba se transformando no próprio capuz da descrença, uma forma disfarçada de dizer que o Deus dos antigos não é mais bem-vindo. Certas designações bíblicas para Deus, como Todo-Poderoso, Soberano, Altíssimo e etc., não se encaixam mais nos parâmetros de degustabilidade adotados pela cristandade light contemporânea. Negando o Deus “tradicional” dos pobres e antiquados ortodoxos, os neo-teístas se tornam os novos herois da nova “fé”, exatamente porque enchem de riso a boca daqueles que esperam pelas “novas boas-novas” (aquele outro evangelho ao qual Paulo se referiu em Gálatas 1.9). 

Um grupo que bem representa o perfil que acabo de descrever é o pessoal que propaga o Teísmo Aberto. Em minha opinião, eles são os maiores especialistas na arte de se esconder debaixo da carapuça eufêmica da incredulidade (tipo A Cabana, sabe?). Ao atribuirem as catástrofes à mera casualidade, por exemplo, eles estão simplesmente negando a Deus como o Supremo Criador, Provedor e Senhor Absoluto de todas as coisas. Em outras palavras, eles estão negando o Deus que as Escrituras apresentam. Sua influência tem sido tão forte no linguajar gospel contemporâneo que dificilmente as pessoas conseguem pensar em Deus de outra forma, ou seja, da forma bíblica. Infelizmente, muitos são aqueles que estão dando as boas-vindas a esse tipo de ensino, considerando-o como digno de ser tolerado dentro dos limites da diversidade cristã. Até mesmo alguns cristãos conservadores tem procurado evitar o assunto, relegando-o à esfera das “questões indiferentes”, justamente para não serem tachados de fundamentalistas no meio do arraial.

Sem eufemismos agora (mas com algumas ironias aqui e acolá), gostaria de dizer que o evangelho não precisa ser eufemizado para se tornar mais eficaz, e nem Deus precisa ter seus atributos mais abrandados para que afirmemos o seu amor incondicional por nós, pecadores. Não é uma linguagem melíflua que tornará Deus mais bonzinho. Os atributos de Deus continuam intocáveis, mesmo com todo o malabarismo teológico empreendido por certas pessoas. A pena que estas sofrerão, e disso tenho certeza, não será nada eufêmica. Mas se eu fosse dar um eufemismo para Deus, bem… Prefiro deixar como está.

Soli Deo Gloria!!!

8 de março de 2010

O poder de Deus para salvação

"Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego" Rm 1:16

Hoje em dia é comum a expressão "deixei de ser evangélico". Levando-se em conta os escândalos em que se envolvem políticos evangélicos, a exploração religiosa de muito tele-evangelistas e do mau testemunho de pessoas que se dizem evangélicas, a reação é compreensível. Porém, considerando que o termo evangélico tem sua origem na palavra evangelho, o repúdio me soa como contrário à Paulo dizendo "não me envergonho do evangelho". E, parece-me que tentar "descolar" nossa pessoa daqueles que envergonham o evangelho, não é bem o exemplo bíblico a ser seguido, mas isto é uma outra questão, para uma outra hora. Interessa-nos, de momento, meditar na passagem acima.

O evangelho

Evangelho significa literalmente boas novas ou boas notícias. São, portanto, boas notícias de Deus para os pecadores. Esta é a quarta vez, em cinco, que Paulo faz referência a evangelho na introdução (1:1-17) de sua carta aos crentes de Roma. Isto demonstra a importância que ele dá à mensagem à qual foi incumbido pregar. Ao dizer que não se envergonhava do evangelho, não apenas referia-se à dignidade do mesmo, mas evidenciava a sua confiança de que o evangelho era a única solução para o problema da raça caída. O evangelho é a única coisa que os pecadores realmente precisam ouvir.

Precisamos fazer referência ao conteúdo do evangelho. Pois em meio a tantos evangelhos, corre-se o risco de se falar de uma coisa e ser entendida outra. O evangelho de que Paulo tinha em mente era a mensagem de que o Filho de Deus encarnarnou neste mundo e aqui viveu uma vida perfeita em nosso favor, que morreu em nosso lugar na cruz, expiando nossos pecados, que ressuscitou ao terceiro dia e subiu ao céu e que prometeu voltar para Seu povo. Cristo é a tanto a origem como o conteúdo do evangelho.

O poder do evangelho

É essa mensagem que Paulo diz ser o poder de Deus para a salvação. Ao referir-se ao evangelho como poder de Deus, fica implícito que para que o homem seja salvo, é necessária a ação de uma força, o realizar de uma obra. Esta necessidade é justificada quando vemos que Paulo representa o pecado em Romanos como sendo uma força que domina e escraviza o homem e a criação, sendo que ninguém é capaz de se livrar por si mesmo. Assim, é necessário poder da parte de Deus para que o poder do pecado seja vencido, e este poder é o evangelho de Cristo pregado por Paulo.

Nos púlpitos de hoje, o poder do evangelho é pouco enfatizado. Isso decorre do fato de que o poder do pecado é substimado. O homem é apresentado como capaz de, por si mesmo, fazer boas escolhas e aceitar a salvação de Deus, sem que se opere nele uma força maior e contrária à sua inclinação ao pecado. Entretanto, quando a absoluta incapacidade e a completa escravidão do homem são admitidas, a necessidade e a realidade do poder do evangelho são reconhecidas e experimentadas. Mas onde o homem precisa ser apenas informado e não transformado, evangelhos água-com-açúcar tomam o lugar da mensagem poderosa de Deus, mas então a salvação não é realizada.

A finalidade do evangelho é operar a salvação nos seus ouvintes. Estando todas as faculdades do homem afetadas, na verdade dominadas pelo pecado, para que o mesmo seja salvo é necessário uma transformação tão profunda que é chamada de regeneração, novo nascimento, vivificação. Esta renovação poderosa é operada pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho e precede qualquer resposta do homem, mesmo a fé. Aliás, a fé é parte integrante do evangelho, como veremos a seguir.

A fé

A fé é tanto crença como confiança. Crer é aceitar a mensagem que está sendo pregada como verdadeira, mas também é confiar na pessoa de Cristo e em Sua obra em seu favor, abandonando qualquer tentativa de nos justificar diante de Deus por outros meios que não aqueles contidos na mensagem do evangelho.

Há uma idéia popular, porém errada, de que a fé é uma qualificação que alguns homens já possuem em si mesmo, antes que o evangelho chegue a eles. Porém, a verdade bíblica é de que fé não existe independente do evangelho, pelo contrário, a fé é gerada pela pregação. A fé só começa a existir como resposta ao evangelho, não antes dele. Pensar na fé como inerente à natureza humana ou mesmo pré-existente em alguns homens e que torna a mensagem do evangelho eficaz é atribuir, em última análise, a salvação à fé e não ao evangelho. Mas o poder está no evangelho.

A fé não é, enquanto resposta do homem ao evangelho, contribuição da parte dele, como se estivesse preenchendo uma condição estabelecida por Deus que capacita o evangelho para ser salvador. Fé é uma resposta, uma abertura ao evangelho, criada pelo próprio Deus. Ele não só dirige à mensagem ao ouvinte, mas também abre o coração dele à mensagem. A fé flui da obra de Cristo no Calvário e chega a nós pela mensagem do evangelho.

Para todo aquele que crê

Um questionamento pode surgir neste ponto. Se o que distingue os homens quanto à salvação é a fé e se esta é dada por Deus, então somente aqueles a quem Ele enviar a fé serão salvos. Não contradiz este fato o propósito universal da salvação, explicitado na frase "para todo aquele que crê"? É uma pergunta justa.

Creio que devemos considerar, primeiro, que embora a salvação seja sem distinção ("em primeiro lugar do judeu, mas também do grego"), não é, contudo, sem exceção. A própria cláusula "para todo aquele que crê" estabelece uma qualificação. Não são todos sem exceção, mas todos os que respondem com fé. Embora a proclamação do evangelho seja dirigida a todos, a operação do evangelho é apenas e para todos os que crêem. E crêem aqueles a quem Deus dá a fé.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras

3 de março de 2010

A divindade de Cristo e a inerrância bíblica

Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. (João 5:39)
A sociedade contemporânea possui visões bem diferentes sobre Jesus e a Bíblia. Normalmente, a maioria das pessoas tem uma visão positiva sobre Jesus. Embora a divindade dele não seja reconhecida por todos, pelo menos o reconhecem como um grande mestre. Agora, em relação à Bíblia...o cenário é bem diferente. Um livro retrógrado, machista, manipulado e ultrapassado...acreditar na Bíblia é sinônimo de ignorância nos círculos acadêmicos e na classe média brasileira.

Essa discrepância também se reflete na teologia, especialmente nas áreas influenciadas pela neo-ortodoxia, como é o caso da igreja emergente. Para esses grupos, o encontrar-se com Jesus, o sentir a Jesus é muito importante, mas defender a inerrância e a infalibilidade da Bíblia é um fundamentalismo que só atrapalha o crescimento da Igreja.

Contudo, desprezar a Bíblia é menosprezar a maior e mais confiável fonte que temos sobre a vida e o ensino de Jesus. Mais do que isso: se a Bíblia é falha e contém erros, então não podemos afirmar que Jesus Cristo é Deus.

Jesus acreditava no testemunho da Escritura
Em João 5, após curar um paralítico, Jesus faz um sermão a respeito de Sua divindade. Que testemunhas poderiam falar que Jesus Cristi era, de fato, Deus, o Filho do Pai? A primeira testemunha era o próprio Cristo (Jo 5:31). A segunda era João Batista (Jo 5:32-35). A terceira eram as obras que Ele fazia (Jo 5:36). A quarta era o próprio Pai, que falava, vejam só, por meio da Escritura!
O Pai que me enviou, esse mesmo é que te dado testemunho de mim. Jamais tendes ouvido a sua voz, nem visto a sua forma. Também não tendes a sua palavra permanente em vós, porque não credes naquele a quem ele enviou. Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. (João 5:37-39)
Como o Pai pode testificar a divindade do Filho, se o mundo não ouviu a voz d'Ele nem viu a Sua forma? Por meio da Palavra, ou mais precisamente, das Escrituras, da Bíblia.

Aqui, Jesus reconheceu que a Bíblia é a Palavra de Deus. Legitimou-a como sendo a forma pela qual o Pai dá testemunho d'Ele ao mundo. Se a Bíblia tem erros, então cremos em um Deus que também erra. Mas, se Ele erra, não pode ser "Deus", que é prefeito por definição. E aí, Jesus também não poderia sê-Lo, por nos apontar um testemunho falho e imperfeito.

Jesus acreditava no cumprimento perfeito da Escritura
Que valor devemos dar ao Antigo Testamento? Em que medida a Bíblia é confiável e perene? Para Jesus, a Bíblia é mais confiável e segura do que os céus e a terra:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. (Mateus 5:17-18)
O mundo passará, mas não a Palavra, este é o ensino de Jesus. Mais do que isso: Jesus viveria não para combater ou revogar a Escritura, mas sim para cumpri-la. Na verdade, o ensino do Cristo afirma que a grandeza de um homem se mede pela sua submissão à Bíblia:
Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. (Mateus 5:19)
Quem não crê na inerrância bíblica e passa esse ensino adiante, é considerado alguém mínimo por Jesus. Se a Bíblia possui falhas, então Jesus está profundamente enganado sobre como devemos medir a estatura espiritual de um ser humano.

Jesus acreditava nas histórias "absurdas" da Bíblia
Mas o que mais me chama atenção é que Jesus usou algumas das passagens mais fantásticas da Bíblia em seu ensino. A existência de Adão e Eva, o dilúvio e até mesmo o peixe engolindo o profeta Jonas...todos estes fatos que para o "cristão" pós-moderno não são nada...são preciosas bases em torno das quais Jesus ensina verdades importantíssimas.

A indissolubilidade do casamento e o amor monogâmico, por exemplo, podem ser vistos na criação de Adão e Eva:
Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. (Mateus 19:4-6)
Os homens devem se precaver para o dia do Juízo, porque será da mesma forma como foi o dilúvio:
Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim srá também a vinda do Filho do Homem. (Mateus 24:37-39)
A pregação de Jonas em Nínive e o fato do peixe tê-lo engolido por três dias são sinais para que creiamos na ressurreição de Jesus e nos arrependamos, em fé, de nossos pecados:
Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande pexe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra. Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui quem é maior do que Jonas. (Mateus 12:40-41)
Se achamos que o livro do profeta Jonas é uma novela, uma ficção (como alguns teólogos liberais pensam), então a fala de Jesus de que os ninivitas condenarão os incrédulos é uma grande ilusão, uma prova da simplicidade de um homem que acreditava em lendas como sendo verdade. Será que tal homem pode ser o Filho de Deus?

Conclusão
Estes fatos são suficientes para atestar uma ligação óbvia: a divindade de Jesus depende da inerrância bíblica. Não é possível chamar de Deus alguém que acredita que a Bíblia é a Palavra do Pai, que a considera a medida da estatuta espiritual das pessoas e baseia ensinos tão importantes em passagens que são consideradas uma fantasia pelo homem pós-moderno. Forçosamente, todo aquele que confessa a Jesus como Filho de Deus precisará reconhecer a Bíblia como um livro sem falhas. Ou então, terá que assumir a conseqüência lógica de rejeitar a divindade do Cristo.

Quanto a mim, mesmo que seja tachado de "pré-moderno" ou antiquado, prefiro crer como Jesus, até mesmo nas histórias mais fantásticas da Bíblia.