"Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego" Rm 1:16
Hoje em dia é comum a expressão "deixei de ser evangélico". Levando-se em conta os escândalos em que se envolvem políticos evangélicos, a exploração religiosa de muito tele-evangelistas e do mau testemunho de pessoas que se dizem evangélicas, a reação é compreensível. Porém, considerando que o termo evangélico tem sua origem na palavra evangelho, o repúdio me soa como contrário à Paulo dizendo "não me envergonho do evangelho". E, parece-me que tentar "descolar" nossa pessoa daqueles que envergonham o evangelho, não é bem o exemplo bíblico a ser seguido, mas isto é uma outra questão, para uma outra hora. Interessa-nos, de momento, meditar na passagem acima.
O evangelho
Evangelho significa literalmente boas novas ou boas notícias. São, portanto, boas notícias de Deus para os pecadores. Esta é a quarta vez, em cinco, que Paulo faz referência a evangelho na introdução (1:1-17) de sua carta aos crentes de Roma. Isto demonstra a importância que ele dá à mensagem à qual foi incumbido pregar. Ao dizer que não se envergonhava do evangelho, não apenas referia-se à dignidade do mesmo, mas evidenciava a sua confiança de que o evangelho era a única solução para o problema da raça caída. O evangelho é a única coisa que os pecadores realmente precisam ouvir.
Precisamos fazer referência ao conteúdo do evangelho. Pois em meio a tantos evangelhos, corre-se o risco de se falar de uma coisa e ser entendida outra. O evangelho de que Paulo tinha em mente era a mensagem de que o Filho de Deus encarnarnou neste mundo e aqui viveu uma vida perfeita em nosso favor, que morreu em nosso lugar na cruz, expiando nossos pecados, que ressuscitou ao terceiro dia e subiu ao céu e que prometeu voltar para Seu povo. Cristo é a tanto a origem como o conteúdo do evangelho.
O poder do evangelho
É essa mensagem que Paulo diz ser o poder de Deus para a salvação. Ao referir-se ao evangelho como poder de Deus, fica implícito que para que o homem seja salvo, é necessária a ação de uma força, o realizar de uma obra. Esta necessidade é justificada quando vemos que Paulo representa o pecado em Romanos como sendo uma força que domina e escraviza o homem e a criação, sendo que ninguém é capaz de se livrar por si mesmo. Assim, é necessário poder da parte de Deus para que o poder do pecado seja vencido, e este poder é o evangelho de Cristo pregado por Paulo.
Nos púlpitos de hoje, o poder do evangelho é pouco enfatizado. Isso decorre do fato de que o poder do pecado é substimado. O homem é apresentado como capaz de, por si mesmo, fazer boas escolhas e aceitar a salvação de Deus, sem que se opere nele uma força maior e contrária à sua inclinação ao pecado. Entretanto, quando a absoluta incapacidade e a completa escravidão do homem são admitidas, a necessidade e a realidade do poder do evangelho são reconhecidas e experimentadas. Mas onde o homem precisa ser apenas informado e não transformado, evangelhos água-com-açúcar tomam o lugar da mensagem poderosa de Deus, mas então a salvação não é realizada.
A finalidade do evangelho é operar a salvação nos seus ouvintes. Estando todas as faculdades do homem afetadas, na verdade dominadas pelo pecado, para que o mesmo seja salvo é necessário uma transformação tão profunda que é chamada de regeneração, novo nascimento, vivificação. Esta renovação poderosa é operada pelo Espírito Santo através da pregação do evangelho e precede qualquer resposta do homem, mesmo a fé. Aliás, a fé é parte integrante do evangelho, como veremos a seguir.
A fé
A fé é tanto crença como confiança. Crer é aceitar a mensagem que está sendo pregada como verdadeira, mas também é confiar na pessoa de Cristo e em Sua obra em seu favor, abandonando qualquer tentativa de nos justificar diante de Deus por outros meios que não aqueles contidos na mensagem do evangelho.
Há uma idéia popular, porém errada, de que a fé é uma qualificação que alguns homens já possuem em si mesmo, antes que o evangelho chegue a eles. Porém, a verdade bíblica é de que fé não existe independente do evangelho, pelo contrário, a fé é gerada pela pregação. A fé só começa a existir como resposta ao evangelho, não antes dele. Pensar na fé como inerente à natureza humana ou mesmo pré-existente em alguns homens e que torna a mensagem do evangelho eficaz é atribuir, em última análise, a salvação à fé e não ao evangelho. Mas o poder está no evangelho.
A fé não é, enquanto resposta do homem ao evangelho, contribuição da parte dele, como se estivesse preenchendo uma condição estabelecida por Deus que capacita o evangelho para ser salvador. Fé é uma resposta, uma abertura ao evangelho, criada pelo próprio Deus. Ele não só dirige à mensagem ao ouvinte, mas também abre o coração dele à mensagem. A fé flui da obra de Cristo no Calvário e chega a nós pela mensagem do evangelho.
Para todo aquele que crê
Um questionamento pode surgir neste ponto. Se o que distingue os homens quanto à salvação é a fé e se esta é dada por Deus, então somente aqueles a quem Ele enviar a fé serão salvos. Não contradiz este fato o propósito universal da salvação, explicitado na frase "para todo aquele que crê"? É uma pergunta justa.
Creio que devemos considerar, primeiro, que embora a salvação seja sem distinção ("em primeiro lugar do judeu, mas também do grego"), não é, contudo, sem exceção. A própria cláusula "para todo aquele que crê" estabelece uma qualificação. Não são todos sem exceção, mas todos os que respondem com fé. Embora a proclamação do evangelho seja dirigida a todos, a operação do evangelho é apenas e para todos os que crêem. E crêem aqueles a quem Deus dá a fé.
Soli Deo Gloria
Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras
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