A mentalidade departamentalizada é uma peste. Sutilmente invade o corpo de pensamentos de alguém, e passa a romper os vínculos entre as idéias. Quando menos espera, o indivíduo já capitulou diante da noção fragmentada de mundo, nada restando senão idéias desconexas em sua forma de interagir com a realidade.
O que sobra a partir daí são mini-discursos, completamente descomprometidos, sobre as partículas da realidade. Digo mini-discursos porque, na visão departamentalizada, é impossível pensar profundamente sobre as coisas. As implicações de uma idéia ou discurso só serão consideradas naquele nicho do qual se fala. E assim se ignora o valor de um pensamento para o todo da vida.
Alguns cristãos foram contaminados por isso. Ao lidarem com a Escritura, trabalham as doutrinas cristãs em uma categoria bastante restrita e limitada de "ensinamentos religiosos", separando-as do seu dia-a-dia.
Além disso, há os que fragmentam a relação existente entre as doutrinas em si, observando de maneira desassociada a eleição da justificação, a santificação da expiação, e assim por diante.
Quando o assunto é a criação, a coisa não é diferente. Para alguns, falar da criação é apenas afirmar que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Esta declaração resume a sua perspectiva do ensino contido nos primeiros capítulos do Gênesis. Mais do que isso: há quem comece a sua noção religiosa a partir de Gênesis 3, abandonando deliberadamente, ou desprezando inconscientemente, as implicações da criação para o resto da Escritura, bem como para a vida humana.
Quais seriam, então tais conexões entre a Criação e o resto da vida? Em que aspectos considerar o fato de que Deus criou o universo se torna importante? Vejamos:
1. Uma visão das origens é elemento determinante de uma cosmovisão
Devo este ponto a Nancy Pearcey, que deve a Francis Schaeffer, que foi influenciado em sua análise dos motivos básicos religiosos por Hans Rookmaaker, que, recebeu tal perspectiva de Herman Dooyeweerd.
Pearcey descreve, em sua obra "Verdade absoluta", como a base de uma cosmovisão está em sua compreensão das origens. Ela testa tal perspectiva, aplicando em visões como o marxismo, a perspectiva de Rousseau, a visão sexua de Margaret Sanger, e o budismo.
Todas estas visões demonstram uma noção do surgimento das coisas, que fundamenta o cerne de sua abordagem. Para que Margaret Sanger defenda a revolução sexual, por exemplo, é necessário que a sua visão da origem exclua um legislador inicial, ou algum padrão pessoal de moralidade. Ela rejeitou o criacionismo, e foi para o evolucionismo.e
E assim começamos a derrubar a noção de que a criação está desligada do resto de nossa forma de pensar e interagir com o mundo. Na verdade, e maneira como vemos a origem das coisas é fundamental para a forma como vamos encará-las.
2. A Criação ensina a origem pessoal do Universo
Esse ponto eu devo ao Schaeffer.
Um dos problemas que leva muitos ao desespero, está na observação de um universo impessoal e despropositado. Quando tudo o que se tem é um mundo sem objetivo e origem definida, o significado das coisas é inexistente. Eis o porquê de o existencialismo falar sobre a necessidade de legitimarmos a nossa existência através de nossas escolhas. Quando não há um significado real para tudo, precisamos fingir que ele existe, ou cedemos ao desespero.
O impacto disto é bem mais amplo. A origem pessoal do universo confere significado não apenas à natureza, mas à nossa própria existência. Confere valor e dignidade às coisas e pessoas, e pavimenta o caminho para uma forma saudável de nos relacionarmos com tudo o que existe.
3. A Criação revela a Deus
O ensinamento sobre a origem criacionista não apenas fala sobre um universo criado, mas sobre um universo criado por um Deus pessoal e infinito.
Isso abre as portas para o conhecimento do Criador. Considerar a doutrina da criação é atentar para o caráter criativo da Divindade, bem como Seus atributos de soberania, onipotência, independência e amor.
Na criação o Deus exaltado se torna conhecido. Aquele que habitava a eternidade cria um universo e pessoas com as quais Se relacionará.
Muitos outros pontos podem ser percebidos a partir destas considerações. A conexão da realidade criacional com o resto da vida é bastante intensa. Cada ponto acima descrito produz impacto sobre o modo como vivemos.
Cabe a nós sermos coerentes com a nossa criação à imagem e semelhança do Criador, e vivermos em um relacionamento não fragmentado com a realidade.
Soli Deo Gloria.
Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve às quintas no 5Calvinistas.
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