15 de abril de 2010

Antropologias distorcidas e o ministério da igreja

Já escrevi que a nossa visão antropológica define o modo como lidamos com o homem - não apenas em termos "eclesiásticos". Uma adolescente deveria sempre lembrar da Queda quando o cara da cadeira ao lado na escola a convida para "ir à casa dele depois da aula" (ele continuaria: "meus pais estão viajando e lá podemos conversar em paz..."). Mas estou fugindo do assunto. Voltemos.

O foco aqui está na ação da igreja e na produção que vem do púlpito. Os pastores estão pregando e as igrejas continuam seus trabalhos de evangelização, ação social, etc. A questão é: sobre que bases a pregação contemporânea e a agenda da igreja está estabelecida?

Não poucos pregadores revelam pressupostos antibíblicos em sua abordagem. Muitos decidiram se aventurar pelas "antropologias políticas", outros cederam à psicologização do ministério e adotaram uma visão terapêutica do homem. Há quem, embriagado pela academia e cobiçando a relevância científica, tenha se rendido diante de uma antropologia naturalista. Todas estas perspectivas alteram significativamente o modo de ministrar.

O erro geral destas abordagens antropológicas é negar a criação histórica, a Queda histórica, e a redenção em Jesus. As antropologias políticas - quer de esquerda, quer de direita - identificam outro tipo de queda, outro problema com o homem, de modo que a sua solução para a humanidade é completamente diversa da Escritura.

No âmbito da esquerda, por exemplo, o problema do homem é a opressão capitalista-burguesa sobre o proletariado. A resposta "evangélica" para isso seria atuar contra os instrumentos opressores, dando dignidade ao oprimido.

Na direita a queda acontece com a invasão nas liberdades individuais. Uma dos maiores vilões nesse caso é o Estado, que interfere na vida dos cidadãos e age como o grande opressor. A resposta nesse contexto também seria resgatar a dignidade e liberdade dos indivíduos, lutando por um Estado menor.

Se você é defensor de alguma dessas correntes, percebeu que eu trabalho com um esquema bastante limitado. Não caberia aqui uma análise mais precisa do assunto, por não ser este um texto de política.

Os cristãos que cederam a tais perspectivas antropológicas abandonaram o pecado como problema fundamental do homem, e adotaram uma nova agenda de pregação: ou contra os opressores capitalistas e seus comparsas (provalmente os militares, os direitistas, a rede globo, etc.), ou contra o Estado opressor.

Quem adotou uma visão psicologizada do ministério cedeu diante de uma visão terapêutica do homem. Novamente, o pecado foi excluído da jogada. A pregação, nesse contexto, tem o objetivo de fazer o homem "se sentir bem consigo mesmo", ou "ficar livre do sentimento de culpa que perturba muitos". Para tais pregadores, não interessa se existe culpa real - o pecado. O importante é livrar o homem da opressão de sua consciência. (Percebem como todas as abordagens pretendem livrar o homem de algum tipo de opressão?)

A visão naturalista é o fundamento de perspectivas anteriormente destacadas. A base do edifício marxista, por exemplo, é materialista, e exclui o âmbito sobrenatural da vida humana. Algumas das correntes psicológicas adotadas por pregadores - conscientemente ou não - têm por base a consideração exclusiva dos comportamentos e fenômenos observáveis e cientificamente comprovados. Quando apenas o observável é alvo de conhecimento, não há mais trato com uma boa parcela da vida humana.

Os pastores que cederam diante desta visão abandonaram a Escritura, e, se a usam no púlpito, é com o apoio de manuais sociológicos que, se não a contradizem diretamente, interpretam-na de maneira bem diversa do sentido original pretendido pelo escritor bíblico.

Adotar fundamentos errôneos para o ministério cristão nos fará atacar outros problemas como se fossem o ponto fundamental da humanidade. Concentraremos nossos esforços na rede globo, no Estado, no sentimento de culpa, ou nos baixos índices de qualidade de vida, deixando de lado a rebelião do coração humano contra Deus, e a necessidade de arrependimento. Esqueceremos Jesus, enquanto solucionamos "o problema do homem". Buscaremos uma redenção sem o Redentor - placebo para uma vida em crise.

* * *

Allen Porto é blogueiro do BJC e escreve às quintas no 5C.

3 comentários:

  1. Oi, Allen,

    Muito bom. De fato, a adesão política pode se confundir com um novo tipo "politizado" de modelo queda-redenção. Trata-se de uma tentação forte e que, uma vez instalada sem reconhecimento e arrependimento, tem o poder de aniquilar progressivamente a fé. Só uma ressalva bastante pessoal: creio sinceramente que é possível ser cristão "de direita" (na verdade, conservador) separando-se as coisas, ou seja, defender os ganhos da civilização judaico cristã sem confundi-los com a redenção, ou um Estado menos interventor na economia sem confundi-lo com o diabo; já com a esquerda a coisa é muito mais difícil, pois a esquerda (o marxismo) já nasceu de uma inversão entre o transcendente e o imanente, de um propósito destrutivo da cultura, de uma concepção ateia do mundo e de uma escatologia exaltada. Repare que com isto não quero dizer, de modo algum, que esquerdistas não podem ser cristãos. Apenas que, quanto maior a "carga" de esquerdismo, mais problemática será a formação de uma cosmovisão genuinamente cristã. No Brasil e no mundo, a maioria dos pastores, por desconhecer os conteúdos de uma literatura conservadora, costuma apontar para a "esquerdização" ou "direitização" da fé como fenômenos equivalentes, tão perigosos quanto. Ciente dos grandes perigos do segundo processo (conheci muitos conservadores que falam em nome de Deus e visivelmente não pensam nem se comportam como cristãos), enfatizo o primeiro por acreditar que, além de mais presente no cenário evangélico brasileiro, é muito mais nocivo, pois nele a inversão é obrigatória e constitutiva.

    Aponto para essa questão de várias formas em meu blog, mas pretendo desenvolver melhor essa reflexão específica, se Deus quiser!

    Abração!

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  2. Olá, Allen! Gostei muito da ideia do blog de vocês e fico feliz por ter lido este post. Deus abençoe vocês! Abraços.

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  3. Oi Norma,
    Concordo com você.
    Talvez eu não tenha deixado isso claro no texto porque a intenção era apenas de demonstrar que não podemos colocar a nossa fé na política para a redenção da humanidade. Quando Jesus é substituído por uma agenda política, não importa se alguém é de direita ou esquerda - o fim é a perdição.
    Ao mesmo tempo, compreendo que, enquanto no âmbito da direita essa substituição é uma possibilidade, na esquerda é um projeto.
    Obrigado pela dica, e continue escrevendo no blog, você tem feito um belo trabalho!

    Olá Mitch,

    Fique à vontade para aparecer mais vezes. Será sempre bem vindo!

    abraço em todos

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