12 de maio de 2009

Sobre o amor de Deus: citando C.S. Lewis

O termo religião vem de religare, religar. De fato, a religião é geralmente a tentativa do homem de um retorno, um reencontro com o divino. É uma busca do homem pela divindade. 
O Cristianismo, porém, inverte essa lógica e apresenta um Deus em busca do homem. E as Escrituras apresentam uma linguagem muitas vezes dramática dessa busca de Deus. Deus é apresentado como em uma paixão incontida, como em um desejo profundo e por vezes desesperado. 
É claro que essa paixão é difícil de se pensar em um Ser que é Eterno e Imutável. Mas essa linguagem antropomórfica se justifica para que entendamos como o Deus pessoal da Revelação nos ama de forma incondicional.
C.S. Lewis aponta magistralmente para esse amor em seu livro O Problema do Sofrimento[1], no capítulo sobre a bondade de Deus. Ele cita certas passagens bíblicas que demonstram essa paixão do Criador. Diz ele: 
O Impassível fala como se sentisse paixão, e aquilo que contém em si mesmo a causa de sua própria e de outras bênçãos, fala como se pudesse sentir-se carente e ansioso. “Não é Efraim meu precioso filho? filho das minhas delícias? pois tantas vezes quantas falo contra ele, tantas vezes ternamente me lembro dele; comove-se por ele o meu coração” (Jr 31.20). “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Meu coração está comovido dentro em mim” (Os 11.8). “Oh, Jerusalém, quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23.37). 
Mas Jack reconhece que “Deus não tem necessidades”. Mesmo assim, “Deus é Bondade”.
Então Lewis, com sua habitual excelência em trabalhar com as palavras, passa a nos mostrar como o amor de Deus é incondicional. Diz ele: 
Ele (Deus) pode conceder o bem, mas não pode necessitá-lo ou obtê-lo. Nesse sentido todo o Seu amor é infinitamente desprendido pela sua própria definição; ele tem tudo a dar e nada a receber. Assim sendo, se Deus fala algumas vezes como se o Impassível pudesse sofrer paixão e a Plenitude Eterna pudesse ter qualquer carência, e carência daqueles seres a quem concede tudo desde a sua simples existência, isto só pode significar, caso signifique algo inteligível para nós, que o Deus do milagre tornou-se capaz de sentir tal anseio e criar em Si mesmo aquilo que nós podemos satisfazer. Se Ele nos quer, esse desejo é de sua própria escolha. Se o coração imutável pode ser entristecido pelas marionetes que Ele mesmo fez, foi a Onipotência Divina, e nada mais, que assim se sujeitou, voluntariamente, e com uma humildade que excede todo entendimento.
Confirmando a inversão cristã Lewis ainda afirma que... 
“(...) o mundo não existe principalmente para que possamos amar a Deus, mas para que Ele possa amar-nos.” “Nossa mais elevada atividade deve ser a resposta, e não a iniciativa. Experimentar o amor de Deus de forma verdadeira e não ilusória, portanto, é experimentá-lo como nossa rendição à Sua exigência, nossa conformidade ao Seu desejo”.“Antes e por trás de todas as relações entre Deus e o homem, como agora aprendemos no Cristianismo, abre-se o abismo do ato divino do puro dar - a eleição do homem, do nada, para ser o amado de Deus!” 
A eleição do homem para ser o amado de Deus! Deus nos chama para sermos amados por Ele! “Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou” (I Jo 4.10a). Eu não tenho palavras para demonstrar aquilo que sinto ao pensar nesta maravilha.
E talvez “maravilha” seja a palavra certa. Novamente C.S. Lewis me socorre com suas Crônicas de Nárnia[2]. No dia de Aslam, um extasiado calormano chamado Emeth narra aos narnianos seu encontro definitivo com a Presença. Recém redimido e ainda constrangido pela Verdade, ele se confessa a Aslam e ouve como resposta: 
“Amado”, falou o glorioso ser, “não fora o teu anseio por mim, não terias aspirado tão intensamente, nem por tanto tempo. Pois todos encontram o que realmente procuram”
E assim Emeth termina sua narração: 
Depois ele soprou sobre mim e fez cessar todo o tremor do meu corpo, firmando-me outra vez sobre os meus pés. Após isso, não disse mais muita coisa, a não ser que voltaríamos a nos encontrar e que eu deveria seguir sempre para frente e sempre para cima. Então voltou-se como uma tempestuosa rajada de ouro e subitamente desapareceu. E desde então, ó reis e damas, ando perambulando à procura dele, e minha felicidade é tão imensa que até me enfraquece como uma ferida. E a maravilha das maravilhas é ter ele me chamado de amado - a mim, que não passo de um cão...
“Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). 
E a maravilha das maravilhas é ter ele me chamado de amado!
SOLI DEO GLORIA!
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[1] LEWIS, C.S. O Problema do Sofrimento. São Paulo: Vida, 1986. 
[2] LEWIS, C.S. As Crônicas de Narnia: A Última Batalha. São Paulo: Martins Fontes, 1997.