26 de julho de 2010

Por que o homem não é capaz de voltar para Deus?

 

"Suas ações não lhes permitem voltar para o seu Deus. Um espírito de prostituição está no coração deles; não reconhecem o Senhor”. Os 5:4

As duras palavras ditas por Deus através do profeta era dirigida aos religiosos, ao povo em geral e à família real, sem deixar ninguém de fora: “Ouçam isto, sacerdotes! Atenção, israelitas! Escute, ó família real! Esta sentença é contra vocês” (Os 5:1). As terríveis consequências da Queda não desviam de nenhum filho de Adão. “Todos pecaram e separados estão da glória de Deus” (Rm 3:23). Mas o texto nos mostra que o problema com o pecado não é apenas sua extensão, atingindo a todos os homens, mas também a profundidade em que penetra em cada ser humano, afetando todas as suas faculdades.

As obras impedem de voltar para Deus, Is 59:2

O proceder do homem natural é corrompido de tal forma que ele só faz pecar e pecar. Nem mesmo uma reforma exterior ele pode apresentar de forma consistente, pois “suas ações não lhes permitem voltar para o seu Deus” (Os 5:4a). A prática do pecado se torna um hábito tão natural que o homem quase nunca percebe que sua natureza está dominada pelo pecado. Não raro as pessoas consideram seus pecados como sendo falhas desculpáveis, e as vezes os defendem como uma virtude. Na verdade, estão tão acostumados aos seus pecados quanto se acostumaram à cor da pele. “Será que o etíope pode mudar a sua pele? Ou o leopardo as suas pintas? Assim também vocês são incapazes de fazer o bem, vocês que estão acostumados a praticar o mal” Jr 13:23.

Contrariando os profetas citados, os homens acreditam que é tudo uma questão de escolha, que basta ao homem preferir o bem que é capaz de fazê-lo. Chamam a essa capacidade de livre-arbítrio. Porém, a Escritura não oferece nenhum respaldo a essa filosofia humanista, quando diz que “todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Rm 3:12). Isto é corroborado pela observação e a experiência de cada um, que não consegue encontrar um só homem na história que tenha superado sua inclinação para o mal e vivido sem pecar. E quando olhamos para nós, temos que confessar que o “porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7:19).

O coração é dominado pelo pecado, Mc 7:21-23

Num nível mais profundo, o pecado domina o coração das pessoas, “um espírito de prostituição está no coração deles” (Os 5:4b), diz o mensageiro do Senhor. No Gênesis o diagnóstico divino sobre o coração humano era de que “toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gn 6:5) e que tal condição não exclui nem as crianças, pois “a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice” (Gn 8:21). As palavras de Salomão sobre o ímpio de que “há no seu coração perversidade, todo o tempo maquina mal” (Pv 6:14) não se aplica apenas a Hitler e a quem esquarteja namoradas, mas também a pais de famílias honestos, pois “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso” (Jr 17:9).

Não é o homem que determina como seu coração deve ser, mas o coração é que determina como o homem é, “porque, como imaginou no seu coração, assim é ele” (Pv 23:7). Um homem sempre procederá de acordo com a natureza de seu coração. Se este for endurecido e mau, então tal pessoa resistirá ao Espírito e procederá de forma contrária à lei de Deus. Por isso que as pessoas dos dias de Oséias não podiam voltar para Deus, pois seus coração estavam dominados por um espírito de prostituição e dominavam o comportamento deles. E é por isso que o homem moderno não pode converter-se a Deus, pois a natureza de seu coração é má e o incapacita para o bem.

O pecado cega o entendimento, 1Co 2:14

O pecado afeta também a mente do homem, cegando-o para as coisas de Deus. “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2:14). Ao invés de se voltar para Deus “o povo que não tem entendimento corre para a sua perdição” (Os 4:14), ainda mais que “por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes” (Rm 1:28). Outro profeta descreve a cegueira do povo como sendo pior que a dos animais, pois “o boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Is 1:3).

Como “tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas” (Tt 1:5), não são capazes de compreender a mensagem do evangelho. Precisam, antes, ter “iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos” (Ef 1:18), do contrário sua mente irá das trevas presente para as trevas exteriores, sem conhecer a luz do Senhor.

Conclusão

O livre-arbítrio como capacidade do homem se voltar para Deus é uma mentira de Satanás, que assim perverte o evangelho, levando homens a torná-lo persuasivo a defuntos. Pois os pecadores não experimentam outra realidade senão o pecar, tornando a rebelião a Deus um hábito que não podem mudar. Além disso, seu coração que determina suas ações é fonte de toda sorte de males, sendo enganoso e perverso, portanto desinclinado às coisas de Deus. E sua mente é corrompida de tal forma pelo pecado que o evangelho lhe parece loucura indigna de crédito, só aceitando naturalmente se a mensagem for modificada de tal maneira que não se pareça em nada com o evangelho da glória de Deus. Diante disso, eles até “voltam, mas não para o Altíssimo” (Os 7:16). Igrejas lotam, mas corações continuam vazios de Deus, ocupados somente com a prostituição espiritual “porque um espírito de prostituição os enganou, eles, prostituindo-se, abandonaram o seu Deus” (Os 4:12).

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

23 de julho de 2010

Nem só de “calvinismo” viverão os calvinistas!

Se existe um mal que atinge a grande maioria dos “recém-calvinistas”, este é o de acostumar-se a ouvir sempre e a todo instante pregações sobre o “calvinismo”. Não, eu não estou me referindo ao sistema reformado de teologia em si, mas ao termo propriamente dito. Parece até que sem o “calvinismo” não há pregação. Isto vale também para livros. Se não for escrito por calvinistas ou não citar o “calvinismo” nem algum calvinista (nem Calvino!), pode esquecer.

Acontece muito por aí. Eu mesmo confesso que, quando descobri a teologia reformada, ficava meio que descontente (para não dizer impaciente) com pregações que não citassem nem ao menos um pontinho sequer do “calvinismo”. “Ele bem que poderia ter falado sobre a ‘Eleição Incondicional’ àquela altura do sermão”, pensava comigo mesmo. O pior mesmo era quando eu ouvia falar sobre os “milagres de Jesus”, a “bondade de Jesus”, a “misericórdia de Jesus”, as “curas de Jesus”, e “Jesus”, “Jesus”, “Jesus” – eu estava mesmo era ávido pela “ira de Deus”, pela “depravação total” e por todas essas coisas densas e medonhas pelas quais todo recém-calvinistas é apaixonado. Se o novo convertido gosta da simplicidade do Evangelho, parece que o recém-calvinista gosta muito mais da sua complexidade.

Não estou negando que seja bom progredir além dos “princípios elementares da doutrina de Cristo”, o que aliás a própria Bíblia recomenda (Hb 6.1), nem que tema pesados como ira e pecado devam ser evitados, muito menos que devemos ser menos “calvinistas”. Nada disso. Meu ponto aqui é que devemos deixar, sim, de ser menos dependentes de um simples termo; de parar de entrar em depressão por qualquer eventual ausência sua, seja em pregações ou em livros. Afinal de contas (parafraseando Jesus – Mt 4.4), nem só de “calvinismo” viverão os calvinistas, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Sola Scriptura!

Soli Deo Gloria!

5 de julho de 2010

Deus induz o crente à tentação?

“E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.” Mt 6:13 (ACF)


Esta petição do Pai Nosso tem causado algumas dificuldades aos estudantes da Bíblia. O pedido parece indicar que Deus pode induzir alguém à tentação, o que seria negado por Tiago 1:13, que diz que Deus a ninguém tenta.


Como vimos, a Almeida Corrigida Fiel opta por “não nos induzas à tentação”, no que é acompanhada pela Almeida Revista e Corrigida. Isto dá a idéia de que Deus ativamente causa ou introduz o crente na tentação. A maioria da traduções, contudo, adotam uma linguagem que sugere uma permissão e não uma causação divina, dizendo “não nos deixe cair em tentação” (Almeida Revista e Atualizada, Tradução Brasileira e Nova Versão Internacional) ou “não deixes que sejamos tentados” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) e “não nos deixe entrar em tentação” (Almeida Revisada). Não pretendemos, e seria duma presunção absurda, determinar qual a melhor tradução, mas tentar analisar as implicações da tradução que sugere que Deus leva o crente a ser tentado.


O verbo εισενεγκης é formado pela preposição eis, que significa “para dentro” e phero, que pode ser traduzido como “levar”, então temos “levar para dentro”. Outras ocorrências de eisphero são traduzidas pela ARC como “fazê-lo entrar” (Lc 5:18), “levar” (Lc 5:19), “conduzas” (Lc 11:4), “trazes” (At 17:20), “trouxemos para” (1Tm 6:7) e “trazido... para [dentro]” (Hb 13:11). E considerando que o verbo está na voz ativa, não é nenhum absurdo considerar que Deus introduz ou leva o crente para dentro da tentação.


Neste caso, precisamos examinar a palavra tentação, para verificar se conflita com a declaração de Tiago. O substantivo πειρασμον, traduzido como tentação pode significar “uma prova ou um teste”, como a tentação enfrentada pelos Gálatas por causa da condição física do apóstolo, que serviu para testar o amor deles por Paulo (Gl 4:14). Alguns exemplos de ocorrência de peirasmos com o sentido de “provação” (Lc 8:13; At 20:19; Tg 1:12; 1Pe 1:6; 1Pe 4:12; Ap 3:10). É nesse sentido que tentação deve ser tomado aqui, bem como em Lucas 22:28.


Embora seja certo que “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele a ninguém tenta” (Tg 1:13), devemos entender que o Senhor a ninguém tenta pelo mal, no sentido de induzir alguém a pecar. Porém, devemos considerar que Deus pode submeter o crente à prova, no processo de transformação na imagem de Seu filho. O próprio Tiago diz “meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” e “bem-aventurado o homem que suporta a provação; porque, depois de aprovado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam” (Tg 1:12). Paulo também anima os crentes dizendo “não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10:13).


Em resumo, e de acordo com Paulo, podemos afirmar que Deus pode, de acordo com Sua santa vontade e para o nosso bem, nos levar à provação, conforme as traduções mais tradicionais o indicam. Porém, podemos estar seguros que Deus nem permitirá que o crente venha a cair quando tentado, nem deixará que seja tentado além de suas forças. Comentando esta petição, João Calvino disse:


Não pedimos aqui não ter que sofrer nenhuma tentação. Temos grandíssima necessidade de que as tentações nos despertem, estimulem e sacudam, pois corremos o perigo de converter-nos em seres amorfos e preguiçosos se permanecermos numa calma excessiva. Cada dia o Senhor prova seus escolhidos, adestrando-os por meio da ignomínia, da pobreza, da tribulação e outras classes de cruzes. Porém nossa demanda consiste em pedir que o Senhor nos dê também, ao mesmo tempo que as tentações, o meio de sair delas, para não sermos vencidos e esmagados; antes, fortalecidos com a força de Deus, poder manter-nos constantemente contra todos os poderes que nos assaltam (Breve Instrução Cristã).


Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.