31 de outubro de 2011

Avivamento ou Reforma?


Nós precisamos de um avivamento ou de uma reforma? A pergunta induz ao erro de pensarmos que as duas coisas são alternativas independentes ou até mutuamente excludentes. Mas reforma e avivamamento estão tão intimamente ligados que fica difícil estabelecer os limites entre eles e é impossível anelar por um sem querer experimentar a outra. Pois reforma começa com avivamento interior e avivamento sem reforma não é avivamento. Portanto, avivamento e reforma são quase que intercambiáveis.

Estou entre os que anseiam por um verdadeiro avivamento e estou ciente de que isso não se dará à parte de uma nova reforma. Podem ocorrer simultaneamente, ou então de forma sucessiva, mas certamente ocorrerão interligadas. O resultado de uma reforma é avivamento e o teste do verdadeiro avivamento é haver reforma. Pois avivamento da perspectiva de Deus é o céu invadindo a igreja e tornando-a consciente da presença do Senhor. Da perspectiva humana, reconhecer a presença de Deus é voltar ao primeiro amor por Jesus e consequentemente, à mudança de vida. Isso o que ocorreu nos dias de Lutero, e bem antes dele, nos dias do rei Josias.

Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, Na Alemanha. Era filho de um mineirador de prata, de classe média. Estudou para ser advogado, mas tornou-se monge agostiniano. Descobriu a justificação pela fé na Carta aos Romanos e isso o colocou em rota de colisão com a Igreja Romana e sua venda de indulgências. Em 31 de outubro de 1517, fixou as conhecidas 95 Teses na porta da Igreja em Witenberg, marcando o início do movimento que passaria à história como Reforma Protestante, da qual comemoramos hoje 394 anos.

Josias foi o 16o rei de Judá, neto Manassés e filho do ímpio Amon. Era de se esperar que um garoto colocado no trono aos oito anos de idade viesse a seguir o caminho mau de seus antecessores. Mas aos 16 anos “sendo ainda moço, começou a buscar o Deus de Davi, seu pai” e aos 20 “começou a purificar a Judá e a Jerusalém” (2Cr 34:3) expurgando o falso culto e reestabelendo a verdadeira adoração ao único Deus vivo e verdadeiro. Em comum, Josias e Lutero tem o encontro com um livro que estava perdido: a Bíblia Sagrada. Da experiência deles, tiramos lições para o avivamento e reforma necessários.

A reforma de Josias começou com a descoberta da Lei do Senhor. "E, tirando eles o dinheiro que se tinha trazido à casa do SENHOR, Hilquias, o sacerdote, achou o livro da lei do SENHOR, dada pela mão de Moisés" (2Cr 34:14). Não quero alegorizar, mas chama atenção que o livro estivesse escondido sob montes de dinheiro e vejo um paralelo com nossa época, em que o dinheiro tem levado muitos a esconder a Palavra do povo. Nos dias de Lutero, fazia-se o comércio de indulgências, arrecadando-se dinheiro para construir a basílica de São Pedro. E proibia-se o livre exame das escrituras.

O livro encontrado não foi exposto como uma relíquia, mas lido, inclusive aos ouvidos do rei. "Além disto, Safã, o escrivão, fez saber ao rei, dizendo: O sacerdote Hilquias entregou-me um livro. E Safã leu nele perante o rei" (2Cr 34:18). Nunca os crentes tiveram tanta disponibilidade de Bíblias como hoje. São traduções e versões para os mais variados gostos, sem contar as inúmeras Bíblias de Estudo e as disponíveis eletronicamente. Porém, a leitura devocional e o exame cuidadoso das Escrituras tem sido negligenciado. A formação espiritual de nosso povo é feito à base de louvores com a profundidade de um pires e chavões de vendilhões do templo.

Mas, se lida, a Escritura produz resultados e um deles é o quebrantamento do coração, o primeiro sinal do avivamento iminente. “Sucedeu que, ouvindo o rei as palavras da lei, rasgou as suas vestes” (2Cr 34:19). A Bíblia é a ferramenta que o Espírito utiliza para trazer convicção do pecado “porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hb 4:12) e para levar ao arrependimento e confissão dos pecados “porque grande é o furor do SENHOR, que se derramou sobre nós; porquanto nossos pais não guardaram a palavra do SENHOR, para fazerem conforme a tudo quanto está escrito neste livro” (2Cr 34:21).

Lutero percebeu isso. Ele disse certa vez: “simplesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; não fiz mais nada... a Palavra fez tudo”. Se os pregadores de hoje tão somente pregassem a Palavra de Deus, com ardor e fidelidade, o povo seria conduzido ao arrependimento e estaria pronto para o avivamento.

Uma vez a Bíblia redescoberta e lida, precisa ser obedecida. Primeiro, Josias proclamou a Palavra: “Então o rei mandou reunir todos os anciãos de Judá e Jerusalém. E o rei subiu à casa do SENHOR, com todos os homens de Judá, e os habitantes de Jerusalém, e os sacerdotes, e os levitas, e todo o povo, desde o maior até ao menor; e ele leu aos ouvidos deles todas as palavras do livro da aliança que fora achado na casa do SENHOR” (2Cr 34:29-30). Importante notar que a Palavra foi anunciada a todos, independente de classe social, ofício, sexo, faixa etária. E não deve passar despercebido que foram anunciadas “todas as palavras do livro”. Toda Escritura anunciada a todas as pessoas, este é o objetivo dos ministros do evangelho.

Com isso, o povo é levado a renovar a sua aliança com o Deus de seus pais. “E pôs-se o rei em pé em seu lugar, e fez aliança perante o SENHOR, para seguirem ao SENHOR, e para guardar os seus mandamentos, e os seus testemunhos, e os seus estatutos, com todo o seu coração, e com toda a sua alma, cumprindo as palavras da aliança, que estão escritas naquele livro. E fez com que todos quantos se achavam em Jerusalém e em Benjamim o firmassem; e os habitantes de Jerusalém fizeram conforme a aliança de Deus, o Deus de seus pais” (2Cr 34:31-32). O compromisso foi renovado. Tinham voltado ao primeiro amor, estavam dispostos a serem fiéis, e o foram, pelo menos durante o reinado de Josias.

Consequentemente, a verdadeira adoração foi purificada. Josias retirou do culto, tudo aquilo que estava errado. “E Josias tirou todas as abominações de todas as terras que eram dos filhos de Israel; e a todos quantos se achavam em Israel obrigou a que servissem ao SENHOR seu Deus. Enquanto ele viveu não se desviaram de seguir o SENHOR, o Deus de seus pais” (2Cr 34:33). Ao mesmo tempo, restaurou o que era certo e estava esquecido. “Então Josias celebrou a páscoa ao SENHOR em Jerusalém; e mataram o cordeiro da páscoa no décimo quarto dia do primeiro mês” (2Cr 35:1). Josias promoveu a maior limpeza em todo o reino, mas não fez apenas a destruição da idolatria, restabeleceu o verdadeiro culto a Deus, como Ele havia prescrito em Sua Palavra.

O que Deus fez nos dias de Josias e também nos dias de Lutero, pode fazer nos dias de hoje. Mas assim como Ele fez através de pessoas como Josias e Lutero, quer fazer através de nós. É claro que não precisa de nós, como não precisava de Josias e Lutero. Mas Ele decidiu não agir diretamente, mas através de instrumentos fracos como nós. Os passos que devemos dar estão bem delineados: primeiro, buscar a Deus em nossos corações, segundo ler e deixar-se influenciar por Sua Palavra e terceiro, estar disposto a obedecer a qualquer custo o que ele nos manda fazer. Quando isso for feito, o avivamento virá, ou talvez seja melhor dizer, já terá vindo.
 
Soli Deo Gloria 

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

19 de outubro de 2011

O que uma banda de rock pode acrescentar à sua vida?

Publicado originalmente no Reforma e Carisma.
O que uma banda de rock pode acrescentar de bom na vida de uma pessoa? (Joel Parreira Neves, no meu Facebook)
Não, meus caros, desta vez a pergunta que abre o post não é minha. Na verdade, o autor do questionamento quis saber por que eu coloquei em meu Facebook um clipe da música "Nothing else matters", do Metallica. Pouco tempo antes, um comentário anônimo (e, por esta razão, não publicado) colocado no blog 5 Calvinistas, questionava como eu podia ouvir músicas da Katy Perry, sendo que ela teria "vendido a alma ao diabo" e que o rock era uma música de origens demoníacas.

Eu realmente fico espantado em ver o quão "estreita" é a mente de muitos evangélicos. Perguntas como essa são motivos de piada entre aqueles que não são evangélicos e criam barreiras para que muitos se disponham a ouvir a Palavra. E, embora eu já tenha respondido, acho que vale a pena dar uma nova resposta, mas por um ângulo diferente.

A origem da música
Já que muitos recriminam o rock por sua origem rebelde e "pecaminosa", gostaria de analisar a origem bíblica da música. Afinal, uma arte tão celestial e inspirativa só poderia ter sido criada por piedosos filhos de Deus, não é mesmo? Especialmente um instrumento tão "espiritual" como a harpa. Nunca pessoas que são condenadas pelo Senhor poderiam ser responsáveis pela criação de algo tão bom e que leva tantas pessoas a adorarem a Deus!

É mesmo? Vamos ler um texto bíblico então:
Então Caim afastou-se da presença do Senhor e foi viver na terra de Node, a leste do Éden. Caim teve relações com sua mulher, e ela engravidou e deu à luz Enoque. Depois Caim fundou uma cidade, à qual deu o nome do seu filho Enoque. A Enoque nasceu-lhe Irade, Irade gerou a Meujael, Meujael a Metusael, e Metusael a Lameque. Lameque tomou duas mulheres: uma chamava-se Ada e a outra, Zilá. Ada deu à luz Jabal, que foi o pai daqueles que moram em tendas e criam rebanhos. O nome do irmão dele era Jubal, que foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta. Zilá também deu à luz um filho, Tubalcaim, que fabricava todo tipo de ferramentas de bronze e de ferro. Tubalcaim teve uma irmã chamada Naamá. (Gênesis 4:16-22)
Caim é o primeiro filho de Adão e o primeiro assassino da Bíblia, responsável pela morte de seu irmão Abel. Por causa deste assassinato, Caim é amaldiçoado e a sua descendência é colocada em Gênesis como sendo a linhagem daqueles que se afastaram de Deus. Os descendentes de Caim seriam opostos aos de Sete, o filho que Deus deu em lugar de Abel, o símbolo da linhagem que permaneceu fiel ao Senhor.

No entanto, curiosamente, os grandes avanços tecnológicos e artísticos da Antiguidade são atribuídos à família de Caim! A primeira cidade do mundo foi fundada por ele. Jabal tornou-se o pai da pecuária nômade em um estágio mais avançado. Abel criava ovelhas, Jabal tinha rebanhos. Tubalcaim foi o pai da metalurgia, sendo apontado como o primeiro a usar o bronze e o ferro. E, veja só, o primeiro músico da Bíblia era Jubal, um cainita.

Se os cristãos não podem aproveitar nada do rock porque ele seria fruto de rebeldes pecadores "que venderam a alma ao diabo"...então, todos nós precisamos voltar para a Idade da Pedra. Afinal, a Idade do Bronze foi inventada por homens perversos, descendentes de um assassino, pelo filho do malvado Lameque, o primeiro bígamo da História! Pelo argumento da origem, teríamos que rejeitar não só o rock, mas toda a música, incluindo aquelas tocadas na harpa e que emocionam os mais idosos...sem falar, é claro, da pecuária comercial, das cidades e de todos os avanços tecnólogicos decorrentes da manipulação de metais.

A graça comum
Fica claro que o argumento da "origem" é estúpido. Com certeza, as cidades, a criação de rebanhos ou a invenção de instrumentos musicais não foi feita com o objetivo de glorificar a Deus. Provavelmente são fruto do esforço e da engenhosidade dos caimitas para tornarem sua vida mais confortável, glorificarem o próprio nome ou até mesmo cultuarem a um outro deus. Desta maneira, a motivação dessas realizações seria pecaminosa, porque a ordem bíblica é a de que:
Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus. (1 Coríntios 10:31)
Todavia, a verdadeira fonte da criatividade caimita não era o pecado, mas sim aquilo que a teologia chama de graça comum. É graça porque são bênçãos que nenhum ser humano merecia possuir, e é comum porque é distribuída livremente entre todos os seres humanos, independente da fé ou de outras características. Como está escrito:
Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes. (Tiago 1:17)
Creio que, na maioria esmagadora das vezes, o simples uso dessa graça já glorifica a Deus, apesar de nossas intenções pecaminosas. Ao meu ver, a análise exegética de Gênesis deixa claro que os caimitas foram condenados ao inferno, pois permaneceram distantes de Deus, seguindo o exemplo de Caim. Mas isso não muda o fato de que eles abençoaram, e muito, o mundo com seus inventos. Eles ajudaram a diminuir a fome, facilitaram o progresso, prolongaram a vida de muitas pessoas e até ajudaram na divulgação do Evangelho (quantos não se converteram ouvindo músicas que falavam sobre Jesus?).
Como seria a fome no mundo sem os rebanhos?

Desta maneira, não é porque um ritmo ou uma música não falam especificamente sobre Deus que devemos condená-los. Tais coisas são neutras, só se tornam más dependendo do uso que fazemos delas. Um dia alguém pegou a harpa e resolveu tocar uma música sacra, assim como, um dia, alguém fez o mesmo para adorar uma divindade pagã. E, se nós nos valemos livremente de invenções tecnológicas e até mesmo de filosofias e sistemas legais concebidos por corações pecaminosos...por que não podemos fazer o mesmo com a arte?

Mas e a banda de rock?
Sim, mas o que isso tem a ver com o Metallica, alguém deve estar imaginando. Eu diria que tudo a ver. "Ah, mas isso não tem utilidade, não edifica a vida de ninguém". Será?

Justificar a arte é um exercício inútil para mim. Ela é útil porque ela é bela. Ponto, pra mim basta. Mas a arte também toca os corações humanos. Ela influencia as nossas histórias, a forma como vemos o mundo, pode aumentar ou diminuir as emoções, é uma das mais formas mais sublimes de expressão do nosso espírito. A arte não é uma bênção menor do que a ciência ou a filosofia. Se as últimas nos ajudam a pensar e a conhecer, a primeira é uma forma legítima de nos autoconhecermos e expressarmos quem nós somos.

Sim, a ordem bíblica é que algo tão sublime deve ser vivido apenas para a glória de Deus, da mesma forma que deveríamos fazer quando vamos ao banheiro fazer nossas necessidades fisiológicas. Afinal, é tudo para a glória d'Ele, do mais sublime ao mais desonroso. Contudo, isso não significa que só possamos ler livros, ver filmes, cantar músicas ou inventar coisas que façam referências explícitas a Deus.

Como provo isso? A poesia é a mãe das artes, porque ela foi a primeira a surgir. E o primeiro poema, meio simplista, foi de amor, e não sacro. Quando Adão viu a Eva, ele disse:
Disse então o homem: "Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada" (Gênesis 2:23)
Uma banda de rock pode me ajudar a cantar o amor pela mulher amada. Pode me ajudar a cantar, a entender e a expressar sentimentos do meu coração. Pode ser uma forma de ver que eu não sou o único a sentir aquelas coisas, de me ligar a outras pessoas, de me sentir parte de um grupo. Pode até ser usada para levar outras pessoas a adorarem a Cristo, assim como eu.

Mas, acima de tudo, eu ouço Metallica e outros porque eu acredito que posso sim glorificar ao Senhor fazendo isso.

E com vocês, "Nothing else matters": 



Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

10 de outubro de 2011

Minhas impressões sobre a Conferência Fiel

Deus me concedeu graça para participar da 27a Conferência Fiel Para Pastores e Líderes. Atraído pelo tema, Evangelização e Missões, cheguei ao evento com grande expectativa, mas sendo a primeira vez que assistia presencialmente, estava aberto para alguma frustração. Mas minhas expectativas foram plenamente atendidas e em alguns aspectos, superadas em muito. Neste post colocarei as minhas impressões sobre a Conferência e no decorrer da semana a de algumas outras pessoas que assistiram as pregações, em Águas de Lindóia ou pela Internet.

Destaco as pregações, que foram bíblicas, profundas e edificantes. Sillas Campos abriu a série de palestras com a mensagem "O testemunho de Paulo, o grande evangelista" e deu a tônica do evento. Mauro Meister discorreu com maestria sobre "A missão de Deus no Antigo Testamento", demonstrando que graça e missões não são uma "invenção" do Novo Testamento, chamando nossa atenção para aspectos missiológicos "escondidos" entre Gênesis e Malaquias. Das três mensagens trazidas por Franklin Ferreira, destaco "A glória de Deus no chamado para pregar às nações", baseada em Jeremias 1:4-19. A descrição que ele fez do chamado ao ministério da Palavra mostrou como a igreja tem negligenciado o ofício pastoral, reduzindo-o a um administrador "faz-tudo".

Stuart Olyott justificou o título "Pregação Pura e Simples" de seu livro. Mas que ninguém se engane que suas mensagens, por serem simples, são pouco profundas. Expondo o livro de Jonas, apresentou quatro mensagens com os sugestivos títulos "De costas", "De joelhos", "À pé" e "Assentado". A segunda mensagem trazia a seguinte pergunta: "você precisa ser forçado a orar?" e confesso que de todas, foi a que mais falou pessoalmente ao meu coração, saí dali disposto a renovar minha vida de oração. Digno de nota também foi as quatro pregações de Augustus Nicodemus sobre a epístola aos Romanos. O enfoque do livro como uma carta missionária, colocou missões sobre um fundamento bíblico que acabou com objeções de que a doutrina da predestinação é incompatível com missões, mas ao contrário, à torna obrigatória.

R. W. Glenn fez uma exposição simples-aprofundada da graça de Deus, apresentando "A essência da glória global de Deus" e as implicações práticas para nossa vida diária. Finalmente, houve as pregações de John Piper, que fez uma exposição da petição "Santificado seja teu Nome", à qual todas as demais estão subordinadas, demonstrando "A paixão de Deus por Sua glória global". Nas pregações seguintes pregou que "Deus é glorificado quando Cristo é ganho" e expôs "O preço final de mostrar a glória do amor". Enfim, foram 19 ministrações bíblicas abençoadoras.

Além das mensagens, alguns pontos merecem menção. Uma delas foi a oportunidade de reencontrar alguns irmãos e conhecer outros. Entre os primeiros estavam o Pr. Norberto "Tele-Fé" Marquardt, Dilsilei Monteiro, Charles Grimm, Alexandre "Sacha" Mendes e o pessoal do iPródigo. Conheci o Vinícius "Voltemos" Pimentel, Renato Vargens e o Sérgio Menga. Acho que mais alguns outros que a memória não deixa lembrar.

Destaque também para a livraria. Havia material de primeiríssima qualidade de várias editoras, mas os preços da Editora Fiel estavam simplesmente imbatíveis. Comprei livros para ler até à Próxima Conferência, que se Deus quiser, não perderei.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

3 de outubro de 2011

Uma trilha sonora para a sua vida

Acredito que as pessoas já sabem que não sou apenas uma garotinha sexy, tenho mais a dizer. Estou tentando dar às pessoas trilha sonora para suas vidas - músicas que expressam um barril de emoções. (Katy Perry)
Eu sou pastor, mas se você vasculhar as minhas playlists no YouTube ou no meu MP3 player, vai ter uma surpresa. Muito sertanejo (especialmente universitário), pop e rock. Aqui e ali você encontra algo de MPB. E sim, algumas músicas evangélicas...todas no estilo "adoração" e que podem ser classificadas como boas para se usar nos cultos. Mas não espere encontrar pop gospel, rock gospel (exceto Oficina G3), sertanejo gospel...

Não, não se trata de nenhuma bronca especial que eu tenha com a música gospel. Ao contrário, várias músicas feitas para o culto cristão efetivamente abençoaram a minha vida e são bem-vindas quando executadas. Eu mesmo faço parte de um ministério de louvor. Mas, quando se trata de "música cristã"...aquela que não cabe bem em um culto e fica melhor no rádio de um carro do que no templo...bom, aí há algumas coisas a se considerar.
Katy Perry

A graça comum
A primeira é que artistas não-cristãos podem sim fazer arte que glorifique a Deus e seja boa para ser apreciada pelos homens. Glorificar a Deus não é algo que apenas pessoas salvas e geradas de novo pelo Espírito Santo podem fazer. Na verdade, até mesmo seres inanimados podem fazê-lo.
Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. (Salmo 19:1)
Na verdade, o tempo todo os cristãos se beneficiam de obras realizadas por não-cristãos e não vemos problema algum nisso. Tomamos remédios, desfrutamos de invenções tecnológicas, lemos livros e vemos filmes que foram feitos por pessoas sem temor de Deus em seus corações. Obviamente, todas essas obras não foram feitas com a intenção explícita de glorificar a Deus.

E por que nós podemos usufruir de tudo isso? Por causa daquilo que os reformados chamam de graça comum, ou seja, das bênçãos que Deus distribui a todos os seres humanos, independente de sua fé. Mesmo quando os homens usam essa graça sem a intenção explícita de engrandecer ao Senhor, Ele é glorificado pelo simples fato dessas bênçãos serem usadas. Afinal, o cantor, o artista, a engenheira ou a médica podem não saber, mas aquele talento todo procede de Deus e deve ser usado. Pode não ser essa a intenção, mas o uso deste talento beneficia os seres humanos. E, por causa de tudo isso, glorifica ao Senhor. Como está escrito:
Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes. (Tiago 1:17)
Uma visão limitada da glória de Deus
No entanto, a maioria dos cristãos evangélicos parece não entender ou não aceitar o conceito de graça comum. Eles desconfiam de tudo que é produzido "fora da igreja" e têm dificuldades em apreciar o que é feito por não-cristãos. Por isso o pé atrás em relação à ciência, a recusa de participar de eventos sociais fora da igreja (no máximo, festinha de criança, se não tiver cerveja), o pouco interesse pelos últimos lançamentos nas livrarias e, acima de tudo, o medo da arte. A ideia é que apenas a música que mencione especificamente o nome de Deus e seja ligada à adoração ou ao culto são seguras. De que somente este tipo de música glorifica a Deus.

Quem pensa assim não consegue enxergar a glória de Deus fora das quatro paredes dos templos. Só consegue vê-la nos cultos, nos irmãos, nas atividades eclesiásticas. Não se envolve com o "mundo" (a sociedade exterior) pois só vê nele o que é mau e diabólico. Nada mais natural que fuja da música, ainda mais quando se ouvem notícias como a morte da cantora Amy Winehouse.

Mas Deus é glorificado fora da igreja. Ele é glorificado no amor, na poesia, no trabalho. É glorificado quando perdemos alguém, ficamos doentes e temos que enfrentar situações difíceis. É exaltado nos nossos momentos de indecisão e até quando erramos. No nosso dia-a-dia o Senhor é exaltado.

A Bíblia mostra isso o tempo todo. As Escrituras não tratam apenas dos momentos "religiosos" ou cúlticos de seus personagens. Ao contrário, ela mostra como as histórias de vida de cada personagem honram ou não a Deus. Mesmo em fracassos monumentais, como o adultério de Davi ou quando o apóstolo Pedro nega três vezes a Jesus, a glória do Senhor se manifesta.

Sem falar que o fato do próprio Jesus ter se encarnado e participado da nossa vida comum já mostra o quanto ela é importante pra Deus. Jesus não amou uma mulher específica, mas amou a Igreja e viu várias histórias de amor em sua vida. Seu primeiro milagre foi em um casamento. Ele ia comer com gente de má fama. Quer sinal maior do que esse para entendermos como o Senhor é glorificado fora dos cultos?

Onde está a trilha sonora?
E aí vem a minha crítica aos músicos cristãos. A ampla maioria deles compõe apenas para a igreja. Mesmo os cantores de ritmos como rap, funk e axé buscam se apresentar nos templos e shows com canções explicitamente cúlticas ou que lembram muito um sermão. E as músicas que falam da vida das pessoas?

São poucos os músicos cristãos que compõem, tocam e cantam buscando o teatro, ao invés do templo. Que falam de amor, de lutas, de morte, de desabafos, da alma de seres humanos buscando o Deus vivo em suas vidas. Faltam músicas que a gente ouça e possa dizer "essa faz parte da trilha sonora da minha vida".

E se os artistas cristãos não o fizerem, outros o farão, e muito bem. Engana-se quem pensa que o público que vai a eventos como o Rock in Rio quer apenas uma relação comercial. Conheço muitas pessoas que se identificam fortemente com bandas e têm suas vidas inspiradas pela música. Canções que ilustram momentos de alegria e de tristeza, que ajudaram a começar e a terminar relacionamentos, que deram forças para dar a volta por cima ou as ajudaram a tomar decisões. Os (bons) shows têm um quê de culto, de transcedência, algo que encanta e fascina tanto os fãs como os astros.

E confesso: vários artistas como Roxette, Queen, Paula Fernandes e até Katy Perry e Maria Cecília e Rodolfo fazem parte da trilha sonora da minha vida. E sim, sou grato ao Senhor por isso. E sim, lamento muito quando os evangélicos boicotaram bandas como a Catedral que tentaram fazer isso e foram rechaçados pelos seus irmãos de fé.
Banda Catedral: uma rara tentativa de alcançar "todo o mundo"

Espero que Deus levante músicos cristãos que tenham o propósito de escrever trilhas sonoras para a vida das pessoas. Trilhas que glorifiquem ao Senhor e marquem a vida de seus ouvintes.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro