28 de fevereiro de 2011

Predestinados por Deus

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30

Ao privilégio de serem conhecidos de antemão, Deus acrescenta aos eleitos o de serem predestinados. É triste notar que muitos ao invés de glorificar a Deus por terem sido predestinados, procuram não apenas negar este fato bíblico como o combatem como uma heresia ou ensino diabólico. Talvez isso se dê pelo fato de que não compreenderem a doutrina, como crida historicamente pela igreja.

A palavra predestinar, em seu sentido mais simples, significa destinar de antemão. Teologicamente falando, refere-se ao propósito divino de levar seus eleitos à fé e preservá-los fiéis até à volta do Senhor. O termo proorizo significa, literalmente, “predeterminar, decidir de antemão, preordenar, designar de antemão” (Strong) e ocorre, além da passagem acima em At 4:28; 1Co 2:7; Ef 1:5 e Ef 1:11. Nestas passagens refere-se a um decreto eterno de Deus e que diz respeito ao Seu povo.

Notemos, reverentemente, que quem predestina é Deus. Devemos ser cuidadosos e não atribuir alguma coisa que Deus faz como sendo criação do Diabo, apenas porque não compreendemos ou nos parece contrário ao senso comum. Para os que creem no ensino bíblico da predestinação, saber ser ela um decreto de Deus inspira louvor e segurança, pois não apenas para esta vida, mas especialmente para a futura, “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8:28).

Olhemos mais um vez para o texto e vejamos que os predestinados são os mesmos que foram conhecidos de antemão. Isto torna impossível a tese de que os conhecidos de antemão são todas as pessoas de todos os tempos, pois se assim fosse, todas as pessoas de todos os tempos seriam predestinadas e infalivelmente salvas. A menos que se avilte o propósito divino, reduzindo-o a mera intenção, destituída de poder para realizar-se. Como tal pensamento é indigno de Deus, ficamos com a verdade de que a predestinação diz respeito àqueles que Deus escolheu graciosa e soberanamente na eternidade passada.

Resta-nos ainda observar a finalidade da predestinação. Alguns se apressam a rejeitá-la, dizendo que um Deus de amor não predestinaria ninguém para o inferno. Porém, o termo predestinar diz respeito aos eleitos, pois indica o propósito de Deus de assegurar a chegada deles à glória. As expressões “para serem conformes à imagem de Seu Filho” (Rm 8:29), “desde a eternidade para nossa glória” (1Co 2:7) e “para adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo” (Ef 1:5) só podem dizer respeito aos escolhidos de Deus. Portanto, a condenação dos incrédulos pode levar a outros questionamentos, (todos respondíveis), mas não é uma objeção à doutrina da predestinação, pois a mesma não diz respeito a eles.

Disso conclui-se que a doutrina da predestinação é primeiramente bíblica e que não se pode negá-la e manter a integridade das Escrituras. Mas também que não é uma doutrina amarga, a qual devemos aceitar mas que podemos não gostar. Devemos amar a doutrina da predestinação, pois ela está de “acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em Cristo” (Ef 1:9), pela qual “nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não em virtude das nossas obras, mas por causa da sua própria determinação e graça” (2Tm 1:9).

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

26 de fevereiro de 2011

Frutos de um país sensual

Publicado originalmente no Reforma e Carisma.
Ouvi a palavra do SENHOR, vós, filhos de Israel, porque o SENHOR tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios. Por isso, a terra está de luto, e todo o que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem.

Todavia, ninguém contenda, ninguém repreenda; porque o teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa. Por isso, tropeçarás de dia, e o profeta contigo tropeçará de noite; e destruirei a tua mãe.

O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos. Quanto mais estes se multiplicaram, tanto mais contra mim pecaram; eu mudarei a sua honra em vergonha. Alimentam-se do pecado do meu povo e da maldade dele têm desejo ardente.

Por isso, como é o povo, assim é o sacerdote; castigá-lo-ei pelo seu procedimento e lhe darei o pago das suas obras. Comerão, mas não se fartarão; entregar-se-ão à sensualidade, mas não se multiplicarão, porque ao SENHOR deixaram de adorar. A sensualidade, o vinho e o mosto tiram o entendimento.

O meu povo consulta o seu pedaço de madeira, e a sua vara lhe dá resposta; porque um espírito de prostituição os enganou, eles, prostituindo-se, abandonaram o seu Deus. Sacrificam sobre o cimo dos montes e queimam incenso sobre os outeiros, debaixo do carvalho, dos choupos e dos terebintos, porque é boa a sua sombra; por isso, vossas filhas se prostituem, e as vossas noras adulteram. Não castigarei vossas filhas, que se prostituem, nem vossas noras, quando adulteram, porque os homens mesmos se retiram com as meretrizes e com as prostitutas cultuais sacrificam, pois o povo que não tem entendimento corre para a sua perdição.

Ainda que tu, ó Israel, queres prostituir-te, contudo, não se faça culpado Judá; nem venhais a Gilgal e não subais a Bete-Áven, nem jureis, dizendo: Vive o SENHOR. Como vaca rebelde, se rebelou Israel; será que o SENHOR o apascenta como a um cordeiro em vasta campina?

Efraim está entregue aos ídolos; é deixá-lo.

Tendo acabado de beber, eles se entregam à prostituição; os seus príncipes amam apaixonadamente a desonra. O vento os envolveu nas suas asas; e envergonhar-se-ão por causa dos seus sacrifícios. (Oséias 4:1-19)
Países árabes em convulsão, discussão de salário mínimo, ameaças à Constituição...aposto com você que nenhum destes assuntos ganha do Big Brother Brasil em qualquer rodinha de conversa. Afinal de contas, nenhum assunto é tão importante a ponto de interessar mais do que um show onde você pode ver mulheres se beijando, transexualismo, pegação...e traições. E participar disso tudo é um sonho. Lembra de quando misses eram mulheres exemplares e deviam conservar a virgindade? Hoje, sonho de miss é  posar nua, e isso depois de trair o namorado em rede nacional. Tudo normal. Os que criticam são invejosos.

Na verdade há sim um rival: o Carnaval! Quer algo mais brasileiro do que mulheres seminuas rebolando em carros alegóricos? Os mesmos jornalistas que vociferam contra a corrupção e a criminalidade se derretem em elogios quando estão diante de uma passista. Assim como a imprensa acompanhou o drama do resgate de fluminenses desaparecidos nas enchentes que atingiram a região serrana do Rio, também foi dada ampla cobertura ao incêndio na Cidade do Samba. O que mudou foi só a velocidade com que veio a ajuda.

Qual o problema disso tudo? Será que eu tenho algum tipo de recalque sexual para falar negativamente de reality shows e de Carnaval? Bom, pode até ser...mas a verdade é que, ao contrário do que é ensinado por aí, a sensualidade é sim um sintoma de uma sociedade em decadência. Os comerciais de cerveja, a nudez carvalanesca, a pornografia...são coisas tão nocivas para o nosso país como o uso de drogas como o crack e os crimes. Acha radical? A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vai além, quando afirma que os reality shows brasileiros ferem a dignidade da pessoa humana.

Falta de conhecimento
Na verdade, há várias similaridades entre o Brasil do século XXI e Israel no século oitavo antes de Cristo, nos dias do profeta Oséias. Homicídios em alta, roubos...a criminalidade era algo comum. Perjúrios, mentiras, corrupção...tudo isso também estava na ordem do dia dos sacerdotes, dos príncipes do povo. Na falta de drogas pesadas, o álcool em excesso ajudava a completar os problemas israelitas.

E não faltava nem mesmo o ingrediente picante dos adultérios e imoralidades sexuais, inclusive alguns casos de incesto. Só que o profeta ao invés de comentar sobre a sensualidade com o olhar de aprovação do jornalismo atual, confronta a conduta de seu povo como sendo um pecado reprovável. Praticar a prostituição e o adultério é correr para a perdição (Os 4:14).

Mas a raiz de tanta iniqüidade é mais profunda. Israel não segue a verdade e o amor (Os 4:1), porque o povo não tem conhecimento de Deus (Os 4:1 e 6). Os sacerdotes abriram mão do seu dever de ensinar o povo e ele perdeu os referenciais de certo ou errado. Esqueceu-se de quem é o verdadeiro Deus, do que é bom e do que é ruim e por isso entregaram-se a todo tipo de pecado.

Por que o Brasil está igual a Israel de Oséias

A sensualidade tira o entendimento
E um dos ensinos que são perdidos é o de Oséias 4:11. A sensualidade é como uma droga. Assim como o vinho e o mosto fazem com que as pessoas percam o bom senso, falem o que não devam, dêem escândalos, vomitem e até matem...a sensualidade também desvia os homens (e mulheres) daquilo que é bom e correto.

Sensualidade aqui não é sinônimo de sexualidade, mas sim um tipo de comportamento e atitude mental que colocam o prazer sexual em evidência, estando acima de outros valores, até mesmo do casamento. Acontece quando a menina pisca pro namorado da amiga e também quando ele responde com um olhar lascivo. Acontece quando pais estimulam crianças de três anos a se beijarem e batem palma quando ela imita as dançarinas sensuais. Acontece quando adolescentes se vestem de forma provocante porque querem ser desejados pelos outros.

E é assim que nascem mazelas maiores. O adultério de hoje começa com a traição de ontem no namoro. As modelos que se masturbam numa câmera pública e beijam homens e mulheres começam com as adolescentes se vestindo para cativar os homens. A dificuldade em achar alguém pra casar e formar uma família estável é filha de uma geração que aprende sobre sexo vendo pornografia e achando que o legal é beijar sem compromisso (ficar).

Pense bem. Quem não é capaz de ser fiel à mulher que um dia disse que amava...como pode ser fiel ao povo que o elegeu? Se criminosos são fruto de famílias desestruturadas, por que ninguém aponta a sensualidade como culpada pela criação de um bandido? Sim...porque em uma sociedade onde os homens vão para a Bahia disputar quem beija mais...e as mulheres aceitam...como essa sociedade pode gerar casamentos onde haja fidelidade e uma família estável?

Mas, se é como era em Israel...onde as mulheres e as noras traíam e os homens saíam com as prostitutas de Baal (um deus cananeu)...que esperança há? Se a infidelidade é a regra em casa, só podemos esperar coisas piores quando se sai para a rua.

Você pode até achar tudo lindo, bonito e natural. Mas se parar e pensar...vai ver que a sensualidade ataca as relações humanas mais básicas. Ela destrói o amor...e também as famílias. Inclusive a vida de quem não tem nada a ver com o adultério dos pais.

O abandono de Deus
E como resolver tudo isso? Revertendo o problema mais básico de todos: o abandono de Deus. Brasileiros, israelenses e seres humanos de todas as épocas correm para o pecado por um motivo bem simples: eles abandonaram a Deus!

Pode parecer simplista, mas é verdade. A razão pela qual as pessoas são violentas, mentirosas, antiéticas e sensuais é porque elas amam mais estes pecados do que ao Senhor. Por que os poderosos no nosso país são corruptos? Porque o povo o é: nós somos como os nossos "sacerdotes", por isso eles são os nossos chefes. Elegemos aqueles que seguem o que nós amamos. O povo de Israel amava apaixonadamente a desonra tanto quanto os seus príncipes.

A pregação de Oséias denuncia este amor pelo erro. É por esta razão que Deus anuncia ter uma contenda, não só com os israelitas, mas com os habitantes da terra (Os 4:1). O abandono humano prejudica até mesmo plantas e animais (Os 4:3), se materializa em uma série de pecados e encontra o seu ápice na prostituição espiritual de Israel, ou seja, na adoração dos ídolos (Os 4:12).

Embora em seus dias a maioria da nação tenha ignorado os apelos do profeta, todavia um grupo se arrependeu. Essas pessoas entenderam que Oséias era um profeta de Deus e preservaram o seu livro. Alguns efetivamente deixaram os ídolos e permaneceram ao lado do Senhor. A profecia trouxe salvação a alguns.

Hoje Jesus prega a mesma mensagem aos que vivem no país do Carnaval. Por meio da Igreja, Cristo nos adverte que a sensualidade atenta contra a dignidade humana. Vou além: a sensualidade, o culto a deuses falsos (santos, orixás, guias...) ou não (dinheiro, sexo, poder, fama), a violência e a corrupção...todas essas coisas nos deformam e diminuem nossa humanidade. Abandonar a Deus é ser enganado (Os 4:12), é caminhar para um destino de destruição. Mas, se O amarmos novamente, Ele se dará a conhecer e seremos libertos daquilo que rouba o nosso entendimento.

Essa volta só pode ser feita por meio da fé em Jesus:
Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. (João 14:6)

Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. (João 3:16-18)
Independente de sua religião, é hora de abandonar a sensualidade em sua vida. Hoje é o momento para compreendermos que a sensualidade é um pecado que traz morte e rouba o nosso entendimento, assim como acontece com as drogas. É a hora de levarmos a sério o protesto de Deus contra os nossos pecados e nos reconciliarmos com o Senhor, por meio de Jesus Cristo. Que Ele nos ajude a lutarmos contra o pecado em nossas vidas e em nossa cultura.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

21 de fevereiro de 2011

O silêncio dos "profetas"

Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Moabe e por quatro, não sustarei o castigo, porque queimou os ossos do rei de Edom, até os reduzir a cal. Por isso, meterei fogo a Moabe, fogo que consumirá os castelos de Queriote; Moabe morrerá entre grande estrondo, alarido e som de trombeta. Eliminarei o juiz do meio dele e a todos os seus príncipes com ele matarei, diz o SENHOR.

Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Judá e por quatro, não sustarei o castigo, porque rejeitaram a lei do SENHOR e não guardaram os seus estatutos; antes, as suas próprias mentiras os enganaram, e após elas andaram seus pais. Por isso, meterei fogo a Judá, fogo que consumirá os castelos de Jerusalém.

Assim diz o SENHOR: Por três transgressões de Israel e por quatro, não sustarei o castigo, porque os juízes vendem o justo por dinheiro e condenam o necessitado por causa de um par de sandálias. Suspiram pelo pó da terra sobre a cabeça dos pobres e pervertem o caminho dos mansos; um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem e, assim, profanam o meu santo nome. E se deitam ao pé de qualquer altar sobre roupas empenhadas e, na casa do seu deus, bebem o vinho dos que foram multados.

Todavia, eu destruí diante deles o amorreu, cuja altura era como a dos cedros, e que era forte como os carvalhos; e destruí o seu fruto por cima e as suas raízes por baixo. Também vos fiz subir da terra do Egito e quarenta anos vos conduzi no deserto, para que possuísseis a terra do amorreu. Dentre os vossos filhos, suscitei profetas e, dentre os vossos jovens, nazireus. Não é isto assim, filhos de Israel? - diz o SENHOR. Mas vós aos nazireus destes a beber vinho e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis.

Eis que farei oscilar a terra debaixo de vós, como oscila um carro carregado de feixes. De nada valerá a fuga ao ágil, o forte não usará a sua força, nem o valente salvará a sua vida. O que maneja o arco não resistirá, nem o ligeiro de pés se livrará, nem tampouco o que vai montado a cavalo salvará a sua vida. E o mais corajoso entre os valentes fugirá nu naquele dia, disse o SENHOR. (Amós 2:1-16)
O ano de 2011 começa com uma grande agitação nos países árabes. No momento em que escrevo este post, os governos na Tunísia e no Egito já foram derrubados, enquanto a Líbia se divide em uma disputa entre oposicionistas e partidários do governo de Muammar al-Gaddafi. Enquanto isso, protestos estouram em outros países árabes, como o Iêmen.

Trata-se, sem a menor sombra de dúvidas, do acontecimento mais importante dos últimos anos em todo o mundo, com reflexos que podem alterar o equilíbrio de forças entre as nações. Dependendo do rumo das revoluções o cristianismo pode encontrar uma oportunidade para avançar ou então mergulhará em perseguições ainda mais radicais que as já existentes no norte da África e Oriente Médio.
Egípcios reunidos na Praça Tahrir, no Cairo.

Porém, enquanto o mundo acompanha atentamente o que acontece naquela região, as igrejas cristãs brasileiras se calam. Pior: ignoram o assunto. Não há mobilizações visíveis de intercessão pelos países árabes. Os pastores não pregam sobre que valores devem ser defendidos neste momento. Ao invés de um clamor para que o Senhor defenda Seu povo e Seus missionários, há um silêncio ensurdecedor. Talvez porque as agitações ocorram em países distantes, exóticos para nós, fingimos que o problema não é conosco.

Confrontando o pecado de outras nações
Mas essa não era a postura que tinham os profetas do Antigo Testamento. Um bom exemplo é o de Amós, que viveu no século oitavo antes de Cristo, quando o reino de Israel estava dividido em dois: Judá (reunindo as tribos de Judá, Benjamim e Levi), ao sul e Israel (juntando as demais tribos), ao Norte. Em seus dias, tanto o reino de Israel como o de Judá estavam distantes dos caminhos de Deus. A idolatria e as injustiças sociais eram pecados comuns e causavam tantos problemas que era de se esperar que Amós se concentrasse apenas em pregar ao seu próprio povo.

Contudo, o livro de Amós abre com uma série de mensagens proféticas dirigidas a outras nações. Antes de falar de seu país (Israel), o profeta denuncia os pecados cometidos por sete nações: Síria, Filístia, Fenícia, Edom, Amom, Moabe e Judá. A mensagem que o Senhor entrega por meio do profeta é clara: Deus não olhava apenas para os israelitas, Ele é o Juiz de todos os povos. O profeta fala não apenas para os "filhos de Deus", sua mensagem diz respeito a todo o mundo.

No recorte que fiz neste post, os moabitas são condenados pelos exageros na guerra contra os edomitas e os judeus pela sua rebeldia em seguir as leis do Senhor (a Lei de Moisés). Antes, há condenações por outros abusos de guerra: excesso de violência, venda de prisioneiros, assassinato cruel de grávidas e falta de misericórdia.

Hoje o ensino é o mesmo: Jesus é o Juiz não apenas dos cristãos, mas também de muçulmanos, judeus, espíritas, hindus e até de ateus. Não somos chamados para confrontar somente o pecado de quem adora a Cristo. Assim como Amós, os pregadores de hoje também devem proclamar o juízo do Senhor sobre as nações pecaminosas.

Os países árabes sempre freqüentam as primeiras posições nas relações de países que mais perseguem a Igreja, feita pela Missão Portas Abertas. Assassinatos, queimas de templos, prisões injustas, mutilações à mulheres, restrições às liberdades fundamentais e até proibição de conversões são algumas das transgressões cometidas nessa região. Para piorar, há a possibilidade de que grupos radicais, como a Irmandade Muçulmana, no Egito. tomem o poder e mantenham ou agravem várias dessas perversidades. São pecados e alertas que precisam ser denunciados no século XXI.
A Igreja continua perseguida, como nos dias de Roma

Hoje o meu desafio é o de chamar as igrejas à oração por estes países. Agora é o momento de pastores pregarem contra estes pecados e liderarem os fiéis em intercessões, pedindo ao Senhor que use este momento para fortalecer o Evangelho em países que estão mergulhados em trevas espirituais.

Confrontando o pecado dentro de casa
Por outro lado, o ensino bíblico não se restringe a confrontar os pecados distantes. Os pecados "de casa", aqueles cometidos dentro das igrejas ou nas comunidades onde elas estão inseridas devem ser enfrentados com um rigor ainda maior.

Crimes de guerra são graves, mas Israel conseguia ser ainda pior. Juizes vendendo sentenças, orgias incestuosas, idolatria associada à imoralidade sexual, corrupção dos que consagravam ao Senhor (nazireus) e perseguição religiosa eram o pano de fundo da sociedade israelita. Embora Israel fosse o herdeiro das promessas divinas e daqueles que foram libertos pelo Senhor, a nação insistia em se manter rebelde contra Deus. Já que Israel agia como as outras nações, também teria o mesmo castigo que elas.

Nada muito diferente do que acontece nas igrejas cristãs do Brasil. Pastores torcem a Palavra em troca de dinheiro. A imoralidade sexual é combatida de boca, mas é tolerada cada vez mais, a ponto de existirem igrejas que se recusam a chamar o homossexualismo de pecado. A idolatria volta, travestida de culto a apóstolos, uso de objetos "mágicos" e avareza. Os membros que se levantam e protestam são ignorados, calados, tachados de rebeldes e até expulsos.

E vem a ser o mesmo que acontece no Brasil. Compra de sentenças, louvor à sensualidade (o país do Carnaval e do BBB), idolatria, culto aos mortos e à imagens...qual a diferença em relação aos dias de Amós? O Brasil chegou a um ponto tal onde nos perguntamos se vale a pena ser honesto, correto e decente.

Mas há sim uma diferença. Enquanto os árabes dizem basta e vão às ruas, o Brasil não se move. No fundo, o povo aceita e aprova tudo o que acontece. O único lamento da maioria é não ser o político que rouba, a rainha de bateria que posa em revistas pornográficas ou o ídolo que controla a multidão. Não há indignação ao pecado, senão sairíamos às ruas.

E a Igreja é cúmplice desta passividade. Em nome de uma ética duvidosa, diz-se que igrejas não podem fazer política. E o resultado é que políticas pecaminosas são aprovadas e os cristãos se calam. Os governantes erram e não são confrontados. Poucos questionam, por exemplo, porque escolas de samba recebem ajuda do governo antes de desabrigados pela maior tragédia natural da história do Brasil. Mais uma vez: não há chamados à oração, mobilização para que os cristãos ganhem as ruas, publicação de manifestos...quase nada.
Para o Brasil, as escolas valem mais que os desabrigados pelas chuvas no RJ

Onde estão os profetas?
Creio que falta a todos os cristãos o entendimento sobre qual a verdadeira missão de Jesus. Ele não veio nos livrar da culpa do pecado, Ele veio destruí-lo. Jesus não vem dar uma solução para que os cristãos possam conviver harmoniosamente com o pecado. Cristo veio não apenas morrer na cruz, Ele também veio confrontar os pecadores.

E essa confrontação não é apenas individual. Pode até funcionar, mas é muito cômodo falar apenas dos dramas e pecados individuais. Jesus não nos chama apenas para isso. Nossos púlpitos devem alcançar as pessoas, as igrejas, a nossa sociedade e outros países do mundo. É para isso que fomos chamados. Se nos calarmos, Deus continuará usando a outros para falar a um Brasil caído.

Que o Senhor possa nos ajudar a erguermos os olhos e termos a mesma visão (e coragem) que Ele colocou em Amós.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

17 de fevereiro de 2011

"Tapados" demais para pensar como Cristo

Harry Blamires afirmou, há bastante tempo, não haver mais tal coisa conhecida como "a mente cristã". Isso indica pelo menos duas realidades: a primeira, de que os cristãos cederam ao secularismo e outras correntes da época, deixando a cosmovisão cristã em alguma gaveta de seu armário comportamental, oculta sob uma pilha de lixo ideológico anticristão. Isso não é estranho de se ver: aos montes estão os exemplares de cristãos abortistas, socialistas, pragmáticos, liberais, etc. Simplesmente rejeitaram ou esconderam o modo bíblico de encarar a realidade, substituindo-o por alguma outra coisa, que ainda foi chamada de cristã, mesmo que em oposição direta ao Cristo e Sua doutrina.

A segunda possibilidade, é a de que, não apenas a cosmovisão e os processos mentais direcionados pela Escritura foram reduzidos, mas a própria capacidade de pensar profundamente e compreender as coisas. Nesse sentido, não existiria mente cristã, porque a própria mente em seu sentido mais amplo estaria reduzida às escolhas mais básicas da humanidade: "o que vou almoçar hoje?", "será que é melhor ir ao banheiro agora?", "acho que estou com sono... vou dormir". Este aspecto do fim da mente cristã revela a redução na capacidade de raciocinar e desenvolver reflexões mais elaboradas sobre O Criador, a Criação, e as relações daí decorrentes.

Não me entendam mal, este não é um fenômeno exclusivamente cristão. Há quem estude esta queda abrangente e publique suas pesquisas sobre o assunto, como Allan Bloom, em seu livro "O declínio da cultura ocidental" (ed. Best Seller), ou dê exemplos de como os intelectuais já não são mais como outrora, a exemplo do "imbecil coletivo", de Olavo de Carvalho (ed. É realizações).

Permitam-me ilustrar o ponto entre os cristãos.  Em 2003, o Barna Grupo divulgou os resultados de uma pesquisa sobre a leitura de material cristão entre os americanos. Havia alegria na publicação: metade dos americanos havia lido livros cristãos, e um terço deles estava comprando livros.  Alguns pontos foram interessantes: os politicamente conservadores estão à frente no consumo de publicações cristãs, seguidos dos cristãos não evangelicais (provavelmente reformados e outros grupos). Os adultos e adolescentes evangelicais também merecem destaque na leitura de tais obras.

Embora exista algo de bom em que se esteja lendo livros cristãos, o número ainda é vergonhoso, e não digno de comemoração. A pesquisa demonstra que o adolescente comum comprou, no ano, apenas três livros (é possível que tenha lido mais, mas uma média dessa revela algo sobre o consumo e leitura de livros entre adolescentes). O adulto médio, de quem se poderia - teoricamente - esperar mais, comprou não muito mais do que isso: cinco livros por ano.

Mas essa não é a pior notícia. Alguém poderia argumentar que, se todo adolescente mantivesse a média de ler três livros por ano, e todo adulto lesse cinco no mesmo período, isso já seria motivo de muita alegria e enriquecimento. Eu não sou tão otimista assim. Primeiro porque, sem rebaixar os padrões, ler 3 livros em um ano inteiro é pouco. Soe isso arrogante ou não. Ou, se é para abrir uma concessão, que esses três livros fossem relidos várias vezes ao longo do ano, a fim de captar mais intensamente o seu conteúdo. Outro ponto é que, além da quantidade de livros lidos, é preciso selecionar bem o conteúdo do material a ser estudado.

E aqui está o problema: enquanto o Barna Group comemorou esses tímidos números, eu tentei desvendar que materiais cristãos estavam sendo lidos. Cheguei a uma pesquisa do mesmo grupo, realizada dois anos depois - em 2005. Ali está uma lista dos top 7: os livros cristãos mais populares nos Estados Unidos. Eis o ranking (alguns títulos são tradução livre, já que não conheço em português):

1 O código Da Vinci (Dan Brown)
2 Uma vida com propósitos (Rick Warren)
3 As cinco pessoas que você encontra no céu (Mitch Albom)
4 Deixados para trás (Tim Lahaye)
5 A oração de Jabez (Bruce Wilkinson)
6 Terças com Morrie (Mitch Albom)
7 Sua melhor vida agora (Joel Osteen)

O que esta lista fala sobre a qualidade da leitura popular? Não que nada possa ser aproveitado daí, mas qualificar O Código Da Vinci como literatura cristã já revela o início do problema, considerando o fato de que o autor desta obra tenta colocar em cheque o ensino bíblico sobre Jesus. "Literatura anticristã" seria mais apropriado. Dos demais, uma mistura de judaísmo, com teologia da prosperidade, auto-ajuda e ficção dispensacionalista, indicam que, se os três livros que os adolescentes leram, e os cinco dos adultos, forem dessa lista, o problema com a mente cristã é ainda maior.

Embora as pesquisas tenham sido realizadas nos Estados Unidos, creio não haver muita diferença em relação ao Brasil. Talvez ainda haja mais leitura por lá do que por aqui. O desafio que temos hoje, para resgatarmos a mente cristã, é de incentivarmos e promovermos a leitura, investirmos na produção e aquisição de bons livros, e trabalharmos pesado para que, pelo ensino bíblico, a cosmovisão cristã seja uma realidade entre nós.

Deus nos ajude.

14 de fevereiro de 2011

Conhecidos de antemão

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30

Todos nós, acredito, gostamos de conhecer e de sermos conhecidos. Talvez isso explique parte do sucesso das redes sociais da Internet, onde uma pessoa conhece alguém que conhece alguém, que se torna nosso conhecido, e por aí vai. Mas nada se compara a conhecer e ser conhecido de Deus. Nada como ouvir Deus dizer "eu te conheço desde sempre"!

O termo traduzido pela NVI como "conheceu de antemão" deriva de uma palavra grega (proginosko), que é formada por uma preposição que significa "antes de um certo ponto" e um verbo que significa "conhecer". Daí, conhecer de antemão. Mas a definição etimológica da palavra não transmite o seu real sentido. Na linguagem das Escrituras, não significa simplesmente alguma coisa da qual Deus toma ciência antes de um certo ponto, mas envolve um relacionamento favorável da parte de Deus. Conforme assinala Vine, "a presciência de Deus envolve sua graça eletiva". Podemos dizer que é um conhecimento eletivo.

Observemos agora o objeto desse conhecimento prévio de Deus. É um erro comum considerar que tal conhecimento envolve coisas ou eventos, como por exemplo a fé que alguém terá ou a aceitação de Cristo por um pecador. O texto diz "aqueles", referindo-se a pessoas. E de fato, sempre que o termo ocorre no Novo Testamento tendo Deus como referência, são pessoas e nunca coisas ou eventos os objetos desse conhecimento. Em Atos 2:23 ("este homem") e 1Pe 1:20 ("cordeiro sem mancha e sem defeito"), a pessoa conhecida de antemão é o Senhor Jesus Cristo. Nas outras, os conhecidos de antemão são "aqueles" (Rm 8:29), "o seu povo" (Rm 11:2) e os "eleitos de Deus" (1Pe 1:1-2). A fé nunca aparece na Bíblia como algo antevisto por Deus no contexto em que o preconhecimento de Deus ocorre.

Alguém poderá dizer que sendo o conhecimento de Deus de todas as coisas exaustivo, é óbvio que Ele conhece todas as pessoas. Porém, aqui temos que lembrar que o conhecimento de Deus não é mera ciência de fatos acerca de pessoas, e sim de um conhecimento relacional, que envolve uma escolha e uma decisão de ser-lhes favorável. Neste sentido, Deus não conhece a humanidade inteira, mas apenas aqueles a quem escolheu para serem recipientes da Sua graça.

Por isso que Ele pode dizer para alguns "nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!" (Mt 7:23), enquanto dá certeza a outros dizendo "o firme fundamento de Deus permanece inabalável e selado com esta inscrição: 'O Senhor conhece quem lhe pertence'" (2Tm 2:19). Outra vez diz "as minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem" (Jo 10:27).

Tendo compreendido isto, resta-nos atentar para a advertência do apóstolo: "mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos, como é que estão voltando àqueles mesmos princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por eles outra vez?" (Gl 4:9). Saber-se conhecido por Deus nos dá a segurança que nenhum outro sistema pode oferecer. Pelo contrário, ignorar este fato pode nos levar a submeter-nos de novo a rituais sem eficácia alguma, visando fazer alguma coisa ou evitar outra para granjear o favor divino. Mas sabendo que fomos conhecidos por Ele desde a eternidade nos dá a convicção de que desde a eternidade Ele já nos é favorável.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

4 de fevereiro de 2011

É pecado se definir como calvinista?

Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer.

Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo.

Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?

Dou graças a Deus porque a nenhum de vós batizei, exceto Crispo e Gaio; para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. Batizei também a casa de Estéfanas; além destes, não me lembro se batizei algum outro.

Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o evangelho; não com sabedoria de palavra, para que se não anule a cruz de Cristo. Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus.

Pois está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos. Onde está o sábio? Onde, o escriba? Onde, o inquiridor deste século? Porventura, não tornou Deus louca a sabedoria do mundo?

Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. (1 Coríntios 1:10-24)
Nenhuma palavra define melhor a pós-modernidade do que o relativismo. Em um mundo sem absolutos morais ou estéticos (o que é belo, afinal?), não é de estranhar que os conceitos tenham se tornado incômodos. Usar nomes para definir posições políticas, econômicas e até mesmo teológicas tornou-se algo abominável, inclusive para cristãos. Rotular ou ser rotulado tornou-se um pecado mortal, a moda é tentar conciliar diferentes correntes, ainda que contraditórias. Quanto mais indefinido, melhor.

Dentro das igrejas protestantes, o repúdio aos rótulos chega a tal ponto que, para muitos, definir-se como calvinista, luterano ou arminiano é um pecado. Seria o mesmo erro cometido pela igreja de Corinto quando um dizia que era de Paulo, outro de Apolo e um terceiro de Cefas (Pedro). O certo é apenas se identificar como cristão. Certo?

Errado. Creio que esse tipo de pensamento é simplista demais. Sim, há horas em que a identificação com o calvinismo ou qualquer corrente teológica se torna algo pecaminoso e doentio. Mas, da maneira apropriada, o rótulo pode sim ser útil. Tudo depende do coração.
A moda é ter várias identidades, tantas, que ninguém possa ser rotulado. Quadro de Andy Warhol.

Quando é pecado
Os rótulos se transformam em um grande problema acontece quando eles nos levam a dividir o Corpo de Cristo. Quando o apóstolo Paulo critica os grupos de Corinto, a sua maior preocupação é manter a unidade da Igreja. Os coríntios estavam tão preocupados em afirmar seus pontos de vista e afinidades que estavam se esquecendo que eram parte de um povo.

Em Corinto, aparentemente, os grupos elegiam um teólogo-modelo e o colocavam acima dos demais, desprezando o trabalho e a teologia de outros apóstolos ou pregadores. Havia diferentes "disposições mentais" e "pareceres". As disputas iam muito além de simples debates: havia ciúmes e brigas, um verdadeiro sentimento de inimizade, causado pela carnalidade de alguns coríntios:
Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem? Quando, pois, alguém diz: Eu sou de Paulo, e outro: Eu, de Apolo, não é evidente que andais segundo os homens? (1 Coríntios 3:3-4)
A postura desses coríntios era bem semelhante à das seitas: apenas o "meu grupo" é correto, e os demais estão errados. Mesmo quando alguns diziam ser "de Cristo", a atitude era criticada por Paulo. Nesse último caso, apenas os ensinos vindos de Jesus nos Evangelhos eram seguidos, havendo uma desconsideração com o ensino que o próprio Cristo dava por meio dos apóstolos. Era apenas mais um grupo no meio dos outros.

Quando ser calvinista (ou reformado) significa dividir o Corpo de Cristo, não reconhecer o valor de outros irmãos e se isolar em uma atitude de superioridade, o rótulo é sim prejudicial. Isso acontece com calvinistas que começam a questionar a salvação de quem diverge em pontos secundários da fé (como, por exemplo, arminianos ou pentecostais) ou que chegam ao ponto de recusar qualquer tipo de diálogo ou ação conjunta. Na hora em que os apelos à teólogos reformados se tornam tão ou mais importantes do que os versículos bíblicos, no instante em que argumentos de quem não é calvinista são recusados por motivos ad hominem, ou quando há um interesse maior em conhecer os pensamentos de Calvino e seus seguidores do que em Cristo Jesus e Seus apóstolos, com certeza estamos diante de comportamentos pecaminosos.


Claro que esse tipo de atitude não é uma exclusividade do calvinismo. Infelizmente atitudes semelhantes podem ser encontradas em outros ramos do protestantismo e do cristianismo também. Embora seja óbvio que há teólogos que entenderam melhor a Bíblia do que outros, devemos ser capazes de compreender e apreciar a contribuição de santos que não pensam como nós. Afinal, o cristianismo é maior que o calvinismo e não pode ser resumido nos pensamentos de um único teólogo, ainda que ele seja o apóstolo Paulo:
Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho. (1 Coríntios 3:5-8)
Quando não é pecado
Entretanto, ao contrário do que imaginamos, os rótulos são sim usados na Bíblia, inclusive por Jesus Cristo. Nem Ele e nem os apóstolos viam qualquer problema em usar nomes para identificar grupos que professavam determinado tipo de pensamento. Em resumo, não há qualquer pecado em rotular com um nome um grupo de pessoas que pensam ou agem de determinada maneira.

Um bom exemplo é ver a forma como os primeiros cristãos reagiram quando eram rotulados pelos demais. Em momento algum do livro de Atos vemos qualquer rejeição da Igreja aos rótulos:
tendo-o encontrado, levou-o para Antioquia. E, por todo um ano, se reuniram naquela igreja e ensinaram numerosa multidão. Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos. (Atos 11:26)
Paulo chega a se valer de um deles em sua defesa perante Félix:
Porém confesso-te que, segundo o Caminho, a que chamam seita, assim eu sirvo ao Deus de nossos pais, acreditando em todas as coisas que estejam de acordo com a lei e nos escritos dos profetas,...(Atos 24:14)
Os rótulos aparecem até para identificar segmentos distintos do povo de Deus:
Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas (judeus de fala grega) contra os hebreus (judeus de fala hebraica), porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. (Atos 6:1)
E, claro, eles foram usados tanto por Jesus como pelos apóstolos para condenar grupos heréticos (notem que eles generalizavam sem constrangimentos):
E Jesus lhes disse: Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. (Mateus 16:6)

Posto que miríades de pessoas se aglomeraram, a ponto de uns aos outros se atropelarem, passou Jesus a dizer, antes de tudo, aos seus discípulos: Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. (Lucas 12:1)

Porque existem muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os da circuncisão. (Tito 1:10)

Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar -se, temendo os da circuncisão. (Gálatas 2:12)
Não devemos querer ser mais realistas que o Rei dos Reis. Se Jesus e Paulo usaram rótulos, inclusive para criticar, quem somos nós para dizer que eles são pecaminosos? Os pós-modernos querem ser mais santos que o Santíssimo. E, claro, incorrem em erro.

O equilíbrio da interpretação
E aqui nós podemos ver a importância de se analisar toda a evidência bíblica antes de emitirmos certos julgamentos. Isoladas, as críticas de Paulo aos grupos de Corinto parecem uma condenação clara a quem se identifica como calvinista, arminiano ou luterano, mas que também serviria a quem se define como católico, batista ou pentecostal. Quando o contexto é analisado com mais calma e consideramos atitudes de Paulo e de Jesus, vemos que o pecado surge quando a rotulação é fruto da natureza pecaminosa humana e de um espírito faccioso (que provoca facções, divisões), comprometendo a unidade da Igreja.

Por esta razão, não me constranjo em fazer parte de um blog que se autointitula 5 Calvinistas. Também não sou como outros que receam chamar suas posiçõs teológicas pelo nome. Não tenho vergonha em dizer que sou cristão, reformado, presbiteriano, pedobatista, carismático e amilenista. E não entendo os pudores de quem tem cheiro de lobo, cara de lobo, pêlo de lobo, latido de lobo e nega ser lobo. Aliás, só consigo entender isso como má-fé ou como uma rendição ao pós-modernismo, que alguma vezes influencia os cristãos mais do que o próprio Jesus.

Claro que há excessos, e ainda hoje há calvinistas, arminianos, pentecostais e outros que caem no mesmo erro dos coríntios. Mas um erro se corrige com um acerto, e não com outro erro, ainda que seja o do politicamente correto.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro