29 de dezembro de 2011

Como ter um 2012 melhor que 2011

Advertência contra o vale da Visão: O que está perturbando vocês agora, o que os levou a se refugiarem nos terraços, cidade cheia de agitação, cidade de tumulto e alvoroço? Na verdade, seus mortos não foram mortos à espada, nem morreram em combate. Todos os seus líderes fugiram juntos; foram capturados sem resistência. Todos vocês que foram encontrados e presos, ainda que tivessem fugido para bem longe.

Por isso eu disse: Afastem-se de mim; deixem-me chorar amargamente. Não tentem consolar-me pela destruição do meu povo. Pois o Soberano, o Senhor dos Exércitos enviou um dia de tumulto, pisoteamento e pavor ao vale da Visão; dia de derrubar muros e de gritar por socorro pelos montes.

Elão apanhou a aljava, e avança com seus carros e cavalos; Quir ostenta o escudo. Os vales mais férteis de Judá ficaram cheios de carros, e cavaleiros tomaram posição junto às portas das cidades; Judá ficou sem defesas. Naquele dia vocês olharam para as armas do palácio da Floresta e viram que a cidade de Davi tinha muitas brechas em seus muros. Vocês armazenaram água no açude inferior, contaram as casas de Jerusalém e derrubaram algumas para fortalecer os muros. Vocês construíram um reservatório entre os dois muros para a água do açude velho, mas não olharam para aquele que fez estas coisas, nem deram atenção àquele que há muito as planejou.

Naquele dia o Soberano, o Senhor dos Exércitos, os chamou para que chorassem e pranteassem, arrancassem os seus cabelos e usassem vestes de lamento. Mas, ao contrário, houve júbilo e alegria, abate de gado e matança de ovelhas, muita carne e muito vinho! E vocês diziam: "Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos".

O Senhor dos Exércitos revelou-me isso: "Até o dia de sua morte não haverá propiciação em favor desse pecado", diz o Soberano, o Senhor dos Exércitos.(Isaías 22:1-14)
Poucos anos foram tão difíceis como 2011. O mundo está no meio de uma crise econômica, talvez a mais séria desde a Grande Depressão de 1929. A alegria com a queda das ditaduras na Primavera Árabe deu lugar a inquietações sobre a natureza dos governos que mudarão a face do Oriente Médio. O Brasil sofreu com escândalos de corrupção, o assassinato da juíza Patrícia Acioly e até com a humilhação imposta pelo futebol do Barcelona. Sem falar nas inúmeras tragédias pessoais que se abateram na minha vida e na de várias pessoas ao meu redor. Para muitos, 2011 é um ano a ser esquecido.

Qual a melhor forma de esquecer um ano ruim? Que tal uma noite de festa, alegrias e prazeres para começar bem 2012? Bebidas, sexo, comida à vontade. Virar o ano beijando na boca ou entregando oferendas a orixás. Ou então guardando sementes de romãs na carteira. Esse é o receituário que os meios de comunicação passam sobre como ter um 2012 bom e esquecer um 2011 sofrível.

Mas, o que diz a Bíblia? O que fazer para que 2012 possa ser melhor do que 2011?

Reconheça a soberania de Deus
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que os anos bons e ruins não são fruto do acaso, mas sim da vontade de um Deus Soberano que controla todas as coisas. Tanto os dias de calma, alegria e prosperidade como os de tumulto, pisoteamento e pavor são determinados por Deus, e não pelo nosso esforço pessoal ou por coincidências sem objetivo.

Sim, é isso mesmo: os tempos e as épocas dependem diretamente de Deus e não de nós. As simpatias do dia 31 são ilusões, magias, tentativas humanas de controlar o destino. Usar roupa branca para ter paz ou amarela para enriquecer...comer peixe que nada pra frente e fugir de aves que ciscam pra trás...isso não passa de uma estratégia ridícula de tomar de Deus o controle de nossas vidas.

Mesmo o esforço racional é inútil. Quando Isaías viu Jerusalém cercada de exércitos, ele enxergou judeus fazendo o melhor que podiam para evitar a queda da cidade. Contaram brechas, derrubaram casas, reforçaram muros, juntaram águas...mas isso não adiantou. Os judeus fizeram tudo o que podiam, menos o que poderia tê-los salvo: "olhar para Aquele que fez estas coisas".

Troque o prazer pelo arrependimento
Mas Deus não reina arbitrariamente sobre o mundo. Ele tem propósitos em mandar épocas boas e ruins. E, quando tudo é difícil, quando nossos pecados nos levam a uma situação de dor e desamparo, o convite que Ele nos faz é ao arrependimento.

Nós pensamos que a melhor atitude que podemos ter em relação ao sofrimento é fugir dele. Fazemos terapia para que as feridas não tragam mais dor. Bebemos e nos drogamos para anestesiar a alma. Beijamos qualquer boca para esquecer o amor que se foi. O prazer de "comer e beber" é o antídoto que buscamos, já que "amanhã, morreremos".

Na verdade, quando agimos assim, não somos sábios. O que fazemos é aumentar ainda mais a nossa culpa diante de Deus. Quando fracassamos, quando erramos, quando forças maiores do que nós nos esmagam, Deus quer que olhemos para cima. O objetivo d'Ele é que paremos de olhar para o lado (para as fugas) ou para baixo (olhando a nossa força) e voltemos os nossos olhos para Ele. São épocas de choro, de sentir a dor de nossos pecados, de despirmos as vestes de festa e vestirmos as roupas de luto. É tempo de confessar pecados e considerar o Senhor que fez todas as coisas.

Não persista no erro
Deus não nos manda ao "inferno" para "abraçarmos o capeta", como Israel fez. Na verdade, quando estamos lá, é em amor que Ele estende seu braço, para que possamos abraçá-Lo, por meio de Jesus Cristo.

Não sei o que você pensa em fazer na virada do ano. Mas eu espero, em Cristo, que nós não aumentemos o tamanho dos nossos erros, até que nossa maldade não possa mais ser perdoada. A "virada" que conta para Deus não é a do calendário, mas sim aquela que realizamos em nossa vida, quando reconhecemos que Ele é Soberano e trocamos o prazer do mundo pelo arrependimento santo. Eis o segredo para escaparmos do juízo de Deus.

Se agirmos assim, ainda que 2012 tenha mais tristezas que 2011, venceremos, porque o Senhor ouvirá o nosso choro e nos salvará quando executar a Sua santa sentença.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

26 de dezembro de 2011

Em tudo dai graças


“Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” Sl 136:1
Ao se aproximar do final do ano, é oportuno falar sobre dar graças a Deus. Não que este seja o momento para isso, mas porque quase sempre essa época enseja um balanço de nossas vidas nos últimos meses. E isso deve nos levar a agradecer a Deus por tudo o que tem sido em nós e que tem feito por nós.

O salmista diz “rendei graças”. É um imperativo, uma ordem. Sei que humanistas de plantão logo dirão gratidão é sincera somente se for espontânea. Controvérsia à parte, o fato é que a ingratidão revela uma natureza pecaminosa e rebelde. “Porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1:21). E na medida que o tempo passa, os homens vão se tornando cada vez menos agradecidos, pois “nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes” (2Tm 3:1-2).

Do cristão espera-se que seja agradecido, pois tem um estilo de vida baseado na dependência divina. “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4:6). Sendo as ações de graças incorporadas ao seu modo de vida, o crente não é agradecido ocasionalmente, mas em todo tempo, lugar ou situação, pois reconhece como verdadeiro o mandamento “em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (1Ts 5:18). E o faz louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3:16).

O salmista especifica “rendei graças ao Senhor”. A Bíblia é um livro de ações de graças, pois registra pelo menos 175 agradecimentos sendo feitos. Desses, apenas duas vezes é para pessoas, a absoluta maioria Deus é o objeto das ações de graça. Não se trata, pois, de apenas de dizer “dou graças” ou “muito obrigado”, e mas enfatizar que se dá graças a Deus. Não é mera atitude de gratidão ou cortesia, mas de reconhecimento de quem Ele é e de que governa todas as coisas pelo Seu poder.

Devemos dar graças “porque Ele é bom”. E neste ponto devemos nos guiar mais pelo que a Bíblia diz do que pela avaliação que fazemos do que nos acontece. A Bíblia repete 23 vezes que Deus é bom, e isto deveria por fim a qualquer dúvida quanto a isso. Mesmo assim, a Bíblia nos convida dizendo “Oh! Provai e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele se refugia” (Sl 34:8). Porém, mesmo Deus sendo bom, coisas ruins podem acontecer, e acontecem, com os que são objetos de Sua bondade. E não devemos duvidar, em meio ao sofrimento, da bondade do Senhor. Pois em meio a pior das adversidades, o Pai está controlando todas as coisas em nosso favor, tendo a eternidade como horizonte. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28) e por isso sempre rendemos graças ao Senhor, que é bom, sempre.

Devemos dar graças porque “a sua misericórdia dura para sempre”. Deus não apenas em bom em si, mas é bom para conosco. E misericórdia é Sua bondade manifesta a nós enquanto indignos de qualquer favor. Creio que a misericórdia é mencionada aqui porque muitas vezes pensamos que Deus nos abandonará por causa de nossas falhas. Pensamos Deus é bom enquanto formos bons. Mas a misericórdia é amor dirigido a quem não tem mérito algum. E para acentuar isso de forma a não deixar dúvida, o salmista repete a sua misericórdia dura para sempre” 26 vezes neste salmo!

Misericórdia é especialmente aplicável em referência ao nosso destino eterno. Ao ser eterna, a misericórdia do Senhor nos é dispensada da eternidade passada à eternidade futura, incluindo aí nossa história na terra. Podemos e devemos ser sempre gratos ao Senhor, pois mesmo que tribulações intensas nos sobrevenham, seremos guardados no amor de Deus para a eternidade, pois Sua misericórdia dura para sempre. Sejamos agradecidos todos os dias, tornemos pública nossa gratidão a Deus. “Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre” (Sl 136:1).

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

12 de dezembro de 2011

Agostinho e a resposta (in)adequada


Certa vez alguém, baseando-se no exemplo do famoso pregador batista Charles Spurgeon, perguntou a um pastor se a prática do tabagismo lhe era lícita também; e a resposta que ele obteve foi: “somente se você conseguir pregar como ele pregava”[1]. Não sei se com isso o pastor quis dizer “somente se você for tão maduro quanto ele”, mas, particularmente, fiquei encabulado com aquilo. Não pela questão do tabagismo em si, mas pela resposta que aquele jovem recebeu: apenas uma sacada humorística, sem argumentação propriamente dita, que arrancou risos de muitas pessoas que sequer pararam para pensar do que estavam rindo, tomando aquilo por um argumento válido. É certo que o jovem que levantou tal pergunta já dava indícios de que não queria aprender nada, mas somente tumultuar aquele ambiente de discussão – se blog ou rede social já não lembro mais – com pífias arapucas teológicas. Seu histórico de comentários ali deixava transparecer essa tendência, e certamente o pastor levou isso em consideração ao respondê-lo (na realidade, uma não-resposta) daquela maneira. Contudo, apesar de toda a astúcia por trás da pergunta daquele jovem e o direito do pastor à não-resposta, a questão ali levantada não merecia uma atenção, digamos, mais séria, visto que toca num tema relativamente sensível e controverso dos nossos dias?

Passado o tempo, deixei de lado aquelas inquietações, mas somente até me encontrar com algo da pena do grande filósofo e teólogo cristão Agostinho (354 d.C. – 430 d.C), recentemente. Lendo as suas famosas Confissões, me deparei com uma colocação bastante interessante do bispo de Hipona sobre essa questão de como devemos tratar os problemas que nos são levantados (ainda que estes sejam feitos por motivos notadamente escusos). A única diferença é que a “questão” em Agostinho era, digamos, um pouco mais complexa do que a questão da legitimidade do tabagismo entre os crentes. A questão era: “Que fazia Deus antes de criar o céu e a terra?”. Não lembro ao certo qual dos pais apostólicos (se é que se tratava mesmo de algum deles) respondeu a essa pergunta dizendo que “Deus estava preparando o inferno para os curiosos”, mas, quem quer que tenha sido, Agostinho efetivamente não aprovou sua solução. Eis a resposta que ele deu:

Não lhe responderei nos mesmos termos com que alguém, segundo se narra, respondeu, eludindo, com graça, a dificuldade do problema: “Preparava”, disse, “a Geena [inferno] para aqueles que perscrutam estes profundos mistérios!” Uma coisa é ver a solução do problema e outra é rir-se dela. Não darei essa resposta. Gosto mais de responder: não sei – quando de fato não sei – do que apresentar aquela solução, dando motivo a que se escarneça do que propôs a dificuldade e se louve aquele que respondeu coisas falsas[2].

Não posso deixar de destacar aqui o tom pastoral na fala do bispo de Hipona, pelo qual fui particularmente tocado. Fazer uso do humor apenas para fugir da dificuldade dos problemas que nos são apresentados é, no mínimo, de uma desonestidade intelectual gritante e gratuita. Por este motivo é que Agostinho sugere que o melhor que podemos fazer quando não dispomos de uma resposta imediata para uma determinada questão é admitirmos prontamente a nossa ignorância (ou, na melhor das hipóteses, ponderar melhor sobre o assunto para responder depois), em vez de querer jogar o ônus da prova para o nosso inquiridor com anedotas tolas (as quais frequentemente se mostram falsas no final), que em nada ajudam a resolver o problema. “Gosto mais de responder: não sei – quando de fato não sei – do que apresentar aquela solução”, disse aquele notável servo de Deus. Longe de ser apenas um antídoto contra as especulações racionalistas com as quais somos frequentemente assaltados, e que ultrapassam e ignoram a revelação escriturística, a proposição de Agostinho tem um motivo ainda mais nobre, a saber, evitar o escárnio de quem propôs a dificuldade e o louvor a quem respondeu coisas falsas, promovendo, assim, certa medida de justiça.

Com isto, não estou, evidentemente, dizendo que não há uma resposta bíblica para a questão das atividades de Deus antes de Gênesis 1.1, ou para a questão do tabagismo entre os crentes. Há, sim, respostas bíblicas para ambas as questões. Aliás, o próprio Agostinho arrisca uma resposta (mais filosófica do que propriamente bíblica, é verdade) à questão que lhe foi suscitada. No mesmo parágrafo, ele diz que

Se pelo nome de “céu e terra” se compreendem todas as criaturas, não temo afirmar que antes de criardes o céu e a terra não fazíeis coisa alguma. Pois se tivésseis feito alguma coisa, que poderia ser senão criatura vossa?

Não devemos pensar que aqui Agostinho esteja sugerindo que Deus se encontrava num estado de absoluta inatividade em Si mesmo, e sim que Ele não estava criando efetivamente nada “nos céus e sobre a terra, as [coisas] visíveis e as invisíveis” (Cl 1.16) antes de efetivamente criar algo pela palavra do Seu poder. Até porque Deus não seria menos Deus se resolvesse apenas se ocupar com a Sua própria glória e desfrutar dela no contexto da Santíssima Trindade apenas. Quanto à questão do tabagismo entre crentes, bastaria ao pastor supracitado dizer naquela oportunidade que tudo o que é feito com interesses escusos (uma sutil forma de justiça própria – cf. Mt 6.1-18), sem o exercício do domínio próprio e principalmente não visando à glória de Deus nem ao bem do próximo é idolatria (cf. 1 Co 10.23-33) – o que evitaria, assim, que uma questão séria fosse encerrada da forma como foi - desdenhosa. 

Isso significa que certa dose de sarcasmo ou até mesmo desdém não é válida numa discussão? Não devemos nem precisamos escorregar para esse extremo. Aliás, o próprio Jesus se utilizou desses artifícios em alguns de seus diálogos, especialmente naqueles em que seus oponentes queriam a todo custo pegá-lo em alguma contradição. Em alguns desses casos, um recurso do qual Jesus lançou mão foi o de fazer uma pergunta sobre a pergunta feita a ele. Foi assim, por exemplo, no seu debate com os sacerdotes e anciãos do povo, em Mateus 21.23-27[3], e com o intérprete da lei, em Lucas 10.25-35, ocasiões nas quais Jesus inteligentemente encurralou seus opositores, deixando-os sem alternativa de escape (pois sabia que eles não seriam honestos o suficiente para admitirem que Jesus era tudo quanto dizia ser). Contudo, Jesus tinha um propósito bastante definido com isso: levar o debate a um nível mais profundo do que o comumente entendido na época, corrigindo os erros hermenêuticos e doutrinários e, por tabela, tratando de pecados específicos que estavam alojados nos corações daqueles que presumiam poder submetê-lo ao ridículo.

É óbvio que nenhum de nós é chamado a tratar pecados de ninguém, pois isso é algo que compete somente a Deus, que é quem, naquele Dia, há de "decriptografar" os nossos segredos e intenções mais escondidos (cf. Rm 2.16, onde a palavra para segredo é kriptos). Mas somos chamados, sim, ao esforço para que o diálogo com as pessoas chegue a um nível onde a Verdade seja efetivamente apresentada, e não mascarada com anedotas e subterfúgios afins. Que os porcos não merecem nossas pérolas eu não tenho a menor dúvida. Mas é bom termos cuidado com as bijuterias. Quem lê, entenda.
  
Soli Deo Gloria!


[1] Para quem não sabe, Spurgeon apreciava charutos.
[2] AGOSTINHO, Santo. Confissões (Livro XI.14). Coleção Os Pensadores. Editora Nova Cultural, 2004, p. 320.
[3] Os sacerdotes e anciãos do povo, na realidade, tinham a resposta (tendenciosa, mas tinham), mas temeram expressá-la por pura desonestidade intelectual. Jesus, então, simplesmente se reserva ao direito da não-resposta (ainda que seu silêncio tenha dito tudo).

8 de dezembro de 2011

Jovens espirituais


Sentei com alguns jovens no último fim de semana para conversar sobre o tema “atuação jovem: juventude e espiritualidade". Sou crítico das noções contemporâneas de “juventude”, e de “espiritualidade”, como é possível perceber de posts anteriormente publicados aqui.

A idéia atual de juventude é excêntrica. “O mundo é dos jovens”, dizem. Verdade? De fato, o mercado se voltou para “a juventude” como o público por excelência. De algum modo são os jovens que determinam a pauta cultural – cinema, televisão, música, roupas, e expressões religiosas são remodeladas para alcançar essa faixa etária. Os “crentes” não ficam de fora – o formato de muitas, se não da maioria, das igrejas evangélicas é voltado para agradar ao público jovem. Músicas "pulsantes”, luz e efeitos visuais, estilo de pregação, e tudo o mais são dotados daquele estilo afetado de quem deseja ser ou parecer jovem a qualquer custo. Já falei sobre como é ridículo ver pessoas de 50 anos ou mais tentando se portar como se estivessem na casa dos 20, ou afirmando histericamente que possuem “espírito jovem”.

Presumimos que a cultura esteja certa, e entramos de cabeça no movimento sem questionar os seus pressupostos e resultados. Para não me deter muito no ponto, simplesmente posso questionar a idéia da centralidade dos jovens em uma comunidade a partir do que as Escrituras ensinam sobre a ordem natural de que os mais velhos têm primazia e ensinam os jovens. Não importa se o número de jovens é dez ou vinte vezes maior do que o de idosos, estes ainda precisam se sentar aos pés deles para aprender. Não quero dar a falsa impressão de que todos os idosos são sábios e de que não há espaço algum para os jovens na cultura e na igreja. Há muito espaço. Mas o clima cultural exige reflexão e equilíbrio. O outro ponto é que o resultado de uma cultura centrada nos jovens tende a privilegiar a imaturidade e seus desdobramentos, apenas porque vêm embalados no pacote “cool” da juventude. Somos tolos, mas temos estilo.

O outro tema problemático é a noção de espiritualidade. O termo é tão abrangente que se faz comum fora da igreja cristã. Mais e mais as celebridades falam de sua “espiritualidade” - normalmente uma mistura da prática de ioga, com algum cristal na mesa de centro da sala, e talvez o uso de roupas brancas a cada virada de ano. Os mais intensos se dedicam às práticas neopagãs do esoterismo, ou adentram o espiritismo. E por último vêm os frequentadores esporádicos de missas e cultos. São espirituais, mesmo que não saibam definir propriamente o termo.

O problema cultural é que o termo espiritualidade hoje se refere a um tipo de expressão subjetiva que forneça um sentimento de elevação do espírito, independentemente de um conteúdo de fé. Na cultura contemporânea, ser espiritual é sentir-se bem, sem credos ou doutrinas.

A sabedoria jovem
Aqui os evangélicos entram. O “mantra” cristão dos nossos dias é “ser espiritual sem ser religioso”. Por religioso, pretende-se falar da religião institucional e suas formas – credos, doutrinas, liturgias, orações, hierarquias, etc. Os crentes de nossos dias querem reivindicar o direito de sentir elevação espiritual sem ter de se submeter a qualquer forma. Ser espiritual é algo interno, é sentir e expressar amor, é viver bem com os outros, e outras expressões tão abrangentes quanto vazias. Quanto mais lacônico melhor. A espiritualidade contemporânea é amiga da ambiguidade e da vaguidão.

Os “espirituais” do nosso tempo são inimigos do que é formal – da religião institucional. Aqui jaz mais um problema. Jesus deixou uma igreja, que se reunia regularmente nas casas e no templo. Uma igreja que possuía hierarquia – apóstolos, evangelistas, pastores-mestres. Uma igreja que tinha orações formais, como a do Pai nosso. Uma comunidade que repetia continuamente os sacramentos do batismo e da ceia. Um corpo de pessoas que possuíam liturgia definida e ordenada pelos apóstolos, composta de orações, confissão de pecados, leitura da Bíblia, pregação, e sacramentos. Uma igreja que perseverava na doutrina dos apóstolos.

Pra quê estudar a Bíblia se eu posso
apenas viver bem com o vizinho?
Como é possível espiritualidade sem conteúdos de fé? Alguém pode sentir elevação espiritual ouvindo música instrumental, ou mesmo ter uma experiência estética com a beleza de uma canção que, em sua essência, nega a verdade de Deus. Tal elevação espiritual representa espiritualidade saudável? Viver bem com os outros, sem expressar fidelidade à Palavra de Deus é ser espiritual? Rejeitar a igreja de Deus é ser espiritual?

Finalmente, o outro lado da moeda é uma espiritualidade provida de formas espetaculares. Espiritualidade, especialmente nas comunidades carismáticas, pentecostais e neopentecostais é medida em termos de “ação poderosa do Espírito Santo” por meio de dons: línguas, visões, sonhos, profecias, milagres, curas, expulsões de demônios, e fenômenos semelhantes.

Nesse aspecto, a espiritualidade é retirada do contexto comum da vida, e colocada em um patamar de excentricidade, por meio da qual só há elevação espiritual em momentos pontuais de fenômenos impressionantes. São deixados de lado os elementos comuns e ordinários da vida, de modo que a busca por espiritualidade se transforma na busca pela capacidade de realizar tais feitos, não importa o custo.

Novamente, creio que o ensino bíblico se distancia de tal perspectiva. O crente espiritual não é o que mais realiza fenômenos espetaculares, mas o que vive no dia a dia submetido aos conteúdos da fé cristã – a Palavra de Deus. É aquele que simplesmente cresce aos poucos em suas lutas com pensamentos impuros e a pornografia. Ou a mulher que vence gradualmente suas lutas contra os impulsos de fofoca e insubmissão. É o pastor que cresce em humildade diante da igreja, e não exerce seu ministério como forma de manipulação, mas de serviço. São os maridos que crescem em compreender a aliança feita com sua esposa sob o Senhor, e se comprometem a honrar a aliança e amá-la sacrificialmente. São os desconhecidos que crescem em falar a verdade em amor, em amar a Bíblia e praticá-la, em educar seus filhos no temor do Senhor, em trabalhar diligente e honestamente, tudo para a glória de Deus.

Deste modo, percebemos que uma conversa sobre juventude e espiritualidade hoje precisa passar por uma compreensão da cultura quanto a estes itens, para desafiar os pressupostos do nosso tempo, dentro e fora da igreja, a partir da Bíblia. Precisa passar, também, pela compreensão da obra completa de Jesus na cruz e os seus desdobramentos para a vida do cristão hoje. Só é espiritual quem crê em Jesus – o conteúdo da fé cristã. Toda a nossa “vida espiritual” brota da cruz. Nosso crescimento não é forjado por nosso esforço, mas pela graça de Deus. Finalmente, compreendendo a cultura e a obra completa de Jesus, existe uma resposta existencial necessária – eu me aplicarei a viver conforme os mandamentos do Senhor, não por minhas forças, mas pela fé em Jesus, e pela graça dele. Eu me comprometo a, assim como entreguei a minha vida e fui tomado pelo meu Senhor, manifestar concretamente o senhorio de Jesus sobre todas as áreas de minha vida. Enfrentarei dificuldades nesta caminhada, e sei que, por causa do meu pecado, não conseguirei fazer isso plenamente neste tempo, mas sigo com esperança no evangelho, confiando nas promessas de Deus, e na graça que me é dada.

2 de dezembro de 2011

Paulo orando pelos mortos?


- Textinho que escrevi hoje para o boletim semanal de nossa congregação -
 ***
16 Conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; 17 antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente até me encontrar.   18 O Senhor lhe conceda, naquele Dia, achar misericórdia da parte do Senhor. E tu sabes, melhor do que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso.

2 Timóteo 1.16-18.


Recentemente ouvi de uma colega, ainda indecisa entre o catolicismo e o evangelho (sim, pois catolicismo e evangelho são coisas totalmente distintas uma da outra), que em 2 Timóteo 1.18 Paulo fez uma oração por Onesíforo, o qual, segundo a leitura dela (e dos católicos romanos em geral), já havia morrido. Muito embora a discussão tenha sido no seu mural do Facebook, ela mesma não apareceu lá para comentar nada. Mas houve quem o fizesse. Deixando de lado essas questiúnculas, vamos ao ponto.

Basicamente, são dois os argumentos usados pelos católicos para defender que Onesíforo estava morto. O primeiro é a referência que Paulo fez ao dia do julgamento final (“aquele Dia”). Para os romanistas esta seria uma prova irrefutável de que o amigo de Paulo já se encontrava em uma situação de além-túmulo. Contudo, o fato de Paulo ter feito menção ao dia do Juízo Final nesse contexto não prova o ponto de vista católico, visto que, no versículo 12, Paulo também faz menção a esse Dia. Se realmente é verdade que Onesíforo estava morto somente porque Paulo fez referência ao Juízo Final, penso que os católicos, por uma questão de coerência, deveriam se prontificar a crer que a presente carta a Timóteo foi psicografada.

O segundo argumento que eles apresentam é o de que Onesíforo já estava morto porque Paulo saúda a “a casa de Onesíforo” (2 Tm 4.19), e não o próprio Onesíforo. Com isso, alguns afirmam que, se Onesíforo estivesse vivo, Paulo o saudaria, em vez de saudar sua família. Esse argumento é logo dissolvido se levarmos em consideração que Onesíforo ainda estava em Roma (ou mesmo a caminho de Éfeso), ao passo que sua família estava em Éfeso, cidade onde Timóteo estava pastoreando na ocasião. Além do mais, a “casa de Onesíforo” não deveria incluir ele próprio?

Que Onesíforo não estava morto no momento em que Paulo escreveu a sua segunda carta a Timóteo eu não tenho a menor dúvida. A Escritura é clara quando afirma que “aos homens está ordenado morrer uma só vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27), e o apóstolo jamais contradiria algum princípio dela. Portanto, nenhuma oração é capaz de mudar o destino de quem já partiu desta vida. 

Soli Deo Gloria!