25 de fevereiro de 2010

Simples demais

Se as igrejas fossem cinemas, os cultos de domingo à noite seriam as estréias de filmes. Acabo de escrever a frase, e ela não me soa bem. Algumas igrejas já estão mais para cinema do que qualquer outra coisa. Outras foram transformadas em um grande teatro, e ainda há aquelas nas quais a dança é a grande atração.

A lógica que regula o culto contemporâneo - generalizo de propósito, sabendo de exceções - é a do show business. "Queremos espetáculos", clama a multidão. "Dêem-nos uma programação recheada de surpresas, música, cores, sons, sensações, e assim seremos um auditório fiel" - gritam as massas. Nada mais falso. Os cristãos que buscam isso são os primeiros a deixar o barco quando o "concorrente" oferece experiências melhores. O "concorrente" pode ser outra igreja, ou o bar mais próximo.

Mas os crentes continuam na luta por um culto cada vez mais preenchido de atrações. O melhor som, a melhor banda, os dançarinos, as expressões combinadas, o cheiro do local, e a cor dos assentos acolchoados - tudo para produzir o ambiente perfeito e segurar a audiência.

O que está por trás disso tudo? Existem, pelo menos, duas possibilidades, que, às vezes, se misturam em um mesmo contexto. A primeira delas é a de pessoas honestas, que desejam fazer o melhor para Deus. O problema é que o seu referencial de melhor é o showbiz. Assim, eles tentam se igualar aos eventos populares, investindo nas atrações, pensando que assim estão oferecendo algo agradável ao Pai.

A segunda possibilidade é a daqueles que não confiam na suficiência da Escritura. Como a Palavra, em si, não é suficientemente chamativa, é necessário suprir essa necessidade com muito barulho, e tecnologia. Como a pregação da Bïblia é fraca, são necessárias as muletas da coreografia e equipes de dança. Como não se extrai vitamina suficiente do Evangelho, apela-se para os suplementos de um estacionamento grande, o ar-condicionado no templo, e a fumaça de gelo seco enquanto a banda toca.

No fim das contas, ambas as possibilidades cometem um crime contra a Palavra de Deus. A primeira, por não considerar a Bíblia como referencial último do culto. A segunda, por deliberadamente menosprezar a Escritura, reputando-a por insuficiente para a igreja.

O risco é grande. Desconhecer a Escritura abre espaço para maiores inovações no culto, cada vez mais ousadas. Uma vez que não há fio condutor nesse encontro, tudo é permitido, desde que se tenha um coração sincero, desejoso de oferecer os nossos talentos a Deus. Considerar a Bíblia insuficiente para o culto cristão é dizer a Deus que a Sua Palavra não é o nosso bem mais precioso - as nossas impressões e sensações são. E com isso, toda a Revelação de Deus é deixada de lado. Em consequência, Deus não é mais conhecido, e a igreja encontra o seu fim.

Sabe aquela igrejinha bem simples, sem muita pirotecnia, mas com o coração todo na Bíblia? O culto dela é agradável a Deus, porque foi prescrito por Ele mesmo.

Sola Scriptura.

22 de fevereiro de 2010

Deus se revela

“Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” Rm 1:19-20

Introdução

Deus colocou a eternidade no coração do homem. A idéia de Deus é um fato inescapável a todos, mesmo aqueles que negam sua existência pensam em Deus para poderem negá-lo. Isto acontece porque é impossível ao homem fugir da revelação de Deus que, num certo sentido, é universal.

O que queremos dizer por revelação? É a comunicação por parte de Deus aos homens de fatos que de outra forma ele não poderia conhecer. Revelar é retirar o véu para mostrar algo que estava encoberto, oculto. Quando se trata de fatos a respeito de Deus e de suas obras, revelação é a comunicação que Deus faz de si mesmo, da criação, de seu governo providencial e do destino dos seres morais (homens e anjos), coisas que o homem não pode descobrir apenas com a razão.

É comum a confusão entre revelação, inspiração e iluminação, por estarem relacionadas entre si. Contudo, em seus sentidos teológicos devemos manter a distinção entre elas. Já definimos revelação, como a comunicação divina de uma verdade. A inspiração é a operação sobrenatural pela qual Deus controla os homens no processo de registrar a revelação recebida. Por exemplo, quando Deus avisou José por sonho que Herodes queria matar o menino Jesus foi uma revelação, quando Lucas registrou o fato em seu Evangelho o fez por inspiração. Iluminação, por sua vez, é a operação do Espírito Santo sobre os que lêem a Palavra de Deus, ajudando-os na compreensão. Mais poderia ser dito sobre as relações entre revelação, inspiração e iluminação, mas para os propósitos deste artigo é o bastante.

Soberania de Deus na revelação

Precisamos reconhecer que a revelação é um ato livre de Deus. Se quisesse, Deus poderia deixar a humanidade às cegas acerca de sua existência, de seu poder e de suas obras. Eles jamais poderiam alcançar, por si mesmos, um conhecimento verdadeiro a respeito dEle. Mas aprouve a Deus mostrar-se às suas criaturas.

Ao escolher revelar-se, contudo, Deus não abriu mão de sua soberania e não dá a todos o mesmo tipo e grau de conhecimento acerta dEle. Jesus disse “graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11:25-26). Embora afirmemos que ninguém há no mundo que não tenha algum tipo de revelação de Deus, não podemos afirmar que Ele se revela pelos mesmos meios e de igual forma a todos.

Além disso, ainda que a revelação seja suficiente para nossa vida na terra e morada no céu, não é exaustiva, mas limitada por Deus. “As coisas encobertas pertencem ao Senhor, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre” (Dt 29:29). Até mesmo esta limitação que Deus impõe em sua revelação denota sua bondade para conosco, pois não poderíamos suportar tanto conhecimento: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” (Jo 16:12). Creio que nem em toda eternidade conheceremos Deus completamente, posto que é infinito.

Revelação geral e especial

A revelação que Deus dá a todos os homens sem excessão é chamada de revelação comum ou geral. Esta é a revelação de Deus através da natureza (Criação) e da História (Providência), por exemplo.

“Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor” (Sl 19:1-6). É a mesma revelação referida por Paulo quando escreveu que “os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1:19).

Em que pese o fato dessa revelação ser universal, ela é insuficiente para a salvação. Nada diz a respeito da morte de Jesus em nosso favor ou da justificação pela graça mediante a fé. Contudo, ela é suficiente para tornar os homens indesculpáveis perante Deus, como diz o texto: “tais homens são, por isso, indesculpáveis” (Rm 1:20).

Para que o homem seja “sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus” (2Tm 3:15) é necessário uma revelação que vá além da revelação natural, chamada de especial. Esta revelação nos foi dada na pessoa de Jesus Cristo e encontra-se registrada na Bíblia Sagrada.

“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas” (Hb 1:1-3).

Jesus é a revelação tão perfeita de Deus que podia dizer “quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14:9). E esta revelação de Jesus Cristo encontra-se registrada na Bíblia Sagrada, por isso o Senhor disse “examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (Jo 5:39). Tudo o que precisamos saber para nossa vida na terra e para nos preparar para a vida no céu, encontra-se registrada na Escritura que “é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16-17).

Nossa atitude diante da revelação

A primeira atitude diante da revelação de Deus é aceitá-la. Paulo afirma que “a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1:18). Porém, como a revelação de Deus na Escritura revela a nossa impiedade e perversão, nossa reação natural é suprimir essa verdade. Daí a necessidade da graça de Deus, pois “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1Co 2:14). Sob a operação da graça de Deus chegamos à fé e mediante esta somos justificados.

Tendo recebido a revelação como vinda de Deus, devemos ser gratos a Deus por se mostrar a nós. Lembremos que Jesus referiu-se à revelação de Deus com expressão de gratidão, dizendo “graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11:25). Com nos era totalmente impossível descobrir Deus sem que se revelasse a nós, devemos agradecer sempre por tê-lo feito. Do contrário, passaríamos a vida inteira tateando no escuro.

Finalmente, devemos adorar a Deus. O grande erro denunciado em Romanos é que os homens “tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças” (Rm 1:21). Contemplar a glória de Deus revelada na natureza e nas Escrituras sempre deve nos levar a adoração. Paulo exulta dizendo “Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11:33-36)

Conclusão

Como acabamos de ver todo homem recebe porção do conhecimento de Deus, suficiente para torná-lo inescusável. No juízo final, os homens serão julgados pelas suas obras, de acordo com a luz que receberam. Ninguém poderá alegar que foi injustiçado ou alegar desconhecer as bases de seu julgamento, pois a sua consciência será testemunha contra si. Entretanto, vimos também que a revelação de Deus como salvador veio através de Jesus Cristo, de quem a Bíblia é testemunha. Crendo nEle você não apenas escapa do juízo, mas é levado com segurança ao céu, podendo contemplar Aquele de quem temos apenas réstias de Sua glória. Leia a Bíblia, creia em Cristo e viva!

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras

18 de fevereiro de 2010

Fora de moda

Sofisticação é o charme do ministério. Nada é mais sensual do que uma igreja cheia de atividades e "meios de revelação". O fetiche é tão intenso que, a cada dia surge uma nova expressão do fenômeno.

Mas eu falo "sofisticação" e não explico adequadamente o que significa. Refiro-me àquela idéia de que a Bíblia não é suficiente para a igreja, e assim se apela para as manifestações e atividades que requerem algum tipo de revelação extra-bíblica.

Alguns sujeitos babam por um sonho ou algo mais. Há pastores que decidiram parar de pregar a Bíblia e adotar o humor como chave do seu sermão. Outros utilizam o emocionalismo.

É estranho perceber uns indivíduos malucos por descobrir "o plano de Deus para a sua vida". Eles vivem em ansiedade, fazendo orações para descobrir se Deus deseja que eles façam vestibular, aceitem determinado convite, ou mesmo escovem os dentes.

A Escritura deixou de ser suficiente para essas figuras - é preciso algo além que "revele" a vontade de Deus, convença o auditório, e dê um tom de espiritualidade grandiosa ao corpo de cristãos reunidos.

Perto de tanta pompa, a mentalidade do Sola Scriptura ganha um tom de "pensamento pé-rapado". Os pobretões que buscam a Palavra de Deus e nada mais são sujeitos fora de moda.

A dificuldade está no fato de que, tantos artifícios podem desviar o olhar da Escritura para tais adereços. A criatura que depende de sonhos se esqueceu de ler a Bíblia regularmente, mas continua na busca pelas manifestações do travesseiro; o pastor das emoções parou de pregar a Palavra de Deus, mas continua desejando conversões com base nas lágrimas do povo; o líder do louvor explosivo deixou de lado as letras saudáveis da Escritura, e agora depende das músicas com chavões da moda e a sonoridade intensa.

Quando se está despido de tantos adereços, não há para onde olhar, senão para a Palavra de Deus. Não há outras manifestações e atividade, só a Escritura. E nesse meio, a beleza simples dos versos bíblicos revela sabedoria e poder de Deus como nenhum outro artifício consegue.

A Escritura caminha no sentido de nos fazer rejeitar a confiança em nossos métodos e atividades, para contemplarmos a graça de Deus. E assim o pobretão não-sensual com a Bíblia na mão está bem mais perto de uma vida autêntica e transformada pelo Espírito Santo.

Entre fetiches e fantasias, é a simplicidade que revela o real.

* * *

Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve às quintas-feiras no 5 Calvinistas.

11 de fevereiro de 2010

Proposicional


Participei, certa vez, de um debate sobre o cristianismo e a cultura. Na verdade era uma mesa, mas acabou se tornando, sutilmente, em um debate.

Eu era o reformado da mesa, acompanhado de uma antropóloga difícil de ser rotulada - sei que era feminista, e em alguma medida, relativista, e de um pastor influenciado pela teologia existencialista - com claros traços neo-ortodoxos.

A certa altura do bate-papo, o pastor afirmou, sem meias palavras, que Jesus é a Palavra de Deus, e que esta Palavra não pode ser restrita a um livro ou um código. Em outras palavras, ele criticava abertamente a noção de que a Bíblia é a Palavra de Deus, e contrariava a idéia de uma revelação proposicional.

Para os teólogos existencialistas (neo-ortodoxos) a coisa funciona assim: Deus se revela apenas em um encontro pessoal com o indivíduo, por meio de Jesus. Ocorre um abalo existencial, por meio do qual este sujeito tem a vida transformada. A Escritura pode funcionar para promover tal encontro, mas Ela, em si, não é a revelação de Deus - apenas Jesus é.

É possíve perceber um detalhe interessante desta perspectiva: a revelação não possui conteúdo, trata-se exclusivamente de um momento existencial, subjetivo e incompreensível. Isto explica porque tal pensamento faz tanto sucesso entre os que rejeitam o pensamento ocidental, em sua organização lógica.

Ao excluir o conteúdo da revelação divina, estes pensadores abriram espaço para que qualquer evento se torne "revelacional" - ponto ao qual chegou Paul Tillich, com a sua teologia da cultura, afirmando que qualquer abalo existencial poderia ser um momento de revelação de Deus.

Foi Francis Schaeffer, nA morte da razão, quem demonstrou como caímos em um irracionalismo pernicioso. Em O Deus que Se revela, o mesmo autor demonstra como Deus escolheu palavras para Se revelar. Logo no Éden, Deus falava com Adão. Mesmo antes da Queda, o meio de revelação utilizado pelo Altíssimo era proposicional. O mesmo caminho foi utilizado por toda a Bíblia - com profetas, apóstolos, sem deixar de mencionar os sermões de Jesus.

No fim do debate, o pastor decidiu fazer rápida exegese de um texto. Selecionou um dos textos que afirmam a divindade de Jesus, e Sua singularidade. Queria provar, com isto, que Jesus reivindicava exclusividade na revelação - sem a Escritura.

O grande problema é que ele estava usando a Bíblia como autoridade, para dizer que a Bíblia não possuía autoridade de Revelação. Talvez por isso rejeitasse a lógica coerente: ele não era muito forte nesse ponto.

Eu decidi responder no mesmo sentido: abri a Bíblia - com muito mais confiança do que ele, pois creio ser a Revelação proposicional de Deus - e li o texto de Romanos 10, que ensina ser essencial a pregação, a utilização de palavras, para alguém ter fé, o famoso encontro com Jesus.

Nosso encontro com Deus se realiza na Escritura, o meio escolhido por Deus para Se revelar a nós. Ele não despreza a nossa mente, utiliza proposições para demonstrar Seus atributos e Suas ações, tornando-se conhecido por nós. Esse abalo existencial é mediado pelo texto sagrado. É por aí que o Espírito Santo fala.

Tem calvinista no Prodcast

Amados,

Além do 5Calvinistas, um outro blog reformado está fazendo uma série sobre os 5 pontos do calvinismo. Só que é em podcast. Trata-se do nosso "blog gêmeo", o Iprodigo, que nasceu no mesmo dia que os 5 Calvinistas: 31 de outubro (e também é formado por 5 calvinistas, veja só!). Eu falo no prodcast de número 4 sobre a expiação limitada. O título é "Por Quem Cristo Morreu" e você pode ouvir clicando aqui.


Bíblia e Predestinação [8] - A Graça Irresistível

Leia o post anterior desta série clicando aqui.

Errar é humano, já diz o ditado. Os alvos não alcançados, as frustrações, a amarga sensação do fracasso...todos esses sentimentos são comuns e frequentes na vida de seres humanos caídos e imperfeitos como nós. Que atire a primeira pedra aquele que jamais passou por essas experiências.

Na verdade o erro é tão familiar ao ser humano que o atribuímos com muita naturalidade ao próprio Deus Vivo. Olhamos para os desastres da criação, os crimes da humanidade e as doenças...e quase que automaticamente dizemos: "Deus falhou". Não hesitamos em lamentar a "falha" daquele que em nossas orações e confissões de fé chamamos de Perfeito.

Vamos além...e vemos essa falha dentro da própria Igreja de Cristo. Olhamos para a quantidade de pessoas que ouvem o Evangelho e o rejeitam e dizemos que isso não aconteceu porque os homens resistiram à graça de Cristo! Consideramos que seres finitos são mais poderosos que o Infinito, que a força de vontade humana pode sobrepujar a graça de Deus...e que essa é a explicação de porque tão poucos são salvos. Levando o raciocínio à sua conseqüência lógica, significa dizer que a graça de Deus é falha, porque é limitada pelo querer humano.

O raciocínio descrito acima é o assumido pelos não-calvinistas, por todos aqueles que imaginam que Deus limita a eficácia de Sua graça ao querer humano. Talvez eles protestem, dizendo que o fato do homem poder rejeitar a graça divina não significa uma imperfeição ou falha divina. Contudo, se eles estiverem certos, então a graça de Deus foi oferecida a muitos...e a maioria deles recusou um presente que, na perspectiva deles, Deus queria que fosse partilhado por todos os homens.

Mas, que realmente diz a Bíblia sobre o assunto? A graça pode ser recusada?

Jesus não pode falhar
Para entendermos esse ponto, primeiro precisamos relembrar quem são os verdadeiros alvos da graça salvadora de Deus. Já vimos nos posts anteriores desta série que Jesus não morreu por todos os homens, Ele morreu apenas pelos Seus eleitos. Estes são as suas ovelhas e, inevitavelmente, seguirão a Cristo, porque Lhe pertencem. É o que conta a parábola do bom pastor, em João 10.
Em verdade, em verdade vos digo: o que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta, esse é o pastor das ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelo nome as suas próprias ovelhas e as conduz para fora. Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas o seguem, porque reconhecem a sua voz; mas, de modo nenhum seguirão o estranho; antes, fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. Jesus lhes propôs esta parábola, mas eles não compreenderam o sentido daquilo que lhes falava. (João 10:1-6)
Infelizmente, ainda hoje os não-calvinistas também não entenderam o que Cristo quis dizer:

1) Há um ladrão e um pastor. Existem duas pessoas interessadas nas ovelhas do aprisco. Um e o ladrão e salteador, que é o diabo. O outro é Jesus, o verdadeiro pastor. Todos os seres humanos seguirão ou a um ou a outro.

2) Jesus chama as Suas ovelhas. Cristo não fica impassível, esperando que alguém recolha para Ele a sua Igreja. A parábola mostra que é o próprio Jesus quem se dirige aos Seus escolhidos. Na verdade, o chamado para a vida eterna não é feito pelos pregadores ou discípulos, é feito pelo próprio Jesus. Na evangelização, a Igreja é apenas o instrumento usado pelo Senhor para reunir o Seu próprio povo. Nenhuma ovelha de Cristo deixa de ouvir a Sua voz.

3) As ovelhas pertencem a Jesus. Não há uma disputa entre o ladrão e o pastor para ver quem tem mais ovelhas. Existem as ovelhas que pertencem a Jesus, que são de propriedade d'Ele. E, como dono delas, Jesus as chama e as conduz para fora. Dito de outra forma, Jesus cuida de Suas ovelhas. Imaginar que uma delas pode se perder, ou se revoltar contra Seu dono e ser abandonada por Ele é sim, nesta parábola, atribuir uma falha ao Pastor Jesus, que teria relaxado em Seu dever.

4) As ovelhas seguem a Jesus e não ao estranho. Há uma diferença gritante entre o ladrão e o verdadeiro Pastor em todo este capítulo. Os ladrões e salteadores, servos de Satanás, vem antes de Jesus e não são ouvidos pelas ovelhas:
Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não lhes deram ouvido. (João 10:8)
O ladrão vem matar, roubar e destruir as ovelhas, mas o Pastor vem dar a vida:
O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas. (João 10:10-11)
Mais do que isso, o ladrão se descuida de suas ovelhas e deixa que elas sejam devoradas, Jesus conhece as suas ovelhas e é conhecido por elas:
O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge; então, o lobo as arrebata e dispersa; O mercenário foge, porque é mercenário e não tem cuidado com as ovelhas. Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim, assim como o Pai me conhce a mim, e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas. (João 10:12-15)
Quando se comparam as qualidades de Jesus e de Satanás, entendemos porque as ovelhas de Cristo O seguem e não ao estranho (João 10:4-5). Na verdade, Jesus é claro em dizer que "de modo nenhum seguirão o estranho". As verdadeiras ovelhas de Cristo sabem o que Ele fez por elas, conhecem-nO e as Suas obras, por isso não o trocam pelo estranho.

5) Nem todos são ovelhas de Jesus. Repare que o Pastor chama as suas próprias ovelhas (João 10:3) e que faz sair todas, sem exceção, das que lhe pertencem (João 17:4). Isso mostra que nem todos os seres humanos são salvos ou pertencem a Cristo. Mostra também que o Seu chamado é 100% eficaz com as ovelhas que Lhe pertencem.

Aqui Jesus ensinou duas doutrinas: a da expiação limitada (que já tratamos aqui) e a da graça irresistível.
Graça irresistível é a doutrina que ensina que a graça salvadora de Jesus Cristo é irresistível aos Seus eleitos, de modo que todos os predestinados à salvação, em algum momento de suas vidas, se rendem a Cristo.
Mas e aqueles que rejeitam ao Evangelho?
A resposta é simples: aqueles que ouvem o Evangelho, mas o rejeitam definitivamente, àqueles que resistem ao chamado de Jesus, estes não são ovelhas d'Ele e nem foram predestinados à salvação. É o que podemos ver em uma outra história, quando Paulo e Barnabé foram pregar em Antioquia da Pisídia:
No sábado seguinte, afluiu quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus. Mas os judeus, vendo as multidões, tomaram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava. Então, Paulo e Barnabé, falando ousadamente, disseram: Cumpria que a vós outros, em primeiro lugar, fosse pregada a palavra de Deus; mas, posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios. Porque o Senhor assim no-lo determinou: Eu te constituí para luz dos gentios, a fim de que sejas para salvação até aos confins da terra. Os gentios, ouvindo isto, regoziajavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna. (Atos 13:44-48)
Os que são destinados à vida eterna creem. Os que rejeitam o Evangelho e a palavra de Deus, esses apenas mostram que não pertencem a Cristo.

Advertência
De fato, para o cristão, a graça irresistível é uma doutrina que traz conforto, mas que também serve de alerta. Quando essa graça é derramada sobre alguém, essa pessoa segue a Jesus e não mais aos estranhos. Ela não irá atrás de falsos pastores, de falsos ensinos ou falsos chamados. Ela seguirá ao Seu Pastor, reconhecerá a Jesus como dono e estará aonde Ele estiver. De fato, a graça irresistível não produz somente fé, mas sim uma vida de obediência ao Senhor.

Por outro lado, quem rejeita a Jesus deve considerar que, segundo Cristo, está indo atrás de um ladrão, de alguém que veio matar, enquanto o Pastor veio dar a Sua vida. Se essa rejeição persistir, a morte e a destruição são as únicas coisas que aguardam os que se mantiverem rebeldes à palavra de Deus.

Leia o próximo post da série clicando aqui.

9 de fevereiro de 2010

"NÃO VÁ LÁ"!

Caros amigos,
Para não ficar mais uma terça sem postar, lá vai mais uma postagem antiga do Optica Reformata (levem em consideração a época em que escrevi - agosto/09 - para uma melhor compreensão do texto). Estou mesmo sem tempo de acesso à internet. Isso explica a minha ausência da blogosfera. Mas, espero estar de volta logo, em breve.


O Monte Mulanje foi a última parada que o economista brasileiro Gabriel Buchmann resolveu fazer após ter percorrido vinte e seis países em apenas um ano, com o objetivo de colher o máximo de informações e experiências possíveis para o seu doutorado em políticas públicas que iniciaria em setembro, nos Estados Unidos. Por ter 64% de sua população analfabeta e por elencar o rol dos vinte países mais pobres do mundo, Malauí, país do sudoeste africano, era o cenário ideal para o tipo de dados que Gabriel almejava coletar, especificamente a vila Mulanje, ao pé da montanha homônima. Ela era “um retrato da pobreza que Gabriel procurava”[1]. Acompanhado de um guia local, o brasileiro, que já havia escalado o Everest e o Kilimanjaro, decidiu subir até ao cume do monte, a três mil metros de altitude, pretendendo voltar no mesmo dia. O guia local, apesar de ter achado a empreitada uma tarefa bastante difícil, acatou a ideia. Num dado momento da subida, Gabriel abriu mão do guia, alegando que este estava indo “devagar demais”, e decidiu ir sozinho ao topo do Mulanje. O guia disse a Gabriel que era forte o suficiente para suportar a dificuldade da escalada, mas o brasileiro, após ter dito ao guia que ia por conta própria, dispensou-o, pois tinha pressa. Após ter pernoitado no Abrigo Chisepo, a mil metros abaixo do pico, Gabriel saiu cedo, de bermuda e blusa de mangas curtas, rumo ao alto da montanha. Seriam sete horas intensas de caminhada numa subida bastante íngreme. Era uma sexta-feira, 17 de julho, e o destino final seria o Pico Saptiwa, nome que significa “não vá lá”, em Chichewa, língua falada pelos nativos. O próprio nome do pico parecia ser um presságio, um aviso. Gabriel conseguiu chegar ao topo. Porém, quando ele descia o pico, teve uma surpresa nada agradável. Uma densa neblina tomou conta do alto da montanha. Gabriel se perdeu no caminho de volta, pois a neblina limitava sua visão a apenas dez metros à frente. Depois de alguns dias, foi dado como desaparecido. Uma experiente equipe de resgate, formada por seis canadenses e um argentino, comandou as operações de busca ao economista brasileiro. Cerca de sessenta pessoas vasculharam o Monte Mulanje por mais de duas semanas, sem encontrar nenhum vestígio do economista. Foi então que, no dia 1 de agosto, num despretensioso sábado, dois nativos que estavam na montanha colhendo folhas e madeira para construir casas encontraram o corpo do brasileiro. Gabriel Buchmann, de apenas vinte e oito anos, foi encontrado sem vida, debaixo de um ninho que ele mesmo construíra por entre a grama alta da montanha para se proteger de um frio que se aproximava do zero grau. Mesmo levando consigo agasalhos de lã, calças, gorro, cachecol e demais artefatos para o frio e conhecendo as técnicas de montanhismo, o corpo do brasileiro não resistiu à hipotermia. Pela posição em que Gabriel foi encontrado presume-se que ele morreu dormindo, sem sentir dor, apenas frio, muito frio. Há quem diga que, se Gabriel tivesse atentado para as recomendações do guia e para o significado nome do pico Saptiwa - “NÃO VÁ LÁ”, talvez ainda estivesse vivo para contar histórias e concluir o seu doutorado.

Não pretendo, aqui, entrar no mérito desta última questão. Particularmente, creio irrestritamente na soberania de Deus e que tudo, absolutamente tudo o que acontece, passa pelo planejamento e pelo crivo da Divina Providência, de modo que Deus não apenas é Sabedor (Onisciente) de todas as coisas, mas também o Ordenador (Senhor) de todas elas. Mas, como disse há pouco, não é sobre isso que eu quero dissertar (fica para uma próxima). Tampouco pretendo endossar alguma superstição pelo significado do nome do pico. Certamente, muitos já foram lá e não morreram. Quero apenas aproveitar o que aconteceu com Gabriel para ilustrar o perigo que um cristão professo corre ao não dar ouvidos ao seu “guia espiritual” (cf. Hb 13.7), quando este solenemente o alerta: “Não vá lá”!

Muitos são os casos de pessoas que estão dentro das igrejas e que se enfiam em apuros espirituais por não ouvirem seus pastores. Correm atrás das “novidades teológicas”, muitas das quais não passam de ventos de doutrinas, que as agitam de um lado para o outro. Ignoram o alerta dos seus guias de que naquela trilha que estão seguindo há uma densa neblina que obstruirá suas visões e lhes congelarão a alma. “Saptiwa, Saptiwa”, mas eles preferem ir. Por exemplo, conheço pessoas que de tanto flertarem com as falácias do Liberalismo Teológico, hoje não conseguem mais se livrar delas. O flerte virou namoro, evoluiu para noivado e acabou culminando em um casamento indissolúvel. Seus corações estão frios e vazios. Não há mais nenhum vestígio de fé. Muitos que antes eram conservadores hoje negam doutrinas fundamentais do Cristianismo, como a encarnação, a divindade e a historicidade de Cristo e a infalibilidade e inerrância das Escrituras. Muitos fazem declarações ousadas e firmes de sua própria incredulidade, revezando-se entre os púlpitos de suas congregações e as salas de aula dos seminários nos quais lecionam. No afã de alcançarem os mais altos “picos teológicos”, ultrapassaram a sã doutrina e racionalizaram a fé. Atentaram demais para a letra e se esqueceram da piedade, da devoção. Como diria Jorge Camargo, na sua belíssima música Letra Morta, “está no livro, está no templo, mas não está no coração; está no grego, está no hebraico, mas não se fez encarnação”. Por outro lado, há o tipo “liberal pós-moderno” (neoliberal), que é aquele que acredita em tudo e ao mesmo tempo em nada. Ele é inclusivo, absorve tudo o que puder, mesmo que sejam conceitos totalmente antagônicos. É defensor de uma fé líquida, e não sólida; instável, e não estável. Não traça limites entre a ortodoxia e a heresia. Para os tais defender a verdade é arrogância, e crer na exclusividade do Cristianismo é intransigência fundamentalista. Sua descrença se esconde sob a capa da piedade. Em minha opinião, esse é o tipo mais perigoso, pois arrebanha outros atrás de si com seus discursos “piedosos”. Fala em comunhão com Deus, em nome da “espiritualidade”. Busca uma transcendência sem Bíblia, e uma relevância sem doutrina. Dissemina seus ensinos por meio de livros, internet e todo tipo de mídia disponível, tendo como principais focos de ataque a natureza da igreja e a natureza de Deus, mudando a verdade de Deus em mentira (Rm 1.25), tudo sob a tutela do relativismo, pluralismo e inclusivismo pós-modernos. E o mais lamentável é que para tudo isso há um público bastante amplo, que muitas das vezes está dentro das igrejas questionando aquele “pobre e ignorante” pastor que ainda teima em crer na exclusividade do Evangelho como sendo “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16). Essa pessoas estão deixando o Senhor, o “manancial de águas vivas”, e cavando “cisternas rotas, que não retem as águas” (Jr 2.13); estão trocando o Soberano Deus, Criador dos céus e da terra, por uma divindade pocket, que caiba nos seus bolsos. Enveredaram-se por caminhos de morte, ao desdenharem dos constantes avisos para não irem lá.

Sei que em parte isso se explica pela decadência dos púlpitos. Muitos pastores estão tão preocupados em reforçar as cercas que acabam se esquecendo de melhorar o pasto. Há uma frenética “caça às bruxas”, enquanto que a pregação expositiva tem sido relegada a segundo plano. Esperam firmeza de suas ovelhas sem lhes dar alimento sólido. Sendo assim, o “Saptiwa” de nada servirá se o rebanho não for suprido com pastos verdejantes, nos quais as ovelhas devem encontrar prazer e descanso para suas almas. É preciso atentar para a segurança do rebanho sem, contudo, esquecer-se de alimentá-lo.

O escritor aos Hebreus nos adverte: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram” (Hb 13.7). Essa advertência não está aí à toa. O guia é alguém que nos orienta sobre o caminho mais seguro, e suas vidas devem nos servir de referência. Com humildade e obediência devemos nos submeter àqueles que foram ordenados por Deus para serem nossos guias espirituais. E que nossos ouvidos estejam sempre atentos quando eles insistentemente nos alertarem: “Saptiwa, Saptiwa, Saptiwa”...


Soli Deo Gloria!

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[1] Site do Fantástico.

8 de fevereiro de 2010

O Revelado

Mostre-Se: Tu és Deus! Diga apenas uma palavra, meu Senhor! Uma única. E sei que tudo virará de ponta cabeça. Por Sua voz todo sofrimento desaparecerá. Por uma única palavra Sua eu crerei e serei salvo!
Louvado seja o Deus que fala, que Se revela, que chama. Para sempre minha alma engrandeça Aquele que por uma Palavra me fez crer. Aquele que faz todas as coisas novas. Aquele que enxugará todas as minhas lágrimas! Louvado seja o Deus Triúno!

O que segue é um apanhado de reflexões a propósito da auto-revelação de Deus. Reflexões feitas durante e após um período de estudos sobre Calvino. Assim, elas refletem um pouco do pensamento do reformador, mas são, principalmente, minhas próprias impressões. 
Tudo está intimamente relacionado, mas não há uma ordem lógica ou uma conexão direta entre os parágrafos. Não é um arrazoado, mas uma apresentação das ideias apreendidas. 
O leitor atento poderá perceber um duplo intento deste registro dos meus estudos. Por um lado, eu quero sempre poder lembrar daquilo que me acompanhou durante todo o tempo em que estava a estudar. Por outro, que aquilo que me acompanhou é o enlevo em louvor: eu quero demonstrar, usando-me por exemplo, que um bom estudo teológico nos faz cair de joelhos em adoração!

A revelação geral revela Deus como o Criador
Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo (Sl 19.1-4a).
O Deus das Escrituras é o Deus que Se revela. Toda a história da ordem criada é uma história da revelação de Seu Criador: “os céus proclamam a glória de Deus e por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo”. Conhecer Deus é conhecer Sua glória e Sua glória são Seus atributos. Se a criação, e o homem em especial, é para Sua glória, o conhecimento de Seus atributos que leva ao louvor e à adoração é o fim de todo ser!
Quando da criação, o homem não tinha o que lhe vendar os olhos. Ele podia ver Deus na criação, embora isso não fosse necessário para que O conhecesse. Pois ele O conhecia. Ele adorava Seu Criador. Mas há muito o homem não pode mais reconhecer Deus em Suas obras: voluntariamente caminha cego por este mundo. A revelação geral não pode levar ao conhecimento de Deus, mesmo que declare Sua existência. É necessário que a própria revelação especial diga que a geral declara Sua existência para que o percebamos. É necessário que Deus nos desvende os olhos para que enxerguemos!
Isto é evidente após a queda, certamente. Porém mesmo antes da queda Deus se revelou proposicionalmente: Sua vontade (ordem) foi dada por revelação especial. “E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17). Desde o princípio Deus está a nos declarar que necessitamos que Ele Se revele para que O conheçamos mais profundamente. Conhecê-lO como Criador nos revela muito sobre Ele. Mas há mais a conhecer e pelo que adorá-lO!

A revelação especial revela Deus como o Redentor
A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices. Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos. O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa. Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão. (Sl 19.7-13).
Se a revelação geral não é suficiente por nossa cegueira voluntária, e se não temos condições de curar a própria vista, Deus mesmo prescreve o tratamento para a cura. E esta cura nunca envolve um aplacar Sua ira por méritos que não temos. Nem uma receita dada por nós. Deus mesmo prescreve a receita e a cura em Si mesmo! É maravilhoso que no momento mesmo em que o homem se cegou Deus faz sua prescrição (Gn 3.15) e inicia a Se revelar, até culminar com o ápice de Sua auto-revalação na encarnação em Cristo Jesus! Oh, mistério terrível e maravilhoso que Deus tenha se feito homem, que o Eterno tenha se feito no tempo, que o Absoluto tenha assumido todas as nossas contingências! E que por isso sejamos redimidos e vejamos!
Deus Se revela proposicionalmente. Seu Espírito é quem fala por meio de quem Ele inspira. O texto bíblico é, portanto, o testemunho do Espírito Santo a nos revelar as profundezas de Deus e o que importa para que sejamos salvos e Lhe rendamos glória! Assim, a autoridade bíblica não é dependente da Igreja, mas de Deus. Ela é confirmada pelo testemunho do Espírito Santo, sendo esta a mais forte evidência da autoridade das Escrituras.
Deus é “o totalmente outro”. Ele é o Insondável. Mesmo assim Ele Se revela, Se nos dá a conhecer. E o que conhecemos dEle é a Verdade. Verdade que, embora nunca possa desvelar plenamente a essência de Deus, ainda é a Verdade de Sua essência. Além da limitação inerente à diferença ontológica entre Criador e criação, e também justamente por conta dela, a própria linguagem humana não é suficiente para se expressar sobre Deus. De fato, a linguagem é limitada até mesmo para a comunicação entre nós, que se dirá quanto a comunicar quem Deus é. Assim, reafirmamos que aquilo que está revelado é a Verdade de Deus, mas numa “linguagem de acomodação” de forma que O possamos entender.
O louvor ao Revelado
As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu! (Sl 19.14).
E isto não é mesmo algo para se maravilhar? Que O busquemos e busquemos e sempre haja mais a buscar! Que Sua essência não seja atingida por nós! Estudar os atributos de Deus, sistematicamente, lendo a Palavra, é algo fascinante! Ele Se revela. E tanto quanto possamos apreender Ele está lá a Se fazer conhecido. Mas quando descobrimos algo profundo, e achamos que nada pode ser mais profundo, eis que Ele descortina ainda mais um nível! Eis que Ele Se nos mostra ainda mais o Insondável. E vemos que mergulhar em Seus mistérios é mesmo algo para uma eternidade diante da Presença! Louvado seja o Deus que nos chamou para esta vida eterna com Ele! E eis que não cessaremos de cantar o que já começamos aqui: Santo, Santo, Santo é o Senhor! Glórias a Ele!
SOLI DEO GLORIA!

4 de fevereiro de 2010

A leitura da Bíblia na atualidade

Originalmente publicado aqui.


A Bíblia é muito divulgada e pouco lida. Quem deseja parecer mais "crente", levanta o grande volume da capa preta e proclama em alta voz os benefícios da leitura, ou, menos, apenas adverte severamente os que não a lêem, pronunciando imprecações sobre os biblicamente iletrados.

Ao mesmo tempo, tais advertências em muitas ocasiões não passam de retórica vazia e desequilibrada. (1) Vazia porque às vezes o próprio sujeito não tem contato com a Palavra de Deus. Lembro com um sorriso no rosto do adolescente que me ouviu pregar e depois da mensagem veio com a maior cara de curioso, analisou a Bíblia que eu tinha em mãos, e soltou a pergunta fatal: "Você já leu isso tudo?". Era espantoso para ele que alguém já tivesse lido toda a Escritura.

(2) Desequilibrada porque o infeliz não está preocupado com a leitura da Bíblia enquanto relacionamento com Deus, vida com o Pai, plenitude do Espírito nos lembrando das palavras do Filho. Nada disso. O seu argumento é puramente pragmático e moralista. Reclama com quem não lê a Bíblia porque simplesmente acha que as coisas devem ser do seu jeito, e porque é assim que funciona para o carinha obter o que deseja.

A Bíblia, então, deixou de ser um fim - a Palavra de Deus - para ser um meio: um talismã, um atrativo de bênçãos, um livro de receitas sobre a prosperidade, etc., etc.

Ler a Bíblia na atualidade é encarar as percepções culturais comuns sobre a realidade, confrontando-as com o ensinamento da Palavra de Deus, e aplicando a mensagem eterna ao nosso tempo. Isto desperta e mantém o processo de formação de uma visão de mundo bíblica, que é fundamental para todo cristão.

Elementos como a pré-compreensão, a análise textual, e a aplicação devem ser cuidadosamente observados.

* * *

Em Fevereiro os 5 calvinistas pretendem levantar a discussão a respeito da Escritura. Junte-se a nós na reflexão bíblica sobre a Bíblia (o vício de linguagem é proposital).

* * *

Allen Porto é blogueiro do A Bíblia, o Jornal e a Caneta, e escreve no 5 calvinistas às quintas-feiras.

3 de fevereiro de 2010

Porque Ele é quem é, eu o adoro!

SENHOR, tu me sondas e me conheces.
Sabes quando me assento e quando me levanto;
De longe penetras os meus pensamentos.
Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar
E conheces todos os meus caminhos.
Ainda a palavra me não chegou à língua,
e tu, SENHOR, já a conheces toda.
Tu me cercas por trás e por diante
E sobre mim pões a mão.
Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim:
É sobremodo elevado, não o posso atingir.

Para onde me ausentarei do teu Espírito?
Para onde fugirei da tua face?
Se subo aos céus, lá estás;
Se faço a minha cama no mais profundo abismo,
Lá estás também;
Se tomo as asas da alvorada
E me detenho nos confins dos mares,
Ainda lá me haverá de guiar a tua mão,
E a tua destra me susterá.
Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão,
E a luz ao redor de mim se fará noite,
Até as próprias trevas não te serão escuras:
As trevas e a luz são a mesma coisa.

Pois tu formaste o meu interior
Tu me teceste no seio de minha mãe.
Graças te du, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste;
As tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem;
Os meus ossos não te foram encobertos,
Quando no oculto fui formado e entretecido
Como nas profundezas da terra.
Os teus olhos me viram a substância ainda informe,
E no teu livro foram escritos todos os meus dias,
Cada um deles escrito e determinado,
Quando nem um deles havia ainda.
Que precisoso para mim, ó Deus, são os teus pensamentos!
E como é grande a soma deles!
Se os contasse, excedem os grãos de areia;
Contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim.

Tomara, ó Deus, desses cabo do perverso;
aparati-vos, pois, de mim, homens de sangue.
Eles se rebelam insidiosamente contra ti
E como teus inimigos falam malícia.
Não aborreço eu, SENHOR, os que te aborrecem?
E não abomino os que contra ti se levantam?
Aborreço-os com ódio consumado;
Para mim são inimigos de fato.
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração,
Prova-me e conhece os meus pensamentos;
Vê se há em mim algum caminho mau
E guia-me pelo caminho eterno. (Salmo 139:1-24)
Em quem eu posso realmente confiar? Talvez essa seja uma das perguntas que mais afligem os brasileiros no século XXI. Muitos não sabem se têm mais medo dos bandidos ou dos policiais. Os políticos, que deveriam ser um exemplo para a sociedade, estão no fundo do poço da credibilidade. Empresários não são confiáveis por serem ricos, mas não se confia também em muitos movimentos chamados "sociais", que dizem defender os mais pobres. Liga-se a televisão, mas não se acredita no que dizem os telejornais. Até o amor virou dúvida. Como consagrou Vinicius de Moraes, "que seja infinito enquanto dure".

Mas essa dúvida sobre em quem confiar é antiga. E uma rápida análise da vida do rei Davi mostra isso. De herói por ter derrubado o gigante, Davi foi transformado em bandido, por representar uma ameaça ao rei Saul. Quando ele foi pedir ajuda aos sacerdotes do templo, o fato foi delatado ao rei, e oitenta e cinco pessoas morreram por tê-lo auxiliado. Ele livra a cidade de Queila das mãos dos filisteus, mas os habitantes que foram salvos por ele não hesitariam em entregá-lo nas mãos de inimigos. Se fosse olhar para o próprio passado, Davi aprenderia a desconfiar de quase todas as pessoas.

No entanto, havia uma pessoa em quem Davi confiava acima de todos os outros. Ele confiava plenamente em Deus. Era o Senhor quem deveria sondá-lo, conhecê-lo e guiá-lo. Somente Ele poderia cuidar dos caminhos de Davi.

O Onisciente me conhece
E por que Davi entregava o seu destino nas mãos do Senhor? A primeira resposta é que somente Deus conhecia profundamente o coração dele.

Davi abre o salmo reconhecendo que Deus o sonda e o conhece. Constantemente Deus olha para a vida do rei e o acompanha em todas as suas ações, quer ele esteja ativo ou passivo, andando ou deitado. Mais do que isso: até mesmo os pensamentos e as palavras de Davi são transparentes para Deus, que conhece todos os caminhos de seu servo, embora ele mesmo não soubesse de todos eles, a ponto de pedir que Deus visse se ele estava ou não em algum caminho mau.

O que Davi está reconhecendo aqui é que o Senhor conhece todas as coisas, o que é chamado de onisciência. Hoje, muitas pessoas não refletem mais nesse atributo e talvez até considerem essa meditação um exercício fútil e árido de alguns teólogos. Já há pastores e teólogos que vão mais longe e negam que o Senhor conheça o futuro. Ensinam um Deus que não é mais onisciente.

Mas, se é assim, como confiar que Deus sabe o melhor para nós? Como pedir que Ele nos mostre o mau caminho de nossa vida se Ele não sabe de tudo? Talvez Ele se engane em alguma coisa...

Contudo, não era assim que Davi pensava. Ele cria que Deus sabia de tudo, que Ele conhecia a Davi melhor do que ele mesmo. Por isso, Davi adorava ao Senhor.

O Onipresente está onde eu estou
Mas o Senhor não era apenas aquele que conhecia a Davi. Ele também o acompanhava, mesmo quando a última companhia desejada por Davi era a do Deus Vivo.

Não há como escapar do Senhor. A face de Deus e a presença do Espírito Santo estão em todos os lugares. Podemos subir ao céu ou descer aos abismos, ir até o Sol ou fugir para o meio dos oceanos, buscá-Lo na luz ou refugiar-se nas trevas. Deus continua a cercar-nos por trás e por diante, a mão d'Ele está posta sobre os Seus escolhidos, a quem Ele guia e sustenta o tempo todo, quer percebamos, quer não.

Na sociedade do século XXI, onde temos várias formas de nos comunicarmos com outras pessoas, a solidão e o isolamento continuam a afligir milhões. De fato, muitos se sentem jogados no mais fundo abismo, mesmo morando em um prédio de 20 andares e mais de 100 apartamentos ocupados. Para estes, Davi diz que o Senhor está perto, sendo a nossa companhia o tempo todo.

Por outro lado, muitos se levantam contra Deus e querem fugir dele. Correm de igrejas, rasgam Bíblias e evitam qualquer religioso que possa mencionar o nome de Deus. Para estes, Davi diz que é impossível fugir do Senhor e que nem mesmo o pecado pode mantê-Lo longe de seus escolhidos.

Porque o Senhor está em todo lugar, Ele está sempre comigo, me guiando e sustentando. Essa é a música do rei salmista. E, por isso, Davi adora ao Senhor.

O Onipotente dirige os meus passos
Deus conhece o coração dos homens e está sempre do lado deles. Mas, mais do que isso: Deus escreve, soberanamente, o destino das pessoas e intervêm em suas vidas. E, por isso, Davi o adora.

Ao contrário do homem contemporâneo, que se pretende senhor de seu destino e ignora a Deus em suas decisões, Davi reconhece, desde o início, que sua origem é divina. Foi o Senhor quem o formou, quem fez da substância informe um ser humano completo. Mais: antes do nascimento de Davi, Deus já havia escrito e determinado todos os seus dias. O Senhor, com as suas mãos, fez a Davi e escreveu o seu destino.

Porém, os seres humanos não reconhecem mais o trabalho de Deus na vida dos seres humanos. Mães abortam, imaginando que o fruto de seu ventre não é vida, que os embriões crescem apenas sugando a força do corpo materno e ignorando o trabalho de Deus. Os homens rejeitam a ideia de que Deus tenha escrito como deve ser as suas vidas, e num ato de "independência" se proclamam senhores de seus próprios destinos. E assim, se transformam nos homens perversos e rebeldes que Davi odeia. Tornam-se inimigos de Deus e inimigos de Seus filhos.

Davi, porém, cria no Deus Soberano e O servia. Ao proclamar como ele dependia de Deus e reconhecer o Seu poder de determinar o curso de sua existência, Davi proclamava servir a um Deus Onipotente, que pode todas as coisas, o Todo-Poderoso. E, por isso, ele pedia não só que o Senhor o conhecesse e provasse, mas também que o guiasse pelo caminho eterno. Suplicava que Deus interviesse em Sua vida para guiá-Lo pelo bom caminho.

Conclusão
Reconhecer que Deus é o Onisiciente, o Onipresente e o Onipotente não é um capricho de teólogos, um exercício mental vazio e estéril, sem relevância para o homem comum. Na verdade, meditar nessas verdades é reconhecer que precisamos de Deus, é enxergar que Ele é digno de nossa confiança, é perceber que nossa vida deve ser depositada em Suas mãos santas, pois somos incapazes de cuidar bem dela com nossas mãos frágeis e impuras.

Os verdadeiros cristãos adoram a Deus não apenas porque Ele nos faz o bem, mas acima de tudo porque olhamos para quem Ele é. E ao olharmos para a essência de Deus, aí sim começamos a entender as Suas obras e percebemos que n'Ele podemos confiar.

Soli Deo Gloria!

P.S: Peço perdão pelo "furo" das últimas quartas. É que alguns dos 5 Calvinistas estão correndo bastante nesse início de ano. E peço, desde já, orações pelas nossas vidas e por esses projetos. Obrigado!

Helder Nozima é pastor presbiteriano, blogueiro do Reforma e Carisma e escreve às quartas-feiras no 5 Calvinistas.