27 de janeiro de 2011

O sofrimento dos bons

Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.
Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles apresentar-se perante o SENHOR. Então, o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? Respondeu Satanás ao SENHOR e disse: De rodear a terra e passear por ela.

Perguntou o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa.

Então, Satanás respondeu ao SENHOR: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Estende, porém, a mão, toca-lhe nos ossos e na carne e verás se não blasfema contra ti na tua face.

Disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está em teu poder; mas poupa-lhe a vida.

Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de tumores malignos, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó, sentado em cinza, tomou um caco para com ele raspar-se. Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre.

Mas ele lhe respondeu: Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal? Em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios. (Jó 2:1-10)
Imagine acordar sábado de manhã para fazer uma viagem. Você se levanta, ora, pede a proteção divina para você e para a sua bagagem, que está trancada com cadeados. Algumas horas depois, no aeroporto de destino, a sua mala aparece rasgada e sem cadeado...com várias coisas roubadas.

Isso foi o que aconteceu comigo há alguns dias. E nessas horas, por mais que você não queira, algumas perguntas começam a surgir. Por que Deus não protegeu o que eu pedi pra que Ele protegesse? Será que não tive fé o suficiente? Será que Deus falhou? Terá sido tudo uma armadilha diabólica?

Se um pequeno incidente como esse gera tantos questionamentos, o que pensar quando, em um curto espaço de tempo, somos atingidos por uma catástrofe que leva tudo: posses, família e a saúde! De certa forma, essa é a realidade de vários cristãos brasileiros atingidos por enchentes no estado do Rio de Janeiro, de outros que são perseguidos, presos e até torturados em países onde o Evangelho é proibido e de vários que servem a Deus fervorosamente e, de repente, são atingidos subitamente por algum tipo de mal.

Quando isso acontece, o que pensar? Deus perdeu o controle? Ele cochilou e o diabo se aproveitou para destruir os filhos d'Ele? A fé não foi forte o bastante para alcançar o favor divino? Para muitos, certas respostas são tão insuportáveis que é melhor pensar que esses incidentes são obras diabólicas (onde o papel de Deus é ignorado) ou castigos divinos a pecadores (porque pessoas boas não são afligidas com esses sofrimentos).

Mas, será que é sempre assim? Não é o que a Bíblia ensina.

Os justos também sofrem
Se você ficou com dó de mim porque eu fui roubado, então você se derretaria em lágrimas e indignação se soubesse o que aconteceu com Jó. Afinal, quantas pessoas você conhece que receberam, verbalmente, a aprovação pública do próprio Deus? Uma coisa é ouvir uma mãe dizendo como seus filhos são bons, outra é Deus dizer que um homem é "íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal", alguém tão especial que "ninguém há na terra semelhante a ele". Se existia uma pessoa na terra que merecia tudo de bom, ah, com certeza era Jó.

E, de fato, Deus o abençoou com muitas coisas: riqueza, filhos, saúde e o respeito da sociedade. Em qualquer dimensão pela qual um homem possa ser medido, Jó poderia ser considerado um vencedor, inclusive na devoção ao Senhor. Se as obras, a conduta e as orações são o melhor seguro contra o mal, ninguém era mais protegido do que Jó.

Mas ele perdeu tudo. Os bens e os filhos foram destruídos ou roubados em um único dia. Como se isso não bastasse, Satanás foi até a presença de Deus para acusar a Jó...e o Senhor autoriza o diabo a tirar dele a saúde. A santidade de Jó não o livrou de sofrimentos profundos e intensos.

Quando o mal nos atinge, nós questionamos a Deus porque, inconscientemente, pensamos que pessoas boas não sofrem. No fundo de nossos corações, achamos que nossos atos são bons e puros, que somos melhores do que a média e que merecemos um tratamento à altura do Senhor. Nossas obras seriam uma espécie de apólice de seguro, um pagamento dado a Deus em troca de livramentos e proteção. Quando alguém perde tudo, fica doente ou é roubado, isso é porque houve algum pecado ou falha. Ainda acreditamos que pessoas boas ficam longe do mal.

No entanto, o ensino bíblico é o de que ninguém é, de si mesmo, bom e justo:
Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado;como está escrito: Não há justo, nem um sequer,não há quem entenda, não há quem busque a Deus; (Romanos 3:9-11)
Nem mesmo Jó, que teve um testemunho tão elevado da parte do Pai escapa do pecado, como é revelado por Eliú quando ele diz a Jó:
Na verdade, falaste perante mim, e eu ouvi o som das tuas palavras: Estou limpo, sem transgressão; puro sou e não tenho iniqüidade. Eis que Deus procura pretextos contra mim e me considera como seu inimigo. Põe no tronco os meus pés e observa todas as minhas veredas. Nisto não tens razão, eu te respondo; porque Deus é maior do que o homem. (Jó 33:8-12)
Coisas ruins acontecem a pessoas boas porque, na verdade, ninguém é bom.

Deus manda o bem e o mal
Contudo o problema não é só admitirmos que todos, sem exceção, são pecadores e sujeitos a ação do mal. A própria ideia de que uma enfermidade, um roubo ou um acidente tenham sido autorizados por Deus é intolerável a muitos. Talvez por esta razão alguns evangélicos neopentecostais rejeitem a ideia de que um cristão pode adoecer ou empobrecer.

Eu vi essa crença na Namíbia. Lá conheci um jovem que estuda para ser pastor e teve uma diarreia um dia após comer uma carne apimentada demais. A maioria das pessoas procuraria comer algo mais leve no dia seguinte ou buscaria um remédio. Esse jovem preferiu orar repreendendo o demônio que o deixou doente porque ele não acreditava que um filho de Deus pudesse adoecer.

No entanto, Deus não é apenas o Doador da vida, Ele também é o Pai que disciplina duramente os Seus filhos:
porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe. (Hebreus 12:6)
E, muitas vezes, o chicote divino pode ser um demônio. Lendo o livro de Jó vemos que era o diabo quem roubou seus bens, matou seus filhos e o encheu de tumores. Jó, porém, disse à mulher que eles recebiam de Deus o bem e também o mal. E tem mais: ele não pecou quando disse isso! Em última análise, o mal causado pelos demônios vinha da mão de Deus. Nada no mundo, nem mesmo as piores calamidades ou violências, acontecem sem a permissão divina. Ele realmente está no controle de tudo, inclusive do mal.

No caso dos Seus filhos, o mal não é a punição pelos pecados, mas sim a disciplina que nos corrige. Não importa se ela vem na forma de um roubo, de uma diarreia, uma enchente ou mesmo o maior ataque diabólico possível. Ao contrário do que Jó pensava, Deus não procura pretextos contra Seus filhos nem os considera como inimigos. Não importa o que de ruim aconteceu: Deus não é nosso inimigo.

Mesmo quando o mal atinge aqueles que não servem a Deus, ainda aí o mal é permitido para levar os homens ao arrependimento. Quando sofremos por causa do nosso pecado ou do pecado de outros, o Senhor nos lembra que deixar os Seus mandamentos é algo que causa dor e prejuízo. Quando sofremos por causa de fatores que fogem ao nosso controle, como em uma catástrofe natural, o Senhor nos lembra de que o fim de todas as coisas vai acontecer de modo tão imprevisível quanto o momento da nossa morte. Se não temos controle sobre a próxima calamidade, devemos confessar isso diante do Deus que controla todas as coisas e nos rendermos diante d'Ele.

Todo sofrimento será compensado
Mas, afinal, qual a vantagem em servir a Deus? Se a nossa salvação não é uma garantia infalível contra os males que atingem a todos, por que deixar o pecado e servi-Lo? Era exatamente essa a angústia de Jó.

Jó não sabia, mas na verdade ele estava personificando a vida de Jesus. Se Jó era justo, Jesus viveu de modo perfeito. Se o sofrimento de Jó era uma injustiça, a maior de todas era fazer o Filho de Deus sofrer.

Quando sofremos, podemos encontrar consolo no fato de que Jesus também sofreu. Deus Pai não açoitou somente aos seus filhos adotivos, o seu Unigênito, embora inocente, também foi aperfeiçoado na mesma escola que nós:
Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, tendo sido nomeado por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. (Hebreus 5:7-10)
Jesus foi rejeitado, xingado, acusado, caluniado, surrado, torturado, roubado e morto. Mais do que isso: Ele carregou em Seu corpo a culpa dos pecados da Igreja. Se a nossa carga de dores parece enorme, a d'Ele foi ainda maior.

Mas todo esse sofrimento foi compensado. Jesus, enquanto homem, aprendeu. Foi aperfeiçoado. Ganhou como prêmio o ser nomeado sumo sacerdote de Deus. Como diz a Bíblia:
Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu. (Isaías 53:10-12)
Jesus sofreu, mas ficou satisfeito quando viu o resultado de seu penoso trabalho. No final, aquele que teve o sofrimento supremo, foi exaltado acima de todos. E, de certa forma, isso é o que acontece com a igreja.

No final do livro de Jó, ele ora por amigos que pecaram contra ele, acusando-o (Jó 42:8-9). O justo sofredor ainda pediu ao Pai que perdoasse aqueles que fizeram falsas acusações. E, assim como Jesus, Jó também foi exaltado por Deus após seu sofrimento:
Assim, abençoou o SENHOR o último estado de Jó mais do que o primeiro; porque veio a ter catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de bois e mil jumentas. Também teve outros sete filhos e três filhas. Chamou o nome da primeira Jemima, o da outra, Quezia, e o da terceira, Quéren-Hapuque. Em toda aquela terra não se acharam mulheres tão formosas como as filhas de Jó; e seu pai lhes deu herança entre seus irmãos. Depois disto, viveu Jó cento e quarenta anos; e viu a seus filhos e aos filhos de seus filhos, até à quarta geração. Então, morreu Jó, velho e farto de dias. (Jó 42:12-17)
O que aconteceu com Jó é o que vai acontecer com todos os irmãos de Jesus, com todos os filhos de Deus. Pode ser que a exaltação só aconteça no último dia, quando o Senhor Jesus voltar. Mas cada presente roubado, cada pessoa perdida, cada dor que sentimos...tudo isso será compensado.

Males grandes e pequenos atingirão a mim, a você e a todos os filhos de Deus enquanto vivermos. Mas com Jó podemos aprender que Deus está sim no controle de tudo e que essas dores fazem parte de um plano maior do Senhor.
Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.
Soli Deo Gloria!

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

7 comentários:

  1. Fato! Situações contrárias tb surgem para os eleitos de Deus, a grande diferença é que TUDO coopera pra o nosso bem..

    Ou seja, por mais que soframos com certos acontecimentos, a finalidade de tudo o que vivenciamos é nosso aperfeiçoamento..

    Bela postagem!

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  2. o post confronta e ao mesmo tempo acalenta. é muito bom poder cantar, como no hino, que segurança sou de Jesus. excelente, helder (lindo, pra mim) que Deus te abençoe para que você continue nos abençoando dessa maneira.

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  3. Helder,

    ótimo texto! Um testemunho mais que cativante.

    Abraços!

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  4. Barrabás, Kamylla e Leonardo,

    Obrigado pelos comentários. É bom quando o Senhor nos usa para abençoar a outros.

    Graça e paz do Senhor,

    Helder Nozima
    Barro nas mãos do Oleiro

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  5. irmãos: Gostei muito do artigo novo da Fiel, sobre o deus de Ricardo Gondim. Não conhecia muito sobre o assunto. Vinha lendo no tuiter o Fabricio Cunha da IBAB, que diz coisas muito parecidas com o Gondim. Seria bom ler mais a respeito, no blog de vocês...

    http://blogfiel.com.br/2011/04/tudo-o-que-e-e.html

    Pr. A. P. Rosa

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