5 de julho de 2010

Deus induz o crente à tentação?

“E não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre. Amém.” Mt 6:13 (ACF)


Esta petição do Pai Nosso tem causado algumas dificuldades aos estudantes da Bíblia. O pedido parece indicar que Deus pode induzir alguém à tentação, o que seria negado por Tiago 1:13, que diz que Deus a ninguém tenta.


Como vimos, a Almeida Corrigida Fiel opta por “não nos induzas à tentação”, no que é acompanhada pela Almeida Revista e Corrigida. Isto dá a idéia de que Deus ativamente causa ou introduz o crente na tentação. A maioria da traduções, contudo, adotam uma linguagem que sugere uma permissão e não uma causação divina, dizendo “não nos deixe cair em tentação” (Almeida Revista e Atualizada, Tradução Brasileira e Nova Versão Internacional) ou “não deixes que sejamos tentados” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje) e “não nos deixe entrar em tentação” (Almeida Revisada). Não pretendemos, e seria duma presunção absurda, determinar qual a melhor tradução, mas tentar analisar as implicações da tradução que sugere que Deus leva o crente a ser tentado.


O verbo εισενεγκης é formado pela preposição eis, que significa “para dentro” e phero, que pode ser traduzido como “levar”, então temos “levar para dentro”. Outras ocorrências de eisphero são traduzidas pela ARC como “fazê-lo entrar” (Lc 5:18), “levar” (Lc 5:19), “conduzas” (Lc 11:4), “trazes” (At 17:20), “trouxemos para” (1Tm 6:7) e “trazido... para [dentro]” (Hb 13:11). E considerando que o verbo está na voz ativa, não é nenhum absurdo considerar que Deus introduz ou leva o crente para dentro da tentação.


Neste caso, precisamos examinar a palavra tentação, para verificar se conflita com a declaração de Tiago. O substantivo πειρασμον, traduzido como tentação pode significar “uma prova ou um teste”, como a tentação enfrentada pelos Gálatas por causa da condição física do apóstolo, que serviu para testar o amor deles por Paulo (Gl 4:14). Alguns exemplos de ocorrência de peirasmos com o sentido de “provação” (Lc 8:13; At 20:19; Tg 1:12; 1Pe 1:6; 1Pe 4:12; Ap 3:10). É nesse sentido que tentação deve ser tomado aqui, bem como em Lucas 22:28.


Embora seja certo que “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele a ninguém tenta” (Tg 1:13), devemos entender que o Senhor a ninguém tenta pelo mal, no sentido de induzir alguém a pecar. Porém, devemos considerar que Deus pode submeter o crente à prova, no processo de transformação na imagem de Seu filho. O próprio Tiago diz “meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” e “bem-aventurado o homem que suporta a provação; porque, depois de aprovado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam” (Tg 1:12). Paulo também anima os crentes dizendo “não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças; pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10:13).


Em resumo, e de acordo com Paulo, podemos afirmar que Deus pode, de acordo com Sua santa vontade e para o nosso bem, nos levar à provação, conforme as traduções mais tradicionais o indicam. Porém, podemos estar seguros que Deus nem permitirá que o crente venha a cair quando tentado, nem deixará que seja tentado além de suas forças. Comentando esta petição, João Calvino disse:


Não pedimos aqui não ter que sofrer nenhuma tentação. Temos grandíssima necessidade de que as tentações nos despertem, estimulem e sacudam, pois corremos o perigo de converter-nos em seres amorfos e preguiçosos se permanecermos numa calma excessiva. Cada dia o Senhor prova seus escolhidos, adestrando-os por meio da ignomínia, da pobreza, da tribulação e outras classes de cruzes. Porém nossa demanda consiste em pedir que o Senhor nos dê também, ao mesmo tempo que as tentações, o meio de sair delas, para não sermos vencidos e esmagados; antes, fortalecidos com a força de Deus, poder manter-nos constantemente contra todos os poderes que nos assaltam (Breve Instrução Cristã).


Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

10 comentários:

  1. Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. (Mateus 4:1)
    Jesus foi levado ao deserto por quem, e, para o que?

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  2. Eu gostei da explicação. Só uma coisa, que parece ser realmente o mais importante dessa passagem, foi, por um lapso, esquecida: Jesus está ensinando seus discípulos a pedir ao Pai que não os conduzas à tentação! Nós estamos aqui discutindo a importância da provação para o crente, enquanto Jesus está ensinado seus discípulos a pedirem para que Deus NÃO faça isso! O texto é muito claro: cabe a mim pedir para não ser tentado. Cabe ao pai, quando bem lhe aprouver, não atender o meu pedido...Interessante, não?

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  3. Rodrigo,

    Segundo os evangelistas, Jesus "foi levado pelo Espírito ao deserto" (Lc 4:1) com a finalidade de "ser tentado pelo diabo" (Mt 4:1). Portanto, Jesus foi lecado à tentação por Deus.

    Jesus foi tentado para se identificar com nossas próprias tentações e nos socorrer quando estivermos sendo tentados:

    "Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados" (Hb 2:18).

    "Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado." Hb 4:15

    Em Cristo,

    Clóvis

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  4. Anônimo,

    Faz parte das regras deste blog não publicar comentários anônimos. Pela pertinência de seu comentário, exceção foi feita, mas por favor se identifique das próximas vezes.

    O propósito do texto foi responder a um questionamento dirigido a mim, sobre se Deus induz o crente à tentação. Não foi uma análise expositiva da passagem, e por isso o ponto que você se referiu escapou.

    Creio que a atitude do crente aqui, como em todos os casos, deve ser a mesma de Jesus: "Pai, passa de mim este cálice, contudo, faça a Tua vontade e não a minha". O crente deve orar para que Deus o livre DA tentação, tendo certeza que Deus o livrará, NA tentação.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  5. Obrigado Clóvis, pela resposta rápida, cuidadosa e profunda... e perdoe o anonimato anterior...
    Então, para corrigir meu erro, identifico-me agora. Um abraço, em Cristo.

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  6. Alessandro,

    É um prazer dirigir-me a você chamando-o pelo nome. Pode não parecer, mas isso nos aproxima muito. Muito obrigado por se identificar.

    Deus o abençoe,

    Clóvis

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  7. Deus não é mau para induzir alguém a tentação. Seu eu aceitar, estarei afirmando a tese dos ateus que Deus é mau e já preparou muitos para o inferno. Muitos chamados poucos escolhido; o trigo e o joio; as 10 virgens; o filho da perdição.
    Deus permite sermos tentados, mas não nos induz.
    Exemplo: a)Você induz teu filho a bater em outras crianças. b) Você permite que teu filho bata em outras crianças. c) Você conduz ou leva teu filho para bater em outras crianças.
    INDUZIR; CONDUZIR/LEVAR; DEIXAR/PERMITIR.
    Para ser sincero: Prefiro que Deus tão somente permita que eu caia em tentação, e nunca me induza e ou me conduza/leve a tentação.

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  8. Valvescovisky,

    Felizmente, Deus não é segundo as nossas preferências, mas como a Bíblia diz que Ele é.

    Em Cristo,

    Clóvis

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