Nenhum movimento sobrevive sem auto-crítica (não confundir com "alta crítica"). Refletir profundamente sobre a sua condição, identidade, propósitos e motivações é mais do que recomendável para qualquer corrente cristã; é uma necessidade. Por isso, penso que, enquanto acompanhamos as crescentes discussões sobre o Novo Calvinismo - levantadas pelo Rev. Helder Nozima aqui e aqui - precisamos apontar os riscos que rondam o terreno dos novos calvinistas.
Penso que a reflexão sobre o novo calvinismo ainda está engatinhando em nosso contexto. Por isso temo que maiores identificações com o fenômeno possam nascer de corações bem intencionados, embora desconhecedores da coisa em si e de suas implicações. O risco que se corre é de adotar uma série de novos modelos, técnicas e abordagens eclesiológicas e ministeriais, sem captar adequadamente o espírito do NC. Como resultado, poder-se-ia obter um frankenstein tupiniquim que não é nem o calvinismo old school, nem o novo calvinismo, mas uma coleção de arremedos práticos, sem nenhuma estrutura teológico-doutrinária que promova a unificação dos conceitos e práticas adotadas. Corremos o risco de pastores interessados em um novo modelo apenas pela expectativa de mais uma fórmula que encha sua igreja, sem perceber que isso é a negação do calvinismo, seja o clássico, seja o novo. Mas eu me adianto, e assim preciso voltar um pouco para tratar da questão dos ídolos.
Os sistemas de pensamento e organização conceitual, em maior grau (como uma cosmovisão inteira) ou menor (como uma perspectiva eclesiológica), possuem conjuntos de pressupostos que norteiam os caminhos escolhidos. Quando tais conceitos subjacentes são desviados de sua direção bíblica, rumo à autonomia, temos a formação de um ídolo. Aquilo que um dia deu base ao surgimento de medidas boas, reivindicou independência e partiu para a rebelião contra Deus. Para que tal perigo seja evitado, é importante discernir, por meio de uma crítica radical do coração (nosso e do NC), quais os conjuntos de pressupostos que estão em jogo, e que caminho eles têm tomado, além da direção a que nos têm levado. Uma forma de perceber o ponto é imaginar o que aconteceria se determinados elementos se tornassem autônomos - observar o processo da idolatria em formação. É assim que percebemos os cinco ídolos que descrevo abaixo (e nos posts que seguem). Alguns já podem estar em atividade, enquanto outros dormem, aguardando a hora de entrar em ação. Cabe aos velhos e novos calvinistas apontá-los e resisti-los.
Uma digressão que se faz importante: Sem pretensão alguma de originalidade, a idéia do texto veio na esteira do texto do Pb. Solano Portela, que faz a auto-crítica do calvinismo de modo magistral.
Outra digressão: talvez você queira saber de onde eu falo. Que posição eu assumo enquanto levanto tais críticas ou pontos a serem discutidos? É uma pergunta justa, e eu não me esquivarei dela. Não sou um novo calvinista. Ainda não. Não conheço o suficiente do movimento, e creio que preciso sedimentar reflexões e percepções da proposta durante um período, antes de (ou se) me identificar publicamente com a coisa. Se, por um lado, não me identifico como um novo calvinista, também não sou um anti-novo calvinismo. Há alguns anos tenho acompanhado sermões dos iniciadores do movimento nos EUA, mais intensamente do Pr. Mark Driscoll, mas também de pregadores e autores que respeito bastante, como Joshua Harris e Matt Chandler. Tenho lido materiais dos novos calvinistas, e sobre eles - como a única pesquisa publicada por um brasileiro sobre o fenômeno, o livro "O futuro do Calvinismo", do Rev. Leandro Lima (ed. Cultura Cristã). Ele também é autor do blog Novo Calvinismo. Assim, escrevo como quem pretende contribuir com as reflexões sobre o movimento, numa tentativa de trazer luz sobre suas nuances, para benefício meu e de outros - não importa se adotaremos o novo calvinismo ou não. Compreendê-lo melhor, ou compreendê-lo afinal, é um passo fundamental para qualquer postura seguinte.
Agora sim, aos ídolos:
1. A idolatria do modelo
Talvez todos tenhamos aquele amigo chato que se empolgou com o modelo de células a la G12, e repetia incessantemente: "Este é o modelo. Esta é a visão". O mantra dos seguidores de Castellanos vinha carregado de uma arrogância que pretendia reivindicar a singularidade do modelo celular como a única proposta válida para os dias atuais. O discurso todo se mostrava tão entediante que a melhor solução era tentar mudar de assunto rapidamente, e aguardar para ver quantos minutos o sujeito ficaria sem falar no "modelo" ou na "visão".
Defensores do novo calvinismo correm o risco de cair em tal armadilha. Preocupados com a situação atual da Igreja, e embriagados pelo impacto do new calvinism nos Estados Unidos, pensam ter encontrado "a" (!) resposta para o problema brasileiro. Sem perceber, são levados aos poucos a adotar um discurso cada vez mais arrogante, que pretende exaltar as virtudes do NC, e apresentá-lo como a única maneira pela qual uma igreja pode sobreviver aos nossos dias.
Que isto não é verdade, não é difícil perceber. Basta notar que, paralelo ao crescimento do novo calvinismo, uma corrente totalmente oposta a ela tem crescido consideravelmente no Brasil - e tem recebido a alcunha de neopuritanismo (embora o termo seja rejeitado pelos que adotam a perspectiva - para os fins deste post, e por falta de um termo melhor eu utilizarei esta designação). Como explicar que forças tão distintas cresçam simultaneamente? Uma promove liturgia mais aberta e espontânea, enquanto outra não permite que mulheres orem no culto. Uma não vê problemas em um visual cool, com brincos, camisetas divertidas e tênis, enquanto outra prioriza o estilo formal, de preferência com terno e gravata (há exceções, sempre há...). Uma enfatiza o uso de música contemporânea, provavelmente no melhor estilo rock'n'roll, enquanto outra retorna aos caminhos da utilização exclusiva de salmos no repertório da igreja.
Sem julgar os méritos de cada corrente, ambas crescem. A percepção deste fenômeno deveria indicar ao novo calvinismo que ele não está sozinho, e que ele não é, exclusivamente, o caminho do crescimento da contemporaneidade, ou, mais ainda: ele não é a tábua de salvação da igreja.
A idolatria do modelo pode cegar os novos calvinistas, e não permitir que eles percebam o que Deus está fazendo em comunidades vizinhas, que não aderiram ao movimento. Pode criar uma perspectiva de "gueto", como descreve o calvinista Roberto Vargas Jr., tão sectária e facciosa quanto os proponentes do G12, ou muitos "neopuritanos", que reivindicam exclusividade de modelo e interpretação teológica, condenando quem difere de seu modo de pensar e sentenciando-os como hereges.
O novo calvinismo, como o clássico e qualquer outra corrente da igreja cristã precisa partir da compreensão básica: existe vida para além dos limites de minha compreensão. Existem salvos fora do calvinismo em geral. Existem cristãos sérios fora do calvinismo clássico. Existem igrejas abençoadas e crescentes fora do novo calvinismo. Esta ressalva pode livrar o NC de uma arrogância que comprometeria o futuro do movimento no Brasil.
[continua]
Allen, estou empolgado e curioso com sua série e fico feliz que ela surja agora, no "calor do momento", até como algo para dar discernimento e evitar erros futuros.
ResponderExcluirAcredito que vocês poderiam fazer uma série sobre o neopuritanismo. Muitos, como eu, acabam não encontrando muitos defensores dessa corrente, por incrível que pareça.
abraço
Josa
Querido irmão, só existe algo de NOVO no NOVO calvinismo que o irmão Nozima chamou a atenção - continuísmo!!! mais nada mesmo. Depois de amanhã vou postar outra critica ao que ele escreveu.(até pq ele não liberou dois comnetários meus[pode ter sido algum erro aqui, ou aí, tudo bem.]
ResponderExcluirSua postagem chama a atenção , e está dizendo que alguma coisa nova está surgindo no ar que já deve ter cuidado...
mas sinceramente irmão - vou te perguntar o que já perguntei: O que tem de NOVO nesse NOVO calvinismo que não encontro no VELHO calvinismo de sempre ? Única coisa é o tal de continuísmo ou pentecostalismo [que nem estou aqui criticando ou não].
Vou postar no MCA uma simples observação de algo que está no CMW que revelará que fervor, amor , etc... nunca faltou nos nossos postulados... o que falta é ardor, paixão EM NÓS HOJE.
abraços
Allen,
ResponderExcluirassim como você, ainda preciso ler e refletir muito antes de me identificar como um novo calvinista (tal como o movimento tem sido apresentado aqui e alhures), embora eu admita que me identifico com algumas de suas nuances. Mas o fato é que, como diz o Rev. Leandro Lima no livro citado por você, muito do que pensamos ser exclusivo do novo calvinismo já fazia parte do (velho?) calvinismo em seus melhores dias - o que nos faz pensar que o "novo" de repente não seja tão novo quanto pensam alguns. E é justamente aqui que seu post (bem como toda série, espero) se faz oportuno, pois ele nos alerta justamente para os ídolos nossos de cada dia, os quais costumamos fabricar quando nos foge o discernimento e a piedade genuínos.
Parabéns, meu caro.
Abraços!
Allen,
ResponderExcluirDepois desta sua postagem a minha, programada para amanhã, parece-me irrelevante.
Muito obrigado por uma abordagem tão apropriada.
NEle,
Roberto
Allen,
ResponderExcluirMuito boa reflexão! Boa e oportuna.
O leonardo tem muita razão quando diz que "muito do novo já estava presente no velho em seus melhores momentos".
A grade recomendação que tem nos perseguido é aquela apontada pelo Roberto Vargas, a de evitar a construção das cercas, o sectarismo, aquilo que você chamou de disposição de gueto.
Enfim, muito bom e continuemos não apenas a refletir mas AGIR em iniciativas que confirmem tudo isso que estamos pensando.
Vamos todos procurar levar essa importante reflexão para fora do internet, especialmente em diálogos francos e abertos como nossos colegas de ministério.
Um abraço fraterno,
Dilsilei
Luciano,
ResponderExcluirSeus dois comentários anteriores não foram aceitos por não tratarem do post.
Quanto às novidades, nem o continuísmo é novo. John Knox acreditava em profecias, assim como outros reformadores escoceses. A fonte original são edições antigas do livro "Scots worthies", citadas no livro "Surpreendido pela Voz de Deus", de Jack Deere.
Graça e paz do Senhor,
Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro
Vou tentar responder a todos daqui, pra não entupir o post de comentários.
ResponderExcluirJosa -> obrigado! Sobre o neopuritanismo, gostei da idéia. Desde já, recomendo o texto do Roberto Vargas Jr. (que eu não havia linkado, mas já corrigi o erro neste post do blog).
Luciano -> Leia novamente o texto. Acredito que você precisa fazer a auto-crítica que ele sugere. E lembre-se que nenhum dos calvinistas é obrigado a autorizar os comentários de quem quer que seja. Se forem repetitivos, mal educados ou não atingirem algum critério estabelecidos (como o do anonimato), não serão publicados.
Leonardo -> Sigamos refletindo então, meu caro! A entrevista com o Rev. Leandro Lima vai rolar em breve.
Roberto -> Nenhuma postagem de sua pena ou dos outros calvinistas é irrelevante. Especialmente neste momento de relexões iniciais sobre o NC, todas as abordagens são bem vindas.
Dilsilei -> Obrigado pelas considerações. De fato, reflexão e piedade andam juntas.
Um abraço a todos
Allen, obrigado! Vamos continuar dialogando, nos encorajando e nos alertando.
ResponderExcluirEm Cristo,
Filipe
Allen, como sempre, além!
ResponderExcluirAgiliza logo essa entrevista com o Rev. Leandro, estudioso entre nós pioneiro na pesquisa e problematização do movimento.
Allen,
ResponderExcluirescrevi no Facebook, resumidamente, que estou como você, observando e vendo esse movimento. Continue escrevendo e ao final me colocarei mais claramente.
Abraço
Renan
Anamim,
ResponderExcluirRecusei seus 3 últimos comentários.
1) Porque você escreveu no post do Allen comentários que eram dirigidos a mim;
2) Porque eles não se atêm ao post em si. Se você quer comentar algo que não seja o post, você tem o seu blog.
3) Porque não fazemos propaganda de outros blogs.
Mas, excepcionalmente, vou indicar um link. A minha resposta a você é a mesma do Roberto Vargas Jr e está aqui.
Graça e paz do Senhor,
Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro
@Allen
ResponderExcluirLembra-se da minha velha desculpa por não postar, pois queria textos mais bem pensados, e não "snippets" aqui e alí? Desde então tenho lido vários dos seus textos, produzidos com freqüência, e não tenho nada menos do que o maior respeito e admiração por como você consegue manter a profundidade e qualidade nos seus posts nesse ritmo.
Estou animadíssimo com a sua iniciativa nesta série, e aguardando ansiosamente os próximos posts. Quem bom que desde o começo, vejo pessoas fazendo uso da auto-suspeita para evitarem pensamentos tendenciosos ou divisivos neste movimento do novo calvinismo/ressurgência/novos reformados. Que Deus continue a ter misericórdia de nós e nos ajude a honrá-ló e glorificá-lo dentro das nossas limitações. Abraços!
Tudo bem irmãos... acho melhor não comentar mais nesse blog.
ResponderExcluirMuito pertinente esse seu primeiro ponto.
ResponderExcluirConsidero complicadíssimo a diferenciação entre o que é mero gosto teológico, fraqueza de fé e heresia.
Segregar o fraco na fé estarei pecando (romanos 14). Segregar por causa de mero gosto é arrogância pura. Mas aceitar o herege é um erro da maior gravidade.
Considero a questão do continuísmo/cessacionismo algo que está entre a fronteira do mero gosto a fraqueza de fé (percebam que eu não disse qual lado é o fraco). Mas segregar o lado descordante como se fosse um dos maiores hereges é um erro sem tamanho.
Mesmo uma segregação menor Como manda-los para os pentecostais é tão errado quanto. Pq pelo o que eu me lembre, mesmo fazendo parte da CFW, o cessacionismo não faz parte dos 5 pontos. (alem de insinuar que os irmãos pentecostais são irmãos "menores").
E por ultimo. Reduzir o "new" calvinismo para "new"= continuísmo é demonstrar que não conhece em nada o "movimento". Ou uma grande recalca com o continuísmo.
Leiam reformissão do mark driscoll. Uma das ultimas coisas que ele fala é sobre dons.
Que post relevante!
ResponderExcluirEstou querendo saber do resto (posta logo!!!)
A discussão só está começando.
Parabéns!
Abraços sempre afetuosos.
Sempre acreditei que podemos expressar nossa fé em linguagem e estética contemporâneas. Encontraremos um ponto de equilíbrio aplicando o bom e antigo princípio: no essencial, unidade; no não essencial, diversidade; em tudo, caridade. Penso que estamos no caminho certo e que suas ponderações contribuem para que nele continuemos.
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