24 de março de 2011

5 ídolos que ameaçam os novos calvinistas [2]

Neste post vão os pontos 2 e 3. Provavelmente o texto será concluído na próxima postagem.
 
Joshua Harris
2. A idolatria de homens

Outro risco que cerca qualquer movimento é a possibilidade de considerar seus líderes e grandes expoentes como algo mais do que apenas isso. O mecanismo segue mais ou menos assim:
(1) Algumas pessoas, dotadas de maior capacidade de liderar, despontam como formadores de opinião no contexto do movimento;
(2) As qualidades de liderança e percepção da corrente que vai definindo sua identidade, dentre outros aspectos positivos (como talvez a erudição ou o carisma) atraem admiração e respeito para com o(s) líder(es);
(3) O respeito e admiração ganham contornos maiores, e o líder começa a ser considerado um modelo a ser copiado, bem como o padrão do movimento (o que é ou não "do movimento" é medido em termos de sua semelhança com a abordagem do líder);
(4) As opiniões e práticas do líder são consagradas pelo movimento, de modo que a identidade da corrente vagueia entre o campo conceitual definido anteriormente (em doutrinas, reflexões, etc.), e a prática do líder (tudo o que ele faz é considerado "a cara" do movimento);
(5) Pouco a pouco, o líder e sua palavra têm mais credibilidade do que a Palavra de Deus. Isso é percebido quando todas as outras interpretações possíveis do texto bíblico são descartadas a priori, simplesmente por oferecerem uma alternativa à perspectiva do líder (isso demonstra que o interesse não é tanto em compreender o texto, mas em seguir a pessoa).

C. J. Mahaney
Este não é o único caminho da idolatria de homens, mas é um bastante comum, e que pode ser percebido por nós. Nem toda idolatria de homens ganha contornos de fanatismo, do tipo de usar a camisa do líder e só falar as palavras da figura em questão, Às vezes o idólatra veste a máscara do "respeito", quando, em seu coração, entronizou o sujeito e não abre os olhos para nada mais à sua volta.

Com relação ao Novo Calvinismo, o caminho acima pode ser traçado. É preciso cautela e auto-crítica para não cair neste erro. As variantes também podem ser percebidas: alguém pode passar a se vestir como o Joshua Harris não por simplesmente gostar de roupas casuais, mas pelo desejo de imitar e pela idolatria estabelecida (quem não satisfizer as exigências do ídolo será tachado de "quadrado", herege, "engessado", etc.) - a cobrança do terno em outros arraiais, passa a ser a cobrança da calça jeans e tênis. Outro novo calvinista pode passar a admirar tão intensamente alguém como Matt Chandler, que não aceita qualquer crítica ao pregador, reagindo com fúria desproporcional às análises realizadas.

O risco de tal idolatria é que, como em outros movimentos, a queda do líder pode promover a queda dos idólatras. Uma vez que o foco não está em Jesus, mas na figura da pessoa influente, as notícias de sua vida são os fatores determinantes da fé dos seguidores. Avalie-se: qual seria a sua percepção do Novo Calvinismo e da fé cristã se homens como C. J. Mahaney se envolvessem em algum escândalo? O movimento inteiro se estabelece na vida desses indivíduos? Eles têm ocupado um lugar maior do que deveriam em sua percepção?

Quando a pergunta central dos novos calvinistas passa a ser: "o que Mark Driscoll faria?", eis a idolatria estabelecida.

O remédio, além da auto-crítica recomendada, está na centralidade de Jesus que a Escritura, o Calvinismo clássico, o Neocalvinismo e o Novo Calvinismo ensinam. Jesus em lugar de proeminência, e todos os demais líderes respeitados e honrados, mas sempre para dar glória a Deus.

3. A idolatria da cultura pop

Sem hipocrisia, eu gosto da cultura pop. Ouvir rock'n'roll, assistir seriados (sitcoms), ler revistas, e até mesmo ver a perspectiva da moda pop - às vezes bastante maluca e ousada, mas para a maioria das pessoas "comuns" (não tão preocupadas em andar nas fronteiras), roupas casuais como o velho jeans e all star funcionam perfeitamente.

Não há problema em curtir elementos de determinada expressão cultural. Com o Novo Calvinismo, grande parcela da igreja percebeu uma nova atitude de lidar com a cultura. No âmbito musical, por exemplo, o NC trouxe consigo bandas com sonoridade contemporânea e a mensagem reformada. Isso não é novidade entre os evangélicos, mas a postura por trás da prática parece bastante diferente. Para muitos cristãos que utilizavam expressões culturais contemporâneas a serviço de Deus, tratava-se da criação de uma "subcultura cristã" - uma réplica "gospel" do que está lá fora. Para que o cristão não tenha que sair do ambiente seguro da igreja e vá ouvir heavy metal não-cristão, é melhor termos uma banda cristã de metal. Não é que a cultura tem validade por si, ou que as expressões musicais são bênção de Deus e revelam o belo ao espírito humano. Nada disso é realmente refletido - a utilização da música e demais artes é puramente pragmática (produzir as réplicas e "proteger" os cristãos).
O ambiente de uma igreja Mars Hill

O Novo Calvinismo não parte de tais premissas, e por isso não precisa se aproximar das expressões culturais em busca destes famigerados "genéricos". Ele lida com o heavy metal - para acompanhar o exemplo acima - a partir da realidade de que a criatividade humana que fez nascer o "som pesado" vem de Deus, e por isso tal sonoridade tem valor intrínseco. (Vou me abster de tratar a questão se tais músicas devem ser tocadas no culto - esse não é o foco da discussão).

Não apenas a música é vista deste modo, mas o NC promoveu uma nova forma de enxergar as artes plásticas, a decoração, a moda e as artes audiovisuais (multimídia, como o cinema). Observem o ambiente da Mars Hill em cada série pregada pelo Driscoll - inclusive o figurino do pregador -, e vocês entenderão o que estou falando. O ambiente criado na igreja é devidamente trabalhado utilizando recursos que demonstram elementos da cultura pop - a mais reconhecida e valorizada pelos jovens de Seattle.

De uma mudança no modo de encarar a cultura pop para a idolatria dela, porém, há diferença. O defensor do Novo Calvinismo que se distrair um pouco pode deixar o ponto passar. Existem pelo menos outras duas expressões culturais: a cultura popular, e a alta cultura (o conceito é questionado por alguns, mas também não pretendo me perder nessa discussão). A cultura pop é a de consumo imediato, que aparece e some com a mesma rapidez - talvez como uma música do cantor da moda, que amanhã já foi esquecid@ (o cantor e a música). A cultura popular é aquela que ainda preserva popularidade e grande aceitação, embora se preocupe em integrar elementos mais densos à sua expressão, e por isso o seu consumo é mais duradouro - no contexto brasileiro, talvez a bossa nova nas canções de Tom Jobim ilustre o ponto (elas duram mais, embora não se pretendam "canções eruditas"). A alta cultura é aquela de menor aceitação, por envolver elementos de maior complexidade. Uma revista 'Cláudia' tem mais leitores do que a obra de Shakespeare. A música de Ivete Sangalo é de mais fácil compreensão do que a obra de Vila-Lobos. Pela maior profundidade de análise, rigor na produção e complexidade, as expressões da alta cultura tendem a demorar mais tempo que as anteriores. Uma mesma música pode ser ouvida várias vezes, e sempre revelar novas surpresas - de elementos ainda não percebidos, e sentidos ocultos na composição.
Mark Driscoll antes de ser cool

Não percamos o ponto: o apelo estético do Novo Calvinismo, como nos tem sido apresentado aqui, é bastante sedutor. Boa iluminação e fotografia, com boa música contemporânea, um pastor descolado falando linguajar pop, e o cenário está montado. O novo calvinista é bastante cool. Mas isso é tudo?

O risco corrido por muitos novos calvinistas, é o de identificar o NC como expressão da cultura pop, por ela ter maior aceitação das pessoas. Dessa forma, qualquer manifestação reformada e missional no contexto da cultura popular, ou - pior ainda - no âmbito da alta cultura, seria considerado algo externo ao movimento. Se esta fusão for realizada (NC e cultura pop), estaremos afirmando que ser missional só é válido em determinado contexto, para determinado grupo de pessoas, e isto - tenho certeza - é o fim da perspectiva missional.

Contra esta idolatria, recomendo a leitura do próprio Driscoll no Reformissão. Ali ele identifica as três expressões culturais mencionadas aqui (pop, popular e alta), e indica que igrejas em determinados contextos trabalham de diferentes maneiras. O NC não é a cultura pop. Ser um calvinista [novo, neo, clássico, ou o raio!] é mais do que usar jeans e all star. Alguém pode cantar hinos e ser contextualizado. Alguém pode usar um vocabulário mais rebuscado e ser missional. Alguém pode rejeitar a idéia de ser cool, e ser um reformado comprometido com a cultura.

Se abrirmos os olhos desde já para tais distinções, melhor será a caminhada.

7 comentários:

  1. Se a mensagem está sendo dada com fidelidade o resto é casca e cinzas!

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  2. Allen,
    Amado irmão em Cristo,
    li seus posts sobre os "ídolos" dos NC, contudo devo dizer que ao tratar deste tema, a saber, Novos Calvinistas e seus ídolos esperava que a abordagem da teminologia NOVO seria quanto à teologia e não à postura, pois posicionamento de esse ou aquele líder apenas por pertencer a uma denominação e/ou linha de pensmaento não torna obrigatoriamente uma postura nova neste pensamento. Creio que os posts são bastantes proveitosos e abordam problemas que afligem mesmo não apenas os Calvinistas - sejam eles Old ou New School - e precisam ser alertados, gostaria, contudo que se não fosse pedir demais você me fornecesse a fonte que utilizou pra essas terminologias de NC e AC.


    Em Cristo Jesus!

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  3. Olá THEBOOKJR (Se puder se identificar na próxima, agradecemos),

    Acho que entendo o que você quer falar. Você esperava críticas ao sistema teológico do Novo Calvinismo ou algo do tipo. Mas o Novo Calvinismo é, talvez, o velho calvinismo com mudanças de ênfases, e assim não tenho grandes críticas ao sistema que creio ser o modo de pensar mais bíblico e apropriado.

    Por outro lado, eu não faço distinção entre a crítica da postura e a crítica da teologia, porque cada postura e prática possui uma racionalização teológica (ou religiosa) subjacente. Por isso utilizo o termo "idolatria" - ele descreve uma convicção (teologia) e uma postura.

    As fontes para o que tenho escrito estão, basicamente, nos posts da Igreja Mars Hill sobre o New Calvinism, nos artigos de Collin Hansen sobre o mesmo fenômeno, e no livro "O futuro do Calvinismo", do Rev. Leandro de Lima, publicado pela ed. Cultura Cristã.

    Um abraço, e boas leituras!

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  4. Allen,

    Artigo excelente este seu! Gostaria de reproduzir abaixo o último parágrafo:

    "O NC não é a cultura pop. Ser um calvinista [novo, neo, clássico, ou o raio!] é mais do que usar jeans e all star. Alguém pode cantar hinos e ser contextualizado. Alguém pode usar um vocabulário mais rebuscado e ser missional. Alguém pode rejeitar a idéia de ser cool, e ser um reformado comprometido com a cultura."

    Conforme eu afirmei em meu blog, o perigo é ao se criar estereótipos. E pior ainda quando esses estereótipos podem estar sendo "impostos" ou induzidos pelo próprio movimento. E daí a se confundir o próprio movimento com os seus propaladores, vinculando-o ainda com o "retrato" estético é fácil, fácil...

    Ricardo.

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  5. O meu problema com esse pessoal é que eles tem idéias retrógradas demais para serem chamados de neos. Só por que tem o casco remasterizado, usa bermudas do tipo cool? Esse Mahaney quando Karol Wojyila morreu disse que o prelado tinha ido para o inferno. Demonstrando atitude ecumenófoba, impiedosa, do genero fundamentalista que escandalizaria o evangélico Henry. O Discroll é um empedernido chauvinista, defensor do silêncio absoluto da mulheres no culto, que choca com a posição da IPB, p. ex. que é conservadora, não nesse extremo. Por outro lado, questionam a expiação limitada, a dupla predestinação e querem se perfilar com a velha escola doutrinária. Querem ser mais chauvinistas com os calvinistas, só que bem menos calvinistas e bem mais chauvinistas... Estão longe da new school tanto que ela no início do Séc. XIX queria a fusão entre presbiterianos e congregacionais para formarem um corpo reformado único, de origem calvinista. Hoje, cada um desses caras tem movimentos separados e corpos eclesiásticos distintos, separados. Será que eles sabem o que querem? Será que esse pessoal que segue esses neos sabem para onde estão indo?

    Por outro lado, há muita coisa de boa, importante até, que ele resgatam que deveria ser praticada em nossas igrejas locais, como a accontability, a prestação de contas, dos membros envolvidos com esse movimento. Parece que eles querem resgatar o papel de um igreja que encarna o ideal de discipulado e co-discipulado, algo tão "novo" quanto o que defendia os da "seita do Caminho" no século I D.C...

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  6. Anamim,

    Obrigado por ser mais comedido em sua análise (embora nem tanto).

    Eles não são chamados de "neos", mas de "novos". Não confunda o neocalvinismo com o novo calvinismo. Aquele é de tradição holandesa, seguindo o Kuyper, com ênfase mais abrangente sobre o impacto na cultura, a cosmovisão cristã e o senhorio de Cristo sobre todas as áreas da vida. Este é mais um projeto eclesiológico para lidar com o contexto da pós-modernidade.

    Você parece pressupor que eles se denominaram "novos calvinistas", e saem por aí se gabando da novidade. Não é bem assim. O termo foi dado pela revista Time, e eles apenas aceitaram a pecha. Não afirmam que fazem coisas absolutamente novas, como você pretende demonstrar. Pelo contrário, são bons em reconhecer a tradição sobre a qual estão firmados. Os líderes do NC nos Estados Unidos lidam muito bem com a história da igreja, e dialogam com Agostinho, Calvino, Spurgeon, etc., ou seja - não se afirmam isolados e inventores da roda.

    De todo modo, obrigado pelas críticas, e por reconhecer elementos positivos.

    Um abraço.

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  7. Allen,

    O caso de Mark Driscoll é especial. Toda a sua "coolness" tem uma origem distinta daquela da maioria dos neo-calvinistas que porventura leiam esse comentário. Essa foto engravatada de Mark Driscoll é do tempo em que ele servia "A Religião". Parte da metanóia (no sentido mesmo de penitência) decorrente de se tornar cristão -- e portanto, abandonar "A Religião" -- é passar a ser descolado e malemolente. :B

    Abraço

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