20 de fevereiro de 2012

O que acontece com crianças que morrem na infância?

O destino eterno dos que morrem na infância suscita debate sempre que a questão é levantada. Porém, as diferenças de opinião não são assim tão grandes. Deixando de lado os pelagianos, os demais cristãos diferem mais em nuanças. Alguns dizem que todos os que morrem na infância serão salvos. O restante diz que não podemos ter certeza de que todos os infantes que morrem na infância serão salvos. Quase ninguém, se é que há alguém, defende com certeza que alguns bebês serão condenados se falecerem nessa idade. E diante da escassez da dados bíblicos sobre o tema, não é prudente causarmos divisão por causa disso. O que não impede de assumirmos uma posição e defende-la. 

A discussão começa com o estado das crianças. Os pelagianos negavam o pecado original, logo, todas as crianças nascem puras e se morrem na infância vão para o céu. Para os arminianos todas as crianças, ainda que herdem o pecado original, nascem em estado de graça e se morrerem vão para o céu, mas perderão esse estado na idade de discrição. Os romanistas (e os luteranos e anglicanos, com modificações) creem que todas as crianças nascem condenadas, permanecendo assim até o batismo. Se morrem batizadas, vão para o céu. Se não forem batizadas, não vão. Os reformados creem que todas as crianças nascem contaminadas pelo pecado, e se forem eleitas, são regeneradas e salvas. Mas se dividem em dois grupos. Um deles, acho que a maioria, acredita que não há diferença entre filhos de pais crentes e descrentes, e outro que os filhos de pais crentes gozam de uma posição privilegiada. Esta última é a minha posição e será fra(n)camente defendida neste artigo.

Minha posição pode ser expressa em três afirmações, feitas e explicadas, sem pretensão de serem absolutas. 

1. As crianças que morrem na infância, se forem eleitas, serão salvas. Esta minha convicção decorre da relação que a Bíblia estabelece entre eleição e salvação. O decreto da eleição é de tal forma infalível que nenhum eleito jamais irá perecer, mas será levado inevitavelmente à salvação em Cristo. E ninguém que venha a se salvar está fora do grupo dos eleitos. Por isso, todos os bebês que morrem e são salvos haviam sido eleitos na eternidade. 

2. Não sei se todas as crianças que morrem na infância são eleitas. Creio que há um silêncio escriturístico a respeito dessa questão, sendo que as posições assumidas geralmente partem de inferências feitas de textos indiretos. O máximo que chego neste ponto é ter esperança de que todos os infantes que morrem sejam salvos. Mas não tenho base bíblica para fazer afirmações categóricas. 

3. Os filhos de pais crentes serão salvos, se forem chamados pelo Senhor antes de uma decisão pessoal. E este ponto pede uma fundamentação um pouco melhor, pois creio que temos elementos bíblicos para isso. Quando Deus estabeleceu sua aliança com Abraão, incluiu seus filhos nela. “Estabelecerei a minha aliança como aliança eterna entre mim e você e os seus futuros descendentes, para ser o seu Deus e o Deus dos seus descendentes” (Gn 17:7). E complementa com a promessa, referindo-se aos seus filhos, “e serei o Deus deles” (Gn 17:8). No Novo Testamento temos a promessa “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos, você e os de sua casa” (At 16:31). Por isso, os filhos dos crentes são chamados de “descendência santa” (Ed 9:2), “semente consagrada” (Ml 2:15), “semente santa” (Is 6:13), “povo abençoado” (Is 61:9; 65:23) e “santos” (1Co 7:14). 

Não é o caso de se dizer, nem que os filhos de crentes não precisam ser regenerados, ou que são automaticamente salvos. O meio ordinário de Deus salvar é a pregação do evangelho. No caso de Abraão, lemos de Deus considerando “Pois eu o escolhi, para que ordene aos seus filhos e aos seus descendentes que se conservem no caminho do Senhor, fazendo o que é justo e direito, para que o Senhor faça vir a Abraão o que lhe havia prometido" (Gn 18:19). A promessa realiza-se pela pregação do evangelho. Daí a ordem “Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (Dt 6:6-7). O mesmo padrão se observa na casa do Centurião, de onde lemos “E pregaram a palavra de Deus, a ele e a todos os de sua casa” (At 16:32).

Porém, havendo a promessa e faltando a oportunidade de se pregar para que os filhos creiam, nada deve levar a pensarmos que os pequeninos filhos de crentes não sejam salvos se morrerem. E isso se dá pela regeneração, pois a eles se aplica igualmente as palavras de Davi: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Alguém talvez pergunte, como pode ser regenerado sem fé? Para o arminiano talvez essa seja uma pergunta embaraçosa. Mas para o calvinista, que crê que a regeneração precede a fé, não há dificuldade alguma em que uma criança seja regenerada sem crer.

Concluindo, reafirmo que creio que somente os eleitos que morrem na infância serão salvos, que não sei se todos os infantes que morrem são eleitos mas, que tenho convicção de que todos os bebês filhos de crentes que morrem são eleitos, portanto, salvos.

Soli Deo Gloria

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

6 comentários:

  1. Clóvis, tenho uma posição bem próxima à sua. Mas acho que, neste caso, minha ênfase no "não sei" é maior. rs
    Abraço, confrade.
    NEle,
    Roberto

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  2. Mas minha ignorância é sempre enfática, rsrs.

    Ainda no Sul? Talvez eu vá a trabalho nos próximos meses. Quem sabe podemos bater um papo cara a cara?

    Em Cristo,

    Clóvis

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  3. rsrsrs
    Sim, ainda no Sul. Se vier para a região, venha com tempo para um passeio com direito a um jantar e estadia na faixa. Temos um quarto de hóspedes e será muito bem vindo.
    No amor do Eterno,
    Roberto

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  4. Clóvis,

    Eu também defendo uma posição senão idêntica, muito semelhante à sua, razão pela qual gostei muito do texto. Há quanto tempo rapaz! É claro que a ausência é minha, tanto no meu blog como nos blogs. À espera de inspiração e vontade...

    Grande abraço meu amigo.

    Ricardo.

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  5. Olá, Clóvis, a paz!

    Gostaria de fazer algumas correções e confundir um pouco mais o assunto.

    Para os arminianos todas as crianças, ainda que herdem o pecado original, nascem em estado de graça...

    Na verdade, esta é a crença dos arminianos wesleyanos, não dos arminianos em geral. Eu mesmo não creio nisso.

    Alguém talvez pergunte, como pode ser regenerado sem fé? Para o arminiano talvez essa seja uma pergunta embaraçosa. Mas para o calvinista, que crê que a regeneração precede a fé, não há dificuldade alguma em que uma criança seja regenerada sem crer.

    Não vejo como poderia ser uma "pergunta embaraçosa" aos arminianos. A precedência lógica entre fé e regeneração não importa para a questão da salvação das crianças. Elas são regeneradas sem crer. Qual o problema? Seria um problema embaraçoso aos arminianos (e aos calvinistas!) se eles sustentassem que a regeneração sempre vem acompanhada da fé.

    Vamos agora para a sua terceira afirmação:

    Os filhos de pais crentes serão salvos, se forem chamados pelo Senhor antes de uma decisão pessoal. E este ponto pede uma fundamentação um pouco melhor, pois creio que temos elementos bíblicos para isso.

    Não creio que os "elementos bíblicos" apresentados dizem respeito ao tema em discussão. Quem sabe, apenas um.

    Quando Deus estabeleceu sua aliança com Abraão, incluiu seus filhos nela. “Estabelecerei a minha aliança como aliança eterna entre mim e você e os seus futuros descendentes, para ser o seu Deus e o Deus dos seus descendentes” (Gn 17:7). E complementa com a promessa, referindo-se aos seus filhos, “e serei o Deus deles” (Gn 17:8).

    Há duas opiniões a respeito dessa aliança. Ela diz respeito aos filhos naturais de Abraão ou aos filhos espirituais (os crentes). Seja qual for, não há nenhuma garantia de que as crianças de pais crentes que morrem na infância serão salvas.

    No Novo Testamento temos a promessa “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos, você e os de sua casa” (At 16:31).

    Obviamente isso não significa que a fé de um membro da família garante a salvação dos demais membros. O "creia" vale tanto ao carcereiro quanto aos outros membros de sua família. Se ele (e os de sua casa) crer, ele e os de sua casa serão salvos.

    Por isso, os filhos dos crentes são chamados de “descendência santa” (Ed 9:2), “semente consagrada” (Ml 2:15), “semente santa” (Is 6:13), “povo abençoado” (Is 61:9; 65:23) e “santos” (1Co 7:14).

    Vou me concentrar em 1Co 7.14, que é o único que tem alguma relevância ao assunto.

    A questão aí é que a mulher crente santifica o marido descrente e, dessa união (imprópria mas permitida), os filhos do casal são considerados santos. Este versículo é o mais próximo de onde você está querendo chegar. No entanto, não sei se ele indica que crianças de pais nessas condições serão salvas se morrerem na infância, mas do que indica que maridos descrentes "santificados", se morrerem nesse estado, serão salvos. O ponto aí parece ser que filhos de um casamento misto são legítimos e podem ser aceitos como membros da aliança. Alguém poderia deduzir que, se os filhos são aceitos como membros da aliança, então, se morrerem na infância, eles serão salvos, da mesma forma que alguns deduzem que, se são membros, então eles devem ser batizados. Não creio que há fundamento para as duas posições. Além do mais, salvação não é uma questão de hereditariedade.

    Em suma, eu creio que há pouco esclarecimento nas Escrituras sobre o assunto. Podemos tirar algumas conclusões levando em consideração outras questões, como a doutrina da eleição, a obra de Cristo, os pecados pessoais, etc., e, ainda assim, não dá para bater o martelo.

    Finalmente, tenho esperança de que todas as crianças que morrem na infância são salvas, não porque são inocentes, mas porque Cristo morreu em seu favor.

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  6. Clóvis, há uma pequena imprecisão na maneira como você expôs a posição católica a respeito do destino eterno das crianças que não receberam o Batismo. Ainda que, em um contexto católico, o limbo seja admitido como uma hipótese teológica possível de ser defendida em privado (não sendo, portanto parte da Doutrina da Igreja), o ensino católico (a instrução do Magistério da Igreja, por isso mesmo devidamente denominado "católico") é de que são confiadas à misericórdia de Deus, junto a um sonoro "não sei".

    Um abraço.

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