A controvérsia tem início com Pedro Pelágio, nascido na Irlanda em 354, que afirmava que somos capazes de obedecer. Sua posição foi uma reação a uma oração de Agostinho, que dizia "concedes o que ordenaste". Para ele, se Deus dá o que exige de nós, qual o mérito da obediência? Para Pelágio, a natureza humana é inalteravelmente boa e todos os homens são criados como Adão antes da queda, portanto nós somos capazes de evitar o mal e pode haver homens sem pecado. Como não herdamos a natureza pecaminosa, a graça pode até ajudar a fazer o bem, porém não é necessária para alcançar a bondade. Enfim, a graça não acrescenta nada à natureza humana, pelo contrário, é obtida por mérito.
Aurélio Agostinho, também nascido em 354 no Norte da África, opôs-se ferozmente às idéias de Pelágio, afirmando que somos incapazes de obedecer. Enquanto o monge irlandês negava as conseqüências da queda, Agostinho as enfatizava. Para ele, o homem fez mau uso de seu livre-arbítrio e destruiu a si mesmo e a sua descendência. Pela queda, o homem perdeu a liberdade, teve sua mente obscurecida, perdeu a graça que o assistia para o bem, adquiriu uma tendência para o pecado, tornou-se fisicamente mortal e passou a ter culpa hereditária. Dessa forma, o único jeito do homem ser recuperado desse estado de completa ruína é pela graça de Deus. Para Agostinho, essa graça era livre, visto que não é merecida nem conquistada, indispensável pois é a condição sine qua non da salvação, preveniente pois deve vir antes do pecador se recuperar, irresistível porque cumpre o propósito de Deus em dá-la e infalível porque a liberação da graça é sem falha.
Com a condenação dos ensinos de Pelágio no concílio Geral de Cartago, em 418, a controvérsia chegaria ao fim, não fosse os semi-pelagianos, liderados por João Cassiano, terem continuado a oposição a Agostinho, agora afirmando que somos capazes de cooperar. Cassiano insistia que embora a graça fosse necessária à salvação é o homem, e não Deus, que deve desejar o bem. Assim, a graça é dada a fim de que aquele que começou a desejar seja assistido e não para dar o poder de desejar. Para ele, o início das boas ações, bons pensamentos e fé, entendidos como preparação para a graça, é do homem. Portanto, a graça é necessária para a salvação final, mas não para dar a partida.
No alvorecer da Reforma, Martinho Lutero, nascido em 1483 na Alemanha, revive o agostianismo, afirmando que somos cativos do pecado. Seu livro "De servo arbitrio" é uma resposta a Erasmo de Roterdã, pensador católico romano que definiu o livre-arbítrio como "um poder da vontade humana pelo qual um homem pode se dedicar às coisas que o conduzem à salvação eterna, ou afastar-se das mesmas". Lutero nota que a definição de Erasmo não requer a graça para o homem se voltar para o bem ou para Deus. Em oposição a essa definição, afirma que o livre-arbítrio sem a graça de Deus não é livre de forma nenhuma, mas é prisioneiro permanente e escravo do mal, uma vez que não pode tornar-se em bem. Para Lutero, o livre-arbítrio do homem serve apenas para levá-lo à prática do mal e para a salvação sua dependência da graça é absoluta.
Talvez o nome mais relacionado à controvérsia sobre predestinação e livre-arbítrio seja o de João Calvino, nascido em 1509 na França. Sua ênfase sobre o tema pode ser resumida na expressão somos escravos voluntários. Para ele, quando a vontade humana está acorrentada ao pecado, ela não pode fazer sequer um movimento em direção à bondade, quanto menos persegui-la com firmeza. Calvino sempre procurou preservar a glória divina, por isso, no que concerne ao assunto, afirmou que o homem não pode apropriar-se de nada, por mais insignificante que seja, sem roubar de Deus a honra. Quanto ao homem, afirma que tendo sido corrompido pela queda peca não por propulsão violenta ou força externa, mas pelo movimento de sua própria paixão; e ainda, é tal a depravação de sua natureza que ele não pode mover-se e agir a não ser em direção ao mal. Calvino enfatiza a total dependência do homem da graça dizendo que é obra do Senhor renovar o coração, transformando-o de pedra em carne, dar a tanto a boa vontade como o resultado dela e colocar o temor ao Seu nome em nosso coração para que não retrocedamos.
Tiago Armínio, nascido em 1560 na Holanda, ensinava que somos livres para crer. Embora a controvérsia sobre arminianismo e calvinismo tenham colocado Armínio e Calvino em lados opostos, a verdade é que eles tem muito mais pontos em comum que divergentes. O ponto de afastamento é que Armínio considera que a graça pode ser resistida. Para ele, a graça é uma condição necessária para a salvação, mas não uma condição suficiente. Ou seja, sem a graça o homem é incapaz de aceitar a salvação, mas com a graça ele ainda é capaz de rejeitá-la.
Um ano após a morte de Armínio, seus seguidores, chamados Remonstrantes, apresentaram um protesto composto de cinco pontos, nos quais afirmavam que Deus elege ou reprova com base na fé ou incredulidade previstas, Cristo morreu por todos e cada um dos homens, embora só os crentes sejam salvos, o homem é tão depravado que a graça é necessária para a fé ou para a boa obra, mas essa graça é resistível e se o regenerado vai certamente perseverar requer maior investigação. Esses pontos foram respondidos no Sínodo de Dort, originando os chamados "Cinco Pontos do Calvinismo".
Em 1821, o advogado americano Charles Gladison Finney, nascido em 1792, converte-se ao cristianismo. Ele afirmava que não somos depravados por natureza. Para ele, se a natureza é pecaminosa, de tal forma que a ação é necessariamente pecaminosa, então o pecado em ação deve ser uma calamidade, e não pode ser crime, uma vez que a vontade do homem nada tem a ver com ele. Quanto a regeneração, ele a torna dependente da escolha humana, dizendo que nem Deus, nem qualquer outro ser, pode regenerá-lo se sua vontade não mudar de direção. Se ele não mudar a sua escolha, é impossível que ela possa ser mudada. Afinal, para Finney, a regeneração é mera mudança de escolha e de intenção. Ele negava que a regeneração envolvesse mudança na constituição da natureza humana. Em suma, o homem opera a sua própria regeneração.
Os cristãos modernos alinham-se a uma ou mais dessas ênfases. A igreja romana nunca deixou de afagar seu semi-pelagianismo latente. O arminianismo moderno é essencialmente remonstrante, de uma forma que até Armínio reprovaria. Os calvinistas atuais mantém as posições de Agostinho, Lutero e Calvino, conforme expressas nos Cânones de Dort. Infelizmente, Elvis pode ter morrido, mas Pelágio e Finney continuam vivos entre evangélicos.
PS.: Devo muito a R. C. Sproul na preparação desse resumo histórico.
Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.
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