29 de dezembro de 2010

Um só Deus, um só corpo

Publicado originalmente no blog Reforma e Carisma.

Portanto, lembrai-vos de que, outrora, vós, gentios na carne, chamados incircuncisão por aqueles que se intitulam circuncisos, na carne, por mãos humanas, naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo.

Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos {ambos: judeus e gentios} fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade.

E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto;
porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito. (Efésios 2:11-22)
Aprendemos na escola que o ser humano é um ser social e nascido para viver em coletividade. Faz parte da educação do século XXI aprender a ceder os desejos individuais em nome do bem-estar de outros. Mais do que isso: ganha força a ideia de que não devemos pensar apenas nos interesses de nossa "tribo" ou nação, mas sim que devemos buscar o bem-estar de todos, já que dividimos o mesmo mundo.

Contudo, nada parece mais difícil do que promover a união dos diferentes. Vejamos o mais básico dos relacionamentos: o casamento. Já achamos um milagre quando encontramos duas pessoas que conviveram a vida toda com amor, respeito e fidelidade. Se unir de forma duradoura duas pessoas já é algo extraordinário, imagine o que é fazer com que diferentes grupos, etnias ou nações vivam em paz, em torno de um objetivo comum, em uma paz permanente!

Qual é, então, o caminho da unidade?

As respostas erradas
A resposta pós-moderna a esse dilema é a tolerância e o respeito ao diferente. O pluralismo é o caminho pelo qual todas as diferenças podem ser resolvidas. A teoria é bela, mas não é o que mostra a prática. Nem todos os pontos de vista são aceitos, como mostra as críticas feitas ao pastor Augustus Nicodemus por reproduzir o posicionamento da Igreja Presbiteriana do Brasil, contra a aprovação do PL 122. A tolerância de uma Holanda (quer tolerância maior?) não a tornou livre da ameaça de atentados terroristas, mesmo tendo acolhido 27 mil refugiados somalis. Nem mesmo uma fila de pessoas em busca de comida consegue escapar da violência, como mostra um atentado suicida no Paquistão. O relativismo, o pluralismo e até mesmo a solidariedade não conseguem por fim às divisões.

Uma outra resposta é a separação. Nós aqui, eles ali. Essa é a postura que marca muitos dos conflitos com imigrantes e chega a ser endossada por religiosos. Lamentavelmente, essa também é a marca de vários cristãos e é visível nas igrejas que se concentram apenas em um determinado grupo étnico, classe econômica ou faixa etária. Já que é difícil agradar a todos, vamos nos dividir em grupos homogêneos, onde será mais fácil obter a união. Mas é impossível dividir o mundo em ilhas que não se comunicam. Fatalmente os interesses dos grupos irão colidir...e aí, você já viu o final do filme.

O grande defeito dessas soluções é que elas ignoram a verdadeira raiz da desunião entre os homens. Por esta razão, a "paz" que elas promovem é apenas temporária, frágil e superficial.
Sem Cristo, quanto tempo dura essa paz?

Um novo homem
E qual é essa raiz? A inimizade que existe dentro do coração humano. Ela é a parede que, efetivamente, nos mantém separados uns dos outros.

Veja o que acontecia entre os judeus e os não-judeus (gentios) na época de Jesus. Os judeus se sentiam superiores aos gentios porque eles eram descendentes de Abraão, haviam recebido a Lei de Moisés e eram herdeiros das promessas de Deus. Na cabeça de muitos, Deus era como se fosse uma propriedade de Israel. A arrogância era tão grande que eles nem comiam com os gentios, pelo medo de se tornarem impuros caso se associassem a eles. Amavam a separação.

Já os gentios odiavam os judeus, não só por suas atitudes, mas também porque eles não participavam das festividades pagãs típicas do Império Romano. Eles não entendiam e nem respeitavam a fé judaica. Para eles, era fácil ser tolerante com todos...menos com os judeus.

No fundo, o problema que os dividia é algo que faz parte da natureza humana. O testemunho bíblico é o de que a inimizade e suas irmãs são obras próprias à nossa carne:
Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam. (Gálatas 5:19-21)
A grande questão é que esses pecados estão presentes tanto no coração de judeus como de gentios. Por esta razão, os judeus não podiam pensar que eram superiores, tanto eles como os demais, todos são condenáveis diante de Deus. Apenas Jesus Cristo pode destruir esse pecado.

E isso Jesus fez na sua carne, quando morreu na cruz, sofrendo no lugar dos pecados de judeus e gentios. Quando os homens se identificam com Cristo, unem-se a Ele na sua morte (morrem para uma velha vida) e na sua ressurreição (ressuscitando para uma nova). Por isso, um pouco antes, a Bíblia diz:
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, -pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. (Efésios 2:4-7)
Em Cristo, judeus e gentios podem viver em paz...porque eles podem morrer para a inimizade e ressuscitar para a unidade. Ambos ressuscitam e se tornam novos homens, já libertos do domínio da inimizade.

Um só corpo
E aí, quando isso acontece, algo extraordinário acontece. Uma vez que antigos inimigos se voltam para Jesus e ressuscitam, o passado fica para trás. Não importa mais se estamos falando de judeus ou gentios, de ricos ou pobres, de Montecchios ou Capuletos ou de gremistas e colorados, em Cristo, essas distinções acabam:
Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. (Gálatas 3:28)
Deus não criou duas igrejas separadas: uma para judeus e outra para não-judeus. Ele não veio ao mundo para que cada um viva em paz no seu gueto. Não: Jesus quer que todos vivam em um único corpo. Se antes estávamos distantes de Deus e ignorávamos as bênçãos de sermos seus filhos...isso não importa mais! Se já conhecíamos isso tudo...também não importa...porque somos tão pecadores quanto os demais e eles hoje têm os mesmos privilégios!

Jesus aboliu a Lei na forma de mandamentos e ordenanças, acabou com o parâmetro pelo qual os judeus se mediam para se sentirem superiores aos demais. Nele, em Cristo, o jovem não pode rir do velho nem o velho do jovem: ambos são herdeiros das mesmas promessas. O rico não pode humilhar o pobre, e nem o pobre deve se sentir melhor que o rico: em Jesus, ambos possuem o mesmo acesso a Deus.

Por esta razão, não devemos buscar uma igreja para os judeus e outra para os gentios, uma para jovens e outra para as "famílias", uma para os ricos e outra para os pobres. Todos somos iguais, não somos melhores ou piores do que os nossos irmãos. Jesus veio para nos reconciliar e nos conduzir à paz.

O fundamento da unidade
No entanto, há um questionamento no ar. As diferenças continuam existindo, não? De modo prático, como Jesus pode garantir a realidade dessa união de judeus e não-judeus?

Em primeiro lugar, a pedra angular em cima da qual se assenta o projeto da igreja é o próprio Jesus. Ele é a base em torno da qual diferentes grupos se unem para formar o povo de Deus. Isso significa que, em última análise, o sucesso do processo de reconciliação é garantido, porque depende de Cristo. Ele mesmo chama pessoas diferentes e trabalha em seus corações, fazendo com que elas se unam em torno d'Ele.

E o instrumento principal que será usado por Jesus neste processo é o "fundamento dos apóstolos e dos profetas". Há quem entenda que essa expressão se refere aos apóstolos e profetas em si. Embora o trabalho desses homens de Deus tenha servido para consolidar a Igreja, a grande marca que fica de seus ministérios é exatamente a Bíblia. Por isso, eu prefiro identificar a Palavra de Deus como sendo o fundamento, já que ela foi escrita pelo Espírito Santo usando os apóstolos e os profetas. 

É por meio das Escrituras que o Cristo dá a todos os mesmos valores e a mesma fé, é por meio delas que Deus une pessoas de culturas diferentes em um mesmo povo. Mais do que isso, a Palavra também é o meio pelo qual as distorções são corrigidas. Jesus usa a Bíblia para repreender os que estão errados, levar os seus irmãos a ser perdoarem mutuamente e a se arrependerem de suas más ações. Até mesmo ações sociais, que diminuem a pobreza, podem ser feitas tendo como inspiração o fundamento apostólico e profético.

A unidade, portanto, nunca deve ser feita em cima de heresias ou de concessões em relação à verdade. Ao contrário, a Bíblia e Cristo Jesus são as únicas bases que podem garantir uma Igreja unida e pacificada. Unir-se negociando a correta interpretação da Palavra é apenas construir uma unidade falsa fora do fundamento escolhido por Deus.

E o resto da sociedade?
Todavia, sabemos que nem todos aceitarão unir-se em torno de Jesus e de Sua Palavra. Mesmo assim, os cristãos devem ter fé de que por meio das orações, da pregação e da vivência dos ensinos cristãos, várias guerras e conflitos (pessoais inclusive) podem ser encerrados. Em nossa "diplomacia", quer estatal, quer pessoal, temos duas bússolas apontando na direção dos valores e estratégias que podem promover a paz, ainda que ela não seja duradoura.

As oposições a este projeto sempre existirão, inclusive dentro da Igreja. Nesses casos, o dever dos cristãos é o de permanecerem alicerçados na pedra angular e no fundamento apostólico-profético, lembrando sempre que um dia Jesus voltará e porá fim às rupturas e desuniões que tanto afligem a humanidade.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

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