8 de dezembro de 2010

O que devemos guardar da Lei?

Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. (Mateus 5:12)

Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas. (Mateus 7:12)

Entretanto, os fariseus, sabendo que ele fizera calar os saduceus, reuniram-se em conselho. E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou:

Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?

Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. (Mateus 22:34-40)
Muitas vezes nós achamos que sabemos muito sobre a Bíblia...até o momento em que somos confrontados com algumas perguntas. Qual o maior problema enfrentado pelos apóstolos dentro das igrejas cristãs do século I? Seria a imoralidade sexual? O problema da idolatria? Talvez o desânimo dos fiéis com um Estado hostil e perseguidor da igreja? Nada disso. O grande problema é um assunto pouco estudado nas igrejas do século XXI: qual o lugar da Lei após a vinda do Novo Testamento?

Puxa, mas qual a relevância de se discutir isso em pleno século XXI? Maior do que parece. Há igrejas que dizem que a Lei não tem mais relevância alguma para nós. Porém, muitas dessas mesmas igrejas parecem estar voltando ao Antigo Testamento, celebrando festas judaicas e resgatando práticas cúlticas anteriores a Cristo, com o uso do shofar. Não há concordância também sobre como deve ser o dia-a-dia de uma igreja formada por cristãos de ascendência judaica...ou seriam judeus conversos ao cristianismo? A dúvida já mostra a tensão. E há cristãos defendendo a aplicação até mesmo das penas civis da Lei de Moisés. Isso sem falar na réplica do templo de Salomão que está sendo construída pela Igreja Universal do Reino de Deus.
Cristãos? Ou judeus?

E aí, como sair desse nó teológico?

A Lei não acabou
A primeira coisa que precisa ser dita é que o Antigo Testamento (resumidos por Jesus como a Lei e os Profetas) não foi revogado por Cristo. Existe uma escola teológica chamada de dispensacionalismo, que ensina exatamente isso. A História seria dividida em diferentes estágios, chamados de dispensações. A dispensação mais nova suplanta a mais velha, de forma tal que as leis e preceitos de uma não se aplicam a outra, a não ser que sejam repetidas.

Por causa disso, os pregadores dispensacionalistas tendem a se concentrar apenas no Novo Testamento, já que o Antigo não tem mais autoridade. A Bíblia deixa de ser vista como uma unidade e é transformada um livro fragmentado, uma colcha de retalhos. Alguns estão na moda, mas outros já são démodé.

No entanto, o próprio Jesus derruba esta forma de enxergar a Bíblia quando Ele diz que não veio revogar a Lei ou os Profetas. A Lei ainda continua válida, embora não da mesma forma que no Antigo Testamento. A graça e a verdade vieram com Cristo, mas a Lei ainda tem um papel a desempenhar: levar os pecadores a Jesus.
De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. (Gálatas 3:24)
Só vai atrás de justificação quem se enxerga como injusto e pecador. Na verdade, o próprio conceito de justificação pressupõe uma Lei que tenha sido quebrada, razão pela qual existem os injustos. Ao revelar aos homens os seus pecados, a Lei é usada por Deus para conduzir os eleitos a Cristo.
Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. (Romanos 3:19-20)
Além disso, o próprio Jesus ensinou que a Lei será o parâmetro usado por Deus no Dia do Juízo:
Não penseis que eu vos acusarei perante o Pai; quem vos acusa é Moisés, em quem tendes firmado a vossa confiança.(João 5:44)
O amor é o cumprimento da Lei
Isso significa que toda a Lei deve ser observada, exatamente como nos dias do Antigo Testamento? Temos que comemorar as festas, seguir o cerimonial, as restrições alimentares e aplicar as leis civis? Não. Embora Lei e Evangelho andem juntos e a Bíblia seja uma unidade, há uma mudança real e profunda entre o Antigo e o Novo Testamento.

Com a chegada de Jesus, tanto os aspectos civis (Lei civil) como os cúlticos (Lei cerimonial) da Lei de Moisés são abolidos. O testemunho bíblico é o de que essas dimensões da Lei eram apenas sombras de uma realidade superior, que se torna evidente com a chegada de Cristo.
Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca jamais pode tornar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após ano, perpetuamente, eles oferecem. (Hebreus 10:1)
Com a chegada dos bens, as suas sombras (Lei) se tornam obsoletas e inúteis. Logo, o que fica da Lei? Fica apenas aquela parte que é o cerne do Antigo Testamento, a qual é escrita no coração dos fiéis:
Nessa vontade é que temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas. Ora, todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca jamais podem remover pecados; Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados.

E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo; porquanto, após ter dito: Esta é a aliança que farei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: Porei no seu coração as minhas leis e sobre a sua mente as inscreverei, acrescenta: Também de nenhum modo me lembrarei dos seus pecados e das suas iniqüidades, para sempre. (Hebreus 10:10-17)
Resumindo, ficam apenas os dois grandes mandamentos ordenados por Jesus Cristo: ame a Deus e ao seu próximo. Se amarmos a Deus com todo o nosso coração e fizermos aos outros seres humanos o mesmo bem que desejamos a nós mesmos...então estamos cumprindo todo o Antigo Testamento. E é apenas com isso que devemos nos preocupar.
"O Bom Samaritano", de George Frederic Watts

Claro que nem sempre é fácil entender algo que é tão simples. Mas, em caso de dúvida, a essência da Lei e os Profetas é o que os teólogos chamam de lei moral, aquelas normas e princípios que dizem respeito ao caráter, à mente e ao coração. Cristo resumiu essas normas nos dois grandes mandamentos, mas um detalhamento maior deles é dado nos Dez Mandamentos. Os quatro primeiros falam do nosso amor por Deus e os seis últimos sobre como devemos amar ao nosso próximo.

Ao meu ver, todo o resto do Antigo Testamento deveria ser enxergado dentro desta perspectiva dada pelo próprio Jesus. E isso até mesmo na hora de confrontar os pecadores. Não devemos mostrar apenas que mentir ou adulterar é errado, mas também que são pecados que atentam contra a ordem divina de amar. A disciplina e até mesmo a exclusão, por mais duras que sejam, sempre devem ser feitas por amor a Deus (obediência aos Seus mandamentos) e ao próximo (bom exemplo para que os demais não pequem, esperança de que o rigor da punição desvie o pecador do erro).

E o que fazer com a Lei civil e cerimonial? Devemos interpretar essas partes da Lei como símbolos de uma realidade maior, dada pelo Evangelho. Uma realidade onde o culto exterior não conta, porque Deus olha para a adoração que é em espírito e em verdade. Onde a justiça exterior não pode salvar a ninguém, porque Deus busca a verdadeira justiça e obediência, que Cristo escreve pelo Espírito Santo, conforme a predeterminação do Pai, no coração dos filhos de Deus.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

9 comentários:

  1. Pergunta: observamos os Dez Mandamentos por representar o cerne moral da Lei de Deus, correto? O sr. considera que a guarda do sábado, ou separação de um dia (seja domingo ou sábado) como Dia do Senhor, seja um mandamento moral ou cerimonial?

    Abraços.

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  2. Cristiano,

    Considerando que o sábado foi instituído na criação e o autor de Hebreus faz uma relação entre o repouso sabático e o céu, não dá pra dizer que o sábado não é parte da Lei moral.

    Contudo, há partes cerimoniais do sábado na Lei, como os sacrifícios e no rigor das exigências sobre o que pode ou não ser feito. Essa parte cerimonial é combatida por Jesus em vários pontos dos Evangelhos.

    Eu acho que deve-se guardar um dia de sete, preferencialmente o domingo. Mas penso que a questão do sábado é mais o princípio mesmo. Não acho pecado, por exemplo, fazer prova no domingo ou dedicar mais horas do dia a um churrasco com a família do que nos cultos.

    Graça e paz do Senhor,

    Helder Nozima
    Barro nas mãos do Oleiro

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  3. Helder,
    Até porque um churrasco longo com a família é culto!
    No Senhor,
    Roberto

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  4. Olá,

    Eu também entendo que se o sábado faz parte do Decálogo, então ele tem um aspecto moral que deve ser observado até hoje. Contudo, à partir da leitura de um dos seus livros, sei que a opinião do Mark Driscoll (se a entendi corretamente) difere da nossa: a guarda do sábado era cerimonial, e consistiria em uma exceção entre os Dez Mandamentos.

    Obrigado!

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  5. Cristiano,

    Não li o livro, não sei. Mas o que posso te dizer é que, se guardar o sábado for no esquema adventista...ou no esquema que alguns puritanos (e neos) fazem do domingo (o Spurgeon pregava que era pecado qualquer trabalho secular dominical), se guardar o dia for isso, aí estou fora. Se o Driscoll fala nesse sentido, estou com ele.

    Daqui a pouco chega a brigada da CFW pra me acusar, de novo, de desvio da confissão de fé...

    Graça e paz do Senhor,

    Helder Nozima
    Barro nas mãos do Oleiro

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  6. Roberto,

    Estou precisando de um culto desse, rs.

    Helder.

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  7. Eu também, Helder! rs
    Mas o ponto aí é que não há que se separar sagrado e profano... Quem entende que tudo é dádiva, que tudo é por e para Deus, não tem porque não cultuar em tudo o que faz. Tenho uma postagem no RVJ sobre isso... Acho que vou postar aqui... Ou adaptar... Vamos ver.
    NEle,
    Roberto

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  8. Helder agradeço a resposta do outro comentário, e por ter aquela conversa lhe feito meditar e publicar este novo artigo, é sempre bom termos discussões sobre temas que afetam o cotidiano dos que professam crer no D-us de Israel.
    Só para esclarecer alguns pontos eu como Judeu que cre ser Yeshua o Mashiach (JESUS o Messias), não defendo a observância irrestrita da Torá para os não-judeus como uma obrigação a ser suportada, mas pelo contrario aos judeus que tem a vocação de ter nascido judeu e professa a fé legitimaente no D-us de Israel e no seu filho Yeshua, devem continar judeus em toda a sua maneira de viver, pois a nós foi dada a Torá como estatudos perpétuos para serem passados de geração em geração e isso temos que respeitar como uma ordenança divina que dever ser preservada com amor, mas quanto ao gentio crente em Yeshua cabe-lhe a sua vocação que é a de ser chamado entre as nações para serem justos diante dos povos e do Eterno, diante dos povos esta justiça é perpetrada através da vida regida pelo básico da pureza estipulada pelo Senhor, que nós chamamos de Regras dos filhos de Noach (Noé) que nada mais é que o mesmo princípio relatado em Atos 15, mas diante de D-us a justiça não é alcançada por méritos prórpios mas sim pela justificação através do sangue do sacrifício, sim de um sacrificio estabelecido para perdão de pecado lá em Levíticos que se cumpre em sua perfeição diante do monte Gólgota.
    Tomará que eu tenha me feito entender e não me chamem de perjorativamente de P'rushim (Fariseu).

    Fiquem na Shalom dado por Yeshua.

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  9. Desulpem-me desde já se sou ensistente em comentar sobre o assunto, mas me é latente a vontade de compartilhar aquilo que recebo, é com humildade que lhes peço para apenas conhecerem o meu modo de viver e pensar e como para mim e os que comigo confessam a mesma fé é importante estarmos diante do Senhor de conciêencia sem máculas e sem estarmos levando um fardo que não seja àquele que Yeshua disse que seria leve e suave.
    A questão que gostaria de compartilhar é sobre a lei cerimonial, pois para nós tudo que é relativo a culto cerimonial não foi de maneira alguma abolido, mas digamos assim que foi aperfeiçoado mediante as promessas de D-us que vaticinou que tal ocorreria, isto quer dizer que as "sombras" do sacerdócio Levítico e do trabalho templário sempre tiveram o "Objeto", isto é, para que a sombra exista é necessário que haja um objeto que a forme, sendo assim o que se cumpre em Yeshua é a revelação deste "objeto" sem com isso a desqualificação da sombra, que querendo ou não, para os nossso irmãos judeus que não chegaram a fé em Yeshua é o que vale ainda, digo então que no plano que o "Objeto" e a "sombra" ainda figuram, há a possibilidade de se vincular a cada sombra o seu real objeto, e a visão que teremos do real objeto dependerá dos óculos que usamos para vermos a realidade, estes óculos são nada mais são que a tradição que adquirimos na concepção de nosso culto, quero dizer que a tradição cristão tem os seus óculos que veem o objeto desvinculado de sua sombra, não digo que isso é errado mas sim que é uma das formas de se ver o plano, nós judeus com fé em Yeshua temos os óculos que por através deles vemos a íntima ligação entre sombra e objeto, e isso nos é dado por nossa tradição, já os nossos irmão que não tem a fé em Yeshua tem a mesma tradição que nós mas seus óculos estão riscados, turvos e como com que um véu postos sobre os olhos, veem apenas as sombras.
    Vou fazer algumas ligaçoes de objeto-sombra para explicar: Oração - seria nosso incenso, e alguns de nosso tipos de sacrifícios(pois temos 7 tipos);Nosso corpos como templos que habitam a shechiná - Espírito Santo; As Festas Bíblicas seriam todas datas marcantes da vida do Mashiach Yeshua, Chanuká - concepção de Maria, Sucot - Nascimento de Yeshua, Pessach-Premissas-Pão Azimos - a trajetória de sua entrega a morte, sepultamento e Ressurreição, Shavuot "Pentecostes" - a entrega da Lei antes em pedras, agora no coração do homem por ação do Espírito Santo, Yom Teruá - dia das trombetas -será o dia do seu Retorno, 10 dias até Yom Kippur, será o julgamento final e com a condenação final e a glorificação final, a troca do sacerdocio de Levy por o de Melktzedk, não é uma mudança pois como as Escrituras dizem o Senhor não muda, mas sim um aperfeiçoamento de algo que é perecivel pelo pecado que é a carne do levita por algo que é eterno a carne do Mashiach, e muito mais mas não quero me alongar muito.

    Fiquem na Shalom de Yeshua.

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