22 de janeiro de 2010

Quem é Deus?

Quem é Deus? E o que é a realidade, o que é tudo que existe?
Alguém já disse, e eu concordo, que, se não existe Deus, este assunto é insignificante. Mas se Deus há, então tudo que se refere a Ele é da maior importância. E a verdade é que a resposta à segunda pergunta depende muito do que se responde à primeira.
Pois bem, nós, reformados, afirmamos que há um Deus e queremos saber quem Ele é. O curioso é que temos sido acusados recentemente de criarmos um Deus à nossa imagem. Não atino como isto se possa dar, pela maneira como O pensamos, mas isso é uma reciclagem da velha acusação de interpretar a Bíblia pelo calvinismo e não o contrário. Não vale muito a pena ficar a rebater tal acusação. O melhor mesmo é irmos às Escrituras e buscarmos responder à questão sobre quem é Deus com base nelas. Pois, sim, ainda cremos e creremos sempre que as Escrituras são a Revelação que Deus faz de Si mesmo!
As Escrituras, pela graça de Deus, são pródigas em revelar Seus atributos. E o estudo destes é algo que deveria ser feito por todo aquele que se chama cristão. Impossível não se maravilhar com o caráter de nosso Deus! Impossível não louvá-lO por Suas qualidades. Impossível não se prostrar perante Ele e impossível não Lhe dar glórias!
Sim, muito haveria que se dizer sobre quem Deus é. Uma resposta exaustiva não é possível, pois Ele é o Insondável. E mesmo Sua Revelação nos fala apenas daquilo que precisamos saber. E, também, queremos uma resposta mais breve. Uma que seja apenas suficiente para nos indicar o caminho da resposta à segunda pergunta. Assim sendo, creio não haver caminho melhor que aquele que passa pelo nome que Deus dá a Si mesmo e que passa também pelo nome em que Ele é o próprio revelar-Se!

O nome que Deus dá a Si mesmo
Disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros (Ex 3.14).
Talvez a associação mais imediata que fazemos ao lermos Deus dizer EU SOU é em relação a Sua eternidade e outros atributos diretamente relacionados a ela. “Deus é” significa, em certo sentido, que Ele foi, é e será. Ou talvez seja melhor dito que Ele sempre foi, é e sempre será! Uma aproximação em termos de tempo, sem dúvida, pois a eternidade é atemporal. Transcende o tempo. Deus é eterno!
E este “sempre ser” também sugere imediatamente imutabilidade. Se é, eternamente, é sempre o mesmo. Pois mudar significa deixar de ser. Deus não muda, é imutável! Daí inferimos imediatamente Sua fidelidade. Pois se é e não muda, eternamente, as promessas feitas desde a eternidade serão cumpridas sem sombra de dúvida! Deus é fiel!
Assim, em um curto e rápido olhar, percebemos a riqueza desta revelação. Três atributos apreendemos e mais outros tantos podem ser inferidos. Mas há um sentido em especial, o sentido ontológico, que nos cumpre olhar com um pouco mais vagar: Deus, e só Deus, é! Apenas em Deus o ser é propriamente. Ou, dizendo de um outro modo, apenas Deus propriamente é. Sei bem que esta linguagem metafísica é estranha a muitos, dado o espírito positivo (empírico) de nosso tempo. Mas esforcemo-nos em apreender o sentido destas palavras. E, talvez, o melhor meio para isso é pelo contraste com o que somos. E o que somos? O que é homem?
“O homem é como um sopro; os seus dias, como a sombra que passa” (Sl 144.4). Ontem nós fomos e hoje somos. Mas amanhã passaremos. Sim, somos limitados. No tempo (contra a eternidade) e no espaço (contra a onipresença). Mas para além disso, o homem só pode ser, ele apenas é, enquanto Deus o sustem. Ele não pode suster-se por si. Não importa quão grande ele se sinta ou quão seguro esteja de seu poder e força. Ele não pode ir além de sua contingência. Agora ele é, mas, no momento seguinte, como saber?
Deus, ao contrário, é ilimitado em tudo que é. Não apenas eterno e onipresente, mas também onisciente e onipotente. Mas, acima de tudo isso, Ele é porque é. Ele não pode não ser, pois o não ser é o nada. Mas Deus, o Deus EU SOU, Ele é, necessariamente!
Tudo que é, é. Porém apenas em Deus o ser encontra seu perfeito significado. Deus é o Ser, e todo ser dEle depende, dEle recebe o seu próprio ser. Apenas Deus propriamente é. Apenas Deus é, absolutamente! Tudo o mais é relativo a Ele. Eis aí um significado do EU SOU fundamental para todo pensamento humano: Deus é Absoluto!
Deus é o Absoluto!

O nome em que Deus é o próprio revelar-Se
No princípio era o LOGOS, e o LOGOS estava com Deus, e o LOGOS era Deus (Jo 1.1).
Alegra-me o fato de Deus ter-se revelado como o EU SOU numa era pré-filosófica. Pois o fato precede a metafísica e toda a profundidade do pensamento racional sobre o ser. Que os homens, mesmo sem conhecer o Deus Vivo dos hebreus, tenham apreendido esta profundidade e os cristãos mais tarde a tenham identificado não me sugerem qualquer acaso!
Mas quanto ao Logos, ao contrário, não em relação ao acaso, mas ao uso racional do termo, não me parece qualquer despropósito que João o tivesse incorporado conscientemente ao vocabulário cristão devido justamente a este uso. Isto é, no primeiro caso o significado do nome independe de qualquer filosofia. Mas, no segundo, a filosofia está mesmo a enriquecer o termo pelo qual Deus inspira o apóstolo a dizer ser Seu nome.
Nossas Bíblias traduzem o termo Logos por Palavra ou Verbo, havendo a identificação com Cristo. Estão a enfatizar o princípio racional Criador pela própria ação de criar: “Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn 1.3). Jesus é o Verbo, a Palavra criadora de Deus. Na verdade, aqui já se encontra todo o significado que o termo encerra: o Deus Criador! Porém, aquele que crê faz bem saber da ligação filosófica entre os termos “logos” e “arché”.
De forma bem resumida, os primeiros filósofos procuravam a arché, um princípio pelo qual tudo vem a ser, sendo, além da própria constituição do que é, tanto origem quanto aquilo que mantém todo ser. Este princípio é também racional, um logos, um princípio de ordem e de beleza. A associação deste conteúdo filosófico com o Deus Criador não é óbvia? E não é mesmo enriquecedora do termo?
Assim é que o LOGOS é o princípio que a tudo sustem por Sua Palavra, dando ordem e beleza a tudo que é, sendo mesmo a origem a partir do que tudo deve seu próprio ser. E note que, sendo o princípio pelo qual Sua voz a tudo dá significado, é também por este mesmo princípio, Sua Palavra, que Ele se dá a conhecer, que Ele Se revela! Seu nome é o próprio revelar-Se!
Enfim, o EU SOU, o Ser, o Absoluto, é o próprio LOGOS, o Deus Criador: a Origem!
Deus é a Origem!

A realidade
Temos respondida a primeira pergunta. Mas, e a realidade? O que é ela?
Não, é claro que não tenho a pretensão, neste pequeno espaço, de dar qualquer resposta, breve ou longa, simplista ou exaustiva. Não é sobre a resposta em si que pretendo falar, mas do caminho para ela. Pois o homem passou um longo tempo iludido por sua razão e acreditando que dela poderia inferir todas as respostas que deseja. Muitos ainda a mantém uma rainha, sem perceber quão irracionais são em sua racionalidade. Mas outros tantos já perceberam sua loucura. E se desesperam de poder obter qualquer resposta. Saem afirmando aos quatro ventos a impossibilidade de se afirmar. Não possuem absolutos, nem mesmo a razão. Desesperaram da verdade, desesperaram de conhecer! Neste contexto, vemos não só a relevância, mas também a atualidade do Cristianismo e da Revelação.
A razão sozinha, feita ela própria um absoluto, não pode encontrar um fundamento sobre o qual conhecer, pois ela não é este absoluto. Ela é apenas uma faculdade do homem. E este é contingente. É limitado no tempo e no espaço e incapaz de se colocar como a medida de todas as coisas. Como a razão deste homem poderá se colocar como absoluta? Como poderá medir tudo o mais por ela mesma? Apenas a ingenuidade pode manter a razão em seu trono.
Então está certo o homem em se desesperar! Está? Eis aí Deus a Se revelar! Ele se mostra o Absoluto sobre o qual construir, um fundamento, o único, do pensar. Ele se apresenta como a Origem de todas as coisas, sendo possível por Ele e nEle encontrar o significado de tudo que há! Basta ouvir o que Ele diz e saberemos não apenas quem Ele é, mas o que somos e o que toda realidade é. Apenas a rebeldia pode insistir no desespero!

Conclusão
Oh, nações, oh, povos! Atentem para o que estão fazendo, dizendo e pensando! Oh, pecadores! Oh, cada um de nós! Busquemos o Senhor enquanto se pode encontrá-lO (Is 55.6)! Ele Se revela e Se dá a conhecer para que vivamos com Ele eternamente. Sim, Ele assim o faz! Ouçamos o que Ele diz!
E louvemos a Deus como Ele é: “o Absoluto, o Criador, a Origem, o Logos, o Eterno, o Imutável, o Ser, a Razão de ser de tudo o que há, que houve ou há de ser, Aquele que não apenas pode, mas que efetivamente dá a tudo sua significação e Aquele em quem, enfim, a razão é, efetivamente, possível!”.
SOLI DEO GLORIA!

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