12 de novembro de 2010

Como ser realmente feliz

Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo:

Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus.

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.

Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.

Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.

Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.

Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. (Mateus 5:1-12)
Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou a PEC da Felicidade. A proposta de emenda à Constituição feita pelo senador Cristovam Buarque quer que o direito à busca da felicidade seja expresso na Constituição Federal. Todos os outros direitos fundamentais seriam, na verdade, uma forma de se alcançar um objetivo superior aos demais: uma sociedade feliz.

Mas, o que isso significa? De acordo com o dicionário Houaiss, o significado principal de felicidade é "qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar". Creio que a maioria das pessoas concordaria que essa satisfação acontece quando os nossos desejos e sonhos são realizados. Afinal, como dizem alguns, o ser humano nasceu para ser feliz.

Diante dessas definições, eu não hesito em dizer que para muitas pessoas a felicidade é a razão suprema da vida. Se as pessoas buscam a Deus ou aos prazeres, se elas abandonam sonhos ou buscam obstinadamente realizá-los...é apenas porque estes caminhos podem ser meios que as farão felizes.

Mas, o que Jesus Cristo fala sobre a felicidade?

O contexto da passagem
O Novo Testamento foi escrito em grego. Ao invés de "bem-aventurado", a melhor tradução para o termo "makarios" seria a palavra "feliz". As bem-aventuranças abrem o famoso Sermão do Monte, o primeiro grande discurso de Jesus no Evangelho de Mateus e a pregação mais famosa da História. Na verdade, os capítulos 5 a 7 de Mateus são uma explicação sobre a visão que Cristo tem sobre a felicidade.

A chave para entender o Sermão do Monte está na Lei de Moisés, mais especificamente nos Dez Mandamentos. Ali, Jesus explica que veio cumprir a Lei e reinterpreta o Decálogo. Ao invés de diminuir as exigências da Lei, como faziam os fariseus, Cristo mostra que a verdadeira obediência a Deus significa ir além da letra. O caminho da bem-aventurança é fazer a vontade de Deus e não a nossa própria vontade.

Resumidamente, isso significa oito coisas:

Humildade de espírito
Na visão popular, a felicidade está ligada à ideia de riqueza. Ser feliz é ter, ainda que não apenas bens materiais. É ter o amor da vida, o sonho realizado, os direitos fundamentais plenamente assegurados...somos felizes se somos ricos e nossos desejos são satisfeitos.

Cristo diz que o feliz é "humilde de espírito", mas a melhor tradução seria "pobre de espírito". Feliz não é aquele que tem, mas sim aquele que sabe que não possui coisa alguma e se enxerga como alguém pobre. Devido a essa condição, ele é humilde e não exige coisa alguma, porque se coloca em uma posição de humilhação.

O prêmio para o coração humilde é a salvação, o reino dos céus. Os ricos de espírito buscam o seu próprio reino, a satisfação de seus próprios anseios...e estão com as mãos cheias demais. Já os pobres têm as mãos vazias e, por isso, podem receber o reino dos céus, onde a vontade que prevalece é a de Deus, e não a dos homens. Eles não têm exigências, por isso podem receber livremente o que o Senhor tem a oferecer.

Choro
Certas combinações parecem não fazer o menor sentido. Como, por exemplo, pegar a batata-frita do McDonald`s e mergulhá-la no McSundae. Acha estranho? Pois isso é mais normal do que imaginar o choro e a felicidade andando juntos. Afinal, ser feliz é rir e sorrir, sentir uma alegria tão forte que faz a gente explodir. Como pode ser bem-aventurado aquele que chora?

Mas há uma combinação ainda pior. Há quem acredite que a ignorância leva à felicidade, mas na verdade ela conduz somente a uma ilusão. É bem-aventurado quem chora porque esse conhece o real estado de si mesmo e do mundo diante de Deus. O enfermo que ignora sua doença não é um feliz, é um iludido. Contudo, se ele enfrenta a sua doença e é curado, aí sim ele pode se considerar realizado.

Os pobres de espírito choram porque sabem que são pecadores. Choram porque entendem que o esforço humano não pode resgatar a humanidade de seus pecados a mazelas. Choram pois entendem a sua incompetência para alcançarem uma vida plena, pois reconhecem que nós não sabemos querer o melhor. Choram por perceberem como o pecado destruiu a vida de todos.

Entretanto, a cura só chega para o doente que reconhece sua doença e aceita o tratamento do médico. Não adianta nada chorar e se entregar ao desespero. É preciso levar o choro ao Senhor, e aí sim, virá o consolo.

Mansidão
É interessante notar que a maioria das pessoas associaria a felicidade com a mansidão, a paz e a tranqüilidade...mas quantos não conseguem ser felizes sem ferir ou usar outras pessoas! Não é suficiente que nós estejamos bem, queremos também que certas pessoas se deem mal! E se para ser feliz for preciso deixar outra pessoa triste, antes ela do que eu!

Nada disso é ser manso. A mansidão é apontada em Gálatas 5:22-23 como um fruto do Espírito Santo. Segundo William Hendriksen:
Parece-nos apropriado interpretar aqui o próximo item, ou seja, a mansidão, como sendo a gentileza uns para com os outros e para com todos os homens, principalmente se levarmos em consideração o contexto precedente, o qual fala das dissensões em suas várias manifestações (ver vv. 20 e 21). Cf. 1 Coríntios 4:21. Esta virtude também nos faz lembrar de Cristo (Mateus 11:29; e 2 Coríntios 10:1). A mansidão é o oposto extremo da veemência, da violência e da agressividade ou explosões de ira. (Extraído do Monergismo.com)
Quando o marido larga a esposa para ficar com a amante em nome de sua felicidade, ele não está sendo manso, pois não está sendo gentil com sua esposa e comete contra ela uma violência emocional. Quando buscamos vingança e exigimos o castigo e o fracasso de alguém, estamos dando lugar à ira e abandonamos a mansidão. Quando usamos as pessoas para subir na vida, desfrutarmos de prazeres de todo tipo ou outra razão qualquer, mesmo que não estejamos bufando de raiva, estamos sendo agressivos com o próximo na tentativa de sermos felizes e caímos no mesmo erro.

Já o bem-aventurado, após ser consolado por Cristo, descansa em Deus. Ele entende que não é ferindo ou usando o próximo que ele pode alcançar a felicidade. Ele vê as pessoas em guerra, buscando eliminar o outro para terem a terra. Mas sabe que o dono de todas as coisas é Deus. E que, no final das contas, a terra será dada por Ele àqueles que foram mansos, e não aos violentos.

Fome e sede de justiça
Se a felicidade não pode ser construída em cima da ira, da violência e da agressão ao próximo, ela também não se sustenta em cima do pecado e da iniqüidade. O pecado rouba a alegria da humanidade, despoja-nos de nossa riqueza e é o pai da injustiça no mundo. Mais: ele nos torna injustos diante do Deus vivo. E se não podemos ser felizes ferindo ao próximo, imagine tendo contas a acertar com o Deus vivo?

Para Jesus, a justiça está ligada ao julgamento divino, o momento em que Deus julgará a humanidade, premiando os que foram aprovados por Ele (justos) e condenando os que O rejeitaram. Ter fome e sede de justiça é ansiar pela aprovação de Deus e pelo momento em que aqueles que não se arrependeram de suas maldades forem punidos. É desejar que, enfim, o mundo seja como deveria ser, um lugar onde a vontade do Pai é feita da mesma forma como ela é feita no céu.

E essa fome e sede serão saciadas. Nesta vida, especialmente aqui no Brasil, nós nos frustramos duas vezes. Uma porque, por mais que tentemos, sabemos que não somos perfeitos e que muitas vezes nós merecemos ser castigados. Outra porque muitas vezes os injustos são premiados e os bons são punidos. Mas o feliz sabe que Deus o tornará perfeito e que um dia a justiça será feita.

Misericórdia
Todos nós tendemos ao egoísmo. Aprendemos desde a infância que cada um deve buscar o seu próprio interesse e a sua própria felicidade. Até nos interessamos pelo bem-estar dos outros...desde que isso não signifique muito esforço da nossa parte.

Mas, já dizia John Dunne:
Ninguém é uma ilha em si mesmo. Cada um é uma porção do continente, uma parte do oceano.
Deus não nos criou para vivermos sós. Ele mesmo jamais foi só, porque subsiste eternamente como Pai, Filho e Espírito Santo. E, por causa disso, o egoísmo, a busca pelo interesse próprio não conduzem à felicidade. É preciso que tenhamos misericórdia.

Ter misericórdia é por o coração na miséria do outro. Vai além daquela pena que sentimos quando vemos o mal diante de nós, o misericordioso é aquele que vai e faz alguma coisa para promover o bem-estar do outro. Ele se reconhece nos sofrimentos alheios e luta para ajudar o seu semelhante. Após se reconhecer como humilde, chorar, revestir-se da mansidão e ter fome e sede de justiça, o feliz age para levar a bem-aventurança a outros.

Ao fazer isso, o bem-aventurado apenas retribui o que Jesus faz por ele, todos os dias. Cristo tornou-se homem, veio ao mundo, sofreu ao nosso lado e morreu na cruz para nos retirar de nossa miséria. Como está escrito:
Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. (Isaías 53:4-5)
Somos justificados porque Cristo tomou sobre Ele a nossa culpa, o nosso pecado e as nossas enfermidades e sofreu, em nosso lugar, a justa pena pelos nossos erros. Ele não teve apenas pena, Ele foi lá e fez algo por nós. Foi misericordioso. Por isso, os misericordiosos alcançam misericórdia.

Limpeza de coração
O resultado da misericórdia de Jesus é um coração limpo. Quando o Senhor toma sobre Ele os nossos pecados, Ele carrega não apenas a nossa culpa: Ele leva o pecado embora. Este processo não é instantâneo, mas é real e perceptível ao longo do tempo. Quando a sujeira sai, a felicidade chega.

Mas nós não enxergamos as coisas dessa maneira. Na verdade, o que desejamos é uma felicidade suja. Não queremos deixar a gula, queremos uma comida que seja uma delícia e não engorde. Queremos um amor que seja 100% fiel a nós, mas se fosse possível, gostaríamos de experimentar vários parceiros. Queremos fazer tudo o que quisermos...sem nos preocuparmos se agradamos a Deus ou não.

O bem-aventurado é alguém que teve a sua visão transformada e percebeu o que é mais importante. Ele já não quer mais realizar os seus desejos pecaminosos porque ele busca a vontade de Deus. Por conta disso, ele tem o melhor prêmio de todos.

Você já ficou feliz por ver uma paisagem deslumbrante? Ou então por poder contemplar calmamente a pessoa amada, ou um filho? Tudo isso é muito bom. Agora imagine ver o Deus vivo com os Seus próprios olhos! Você pode não acreditar, mas essa seria a melhor de todas as visões.

Paz
Eu não sou mulher e estou longe de ser pai...mas imagino que poucas coisas cortem mais o coração de uma mãe do que ver seus filhos brigando. Quando dois amigos em comum brigam, já fica um clima chato e pesado. Mas quando os brigões fazem as pazes, todos ficam mais felizes. Não dá pra ser feliz tendo a discórdia por perto.

E nós brigamos por qualquer coisa. Por terra, por orgulho, até mesmo pra ver quem vai comer o último pedaço de chocolate. Somos capazes de estragarmos o nosso dia e o de outros com bobagens. E enquanto houver guerras e disputas, a felicidade nunca será duradoura.

Feliz não é aquele que tem paz, é aquele que promove a paz. Não é o pacífico que não arranja confusão, é o pacificador, que faz com que os ânimos se acalmem e o conflito chegue a um final justo. Esse será chamado de filho de Deus, porque faz o mesmo que Ele. Afinal, antes de Jesus os judeus sequer comiam com os não-judeus (gentios). Mas, em Cristo, judeus e gentios se unem para cultuar e servir ao mesmo Deus e ainda se chamam de irmãos. Os inimigos de outrora tornaram-se irmãos graças a obra do verdadeiro Pacificador.

Perseguição
Tudo muito lindo, muito maravilhoso, não é mesmo? Quem pode se opor aos pacificadores, aos mansos, aos limpos de coração? Quem perseguiria alguém que é misericordioso e tem fome e sede de justiça? Você quer mesmo saber a resposta? Então lá vai: eu e você.

Sim, isso mesmo! E sabe por quê? Porque a felicidade que eu e você buscamos não é a mesma que Jesus nos oferece.

Nós gostamos das bem-aventuranças até a hora que Deus começa a mexer demais na nossa vida. O quê? Admitir que a forma como encaro a minha sexualidade é injusta e precisa ser limpa pelo Senhor? Reconhecer que sou um miserável e que dependo de Deus pra tudo? Eu não posso ir lá dar um murro na cara daquele idiota que fez isso comigo porque isso é pecado? Ah, fala sério!

O resultado é que nós também nos tornamos perseguidores de Cristo. Dizemos adorá-Lo ou respeitá-Lo, mas reclamamos d'Ele. Falamos mal das leis d'Ele...e d'Ele mesmo. E o mesmo acontece com aqueles que levam adiante a obra de Cristo e vivem de acordo com as bem-aventuranças. Alguns até mesmo são mortos...da mesma forma como Cristo foi assassinado.

Tudo isso mostra que, na verdade, nós sequer sabemos o que é mesmo felicidade. Ser feliz é ser como Jesus, é andar no exemplo d'Ele, ouvindo-O e deixando que Ele dirija a nossa vida. É ser como os profetas que buscaram tanto ser como Cristo que acabaram sendo perseguidos como Ele foi.

Mas aqueles que se unem a Cristo no Seu sofrimento, também estarão unidos a Ele na Sua exaltação. E aí experimentarão uma felicidade que o mundo e as pessoas jamais poderão nos proporcionar.

A aprovação da PEC da Felicidade não tornará ninguém mais ou menos feliz. Quem quer alcançar este prêmio deve parar de buscá-lo nas leis ou em si mesmo...e refletir sobre as bem-aventuranças de Jesus. A nossa felicidade não é o objetivo supremo de Deus, mas é importante o suficiente para abrir o maior discurso do Messias. E bem-aventurado é aquele que ouve e segue os ensinos de Cristo.

Que você possa ser muito feliz! Eis o meu desejo.

Graça e paz do Senhor,

Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro

4 comentários:

  1. O padrão de Deus é alto e exige bastante de nós, mas o seu galardão também é maior e melhor do que qualquer coisa que o mundo possa oferecer. Excelente texto. Que o Senhor continue te usando para falar a Sua verdade.

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  2. Além do que disse a Kamylla, o padrão de Deus é o inverso do homem. Tudo aquilo que as pessoas interpretam como fraqueza, Deus mostra como sendo a essência da felicidade.

    Não é a toa que vemos tantos infelizes por aí, mesmo tendo tudo. E somente por aí compreendemos como tantos podem espelhar no rosto uma felicidade enorme, mesmo tendo tão pouco ou nada.

    O homem pode zombar das declarações de felicidade que Deus faz, mas sua zombaria reflete a angústia de quem persegue a felicidade segundo o mundo e não a encontra.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  3. Helder,

    Muito bom o seu texto. De fato, como todos já disseram acima, o padrão de Deus é sempre mais excelso do que podemos conceber. Somente em Cristo é que podemos atingi-lo. Fora disso, nada podemos ser ou fazer.

    Abraços!

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  4. Kamylla, Clóvis e Leonardo,

    Obrigado pelos comentários. Realmente os padrões de Deus não são os nossos, mas aqueles que se renderem a Ele conseguirão alcançar a verdadeira felicidade.

    Abraços!

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