9 de dezembro de 2009

Bíblia e Predestinação [4] - A eleição incondicional e misericordiosa

Leia o post anterior da série clicando aqui.

Um dos ditados evangélicos mais comuns fala que Deus bate na porta, Ele não a arromba. Ou, dito de outra forma, Deus não forçaria ninguém a se converter, Ele convida as pessoas. Mas, como diz um pastor presbiteriano daqui de Brasília, quando o Senhor quer converter alguém, Ele não só arromba portas, como até cega a pessoa e a derruba do cavalo, como fez com o apóstolo Paulo (a história está em Atos 9).

Ao contrário da ideia popular, Deus não fica esperando uma decisão humana para salvar alguém. A salvação das pessoas não depende do desejo delas, mas sim da vontade do Senhor, como expliquei no post anterior. O homem é incapaz de se salvar por si só e nem deseja, de fato, se submeter ao Senhor para receber a salvação.

Uma vez que é impossível ao homem desejar ou querer a Deus, como Ele pode ser salvo? A resposta é: Deus age diretamente na vontade de alguns seres humanos para trazê-los à salvação.

A necessidade da intervenção divina
Normalmente os não calvinistas dizem que a predestinação mostra um Deus mau e injusto, que limita a salvação apenas aos seus escolhidos, impedindo que os não eleitos se salvem, mesmo que estes últimos desejem ir para o céu.

Mas o que a Bíblia mostra é exatamente o contrário. A predestinação é um ato de bondade de um Deus misericordioso, que escolhe salvar alguns seres humanos para impedir que a humanidade toda marche, decisiva e voluntariamente, para o pecado.

A base bíblica dessa afirmação já foi dada anteriormente (quando falei da depravação total), mas cabe aqui retomar um ponto: o pecado matou a humanidade do ponto de vista espiritual. Já no Jardim do Éden, Deus já havia advertido a Adão e a Eva de que morte e pecado andariam juntos:
E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (Gênesis 2:16-17)
O pecado tornou-se um problema universal, que afeta a todos os seres humanos, incluindo-se aí até mesmo os fetos e recém-nascidos:
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. (Romanos 5:12)
De fato, por causa do pecado, a morte se tornou a força dominante de toda a humanidade, mas em Cristo Jesus a vida pode ser recuperada:
porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor. (Romanos 6:23)
Devido ao pecado original, toda a humanidade tornou-se manchada pela iniqüidade, e essa mancha corrompe nossa natureza de tal forma que somos todos considerados mortos pela Palavra de Deus. É óbvio que essa morte é espiritual, mas um dia ela também se manifesta de modo físico.

No entanto, a Bíblia fala que Deus oferece gratuitamente uma saída para esse quadro de horror. Em Cristo Jesus, a vida eterna é possível! Veja bem, não é uma vida qualquer, mas sim uma que dura para sempre! E, abra mais os olhos...isso é um dom gratuito! Não é algo que possa ser comprado ou merecido.

Quando os não calvinistas dizem que Deus salva aqueles que, primeiro, manifestam o desejo de serem salvos, a conseqüência lógica é a de que há um preço ou obra a ser realizada para que a salvação se concretize. Deus faria 99% do esforço, mandando Jesus pagar na cruz pelos pecados da humanidade, mas este benefício só vale para quem quer ou pede por isso. Em última análise, todo o esforço de Jesus depende de um "sim" humano. Caso a resposta seja "não", então o sacrifício de Cristo torna-se inútil, porque o processo de salvação nao foi completado.

Mas, como nenhum ser humano busca a Deus (Rm 3:10-12) e todos são espiritualmente mortos, se os não calvinistas estivessem certos, ninguém seria salvo. Os mortos não têm, em si mesmos, poder para deixarem seu estado de morte. É preciso que Deus intervenha, de graça, sem qualquer mérito ou obra humana, para dar a vida a alguns seres humanos.

O novo nascimento
E como Deus intervém? Como Ele dá, de graça, a vida eterna aos seres humanos? A resposta é através do novo nascimento, também conhecido como regeneração. Sem esse processo, é impossível ser salvo:
A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade, te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (João 3:3)
Assim como a morte causada pelo pecado é espiritual, o mesmo ocorre com o novo nascimento:
Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. (João 3:5-6)
Por que a morte passou a todos os homens? Porque todos eles descendem de Adão e Eva, cuja natureza estava corrompida pelo pecado. Mas, assim como pais pecadores só podem oferecer o pecado como herança, o Espírito Santo só pode legar santidade a Seus filhos. Se o nascimento físico produz pecadores, o novo nascimento só pode gerar santos.

Assim, os que nascem de novo ganham uma nova natureza: santa, sem defeito e que, naturalmente, busca a Deus, porque foi gerada pelo Espírito Santo. E é graças à regeneração que vemos pessoas indo, voluntariamente, atrás de Deus. Se Deus não intervir na vontade humana, criando uma nova natureza, ninguém seria salvo.

A regeneração precede a fé
E aqui é preciso corrigir um ensino errado do evangelicalismo popular e não calvinista. Normalmente é ensinado que, primeiro a pessoa tem fé no sacrifício de Jesus, e depois ela nasce de novo. Na verdade, é o contrário. Primeiro Deus produz uma nova natureza, e só depois surge a fé.

E isso faz todo o sentido. Em primeiro lugar porque o nascimento é o início da vida. Antes de respirar, se alimentar, de viver enfim, é preciso nascer. Além disso, essa ordem é sugerida no capítulo 2 de Efésios:
Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados... (Efésios 2:1)

Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, - pela graça sois salvos... (Efésios 2:4-5)

Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus... (Efésios 2:8)
O apóstolo Paulo diz que Deus nos deu vida quando ainda estávamos mortos, na prática de delitos e pecados. A vida surge quando o ser humano está morto e mergulhado no erro, sem interesse pelo Senhor e, portanto, sem fé. Essa ideia é repetida duas vezes e é seguida, no versículo 5, pela declaração de que somos salvos pela graça. E como a salvação pela graça acontece? Por meio da fé...só que isso é um dom de Deus! A vida (regeneração) é dada antes da fé.

Vale destacar que a fé não é algo inerente ao ser humano, ela é dada por Deus. Creio que podemos interpretar da seguinte forma: assim como, ao nascer, ganhamos um tapa e começamos a respirar, a fé é a respiração provocada pelo novo nascimento. Ela surge logo após a regeneração provocada pelo Espírito Santo e é, assim como a vida eterna, um dom gratuito.
O novo nascimento é incondicional
A graça é, aliás, a nota que deve dominar todo o nosso pensamento a respeito da salvação e, por tabela, da predestinação. Não é por obras, por traço de caráter, por ação alguma. A salvação é, absolutamente, incondicional.

E isso nos leva aquele que é conhecido como o segundo ponto do calvinismo: a eleição incondicional.
Eleição incondicional é a doutrina que ensina que Deus elege ou reprova as pessoas sem levar em conta qualquer obra, mérito ou caractéristica. O único critério usado por Deus para predestinar uns para a salvação e outros para a condenação é o Seu querer e vontade.
Em outras palavras, Deus não predestina as pessoas para a salvação tendo como base um conhecimento prévio sobre a fé ou qualquer outra ação ou característica, como ensinam muitos arminianos. Dito de outra forma, a salvação depende apenas da vontade de Deus, e não depende em nada dos desejos ou vontades humanos:
E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela:
O mais velho será servo do mais moço.
Como está escrito:
Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú.
Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés:
Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.
Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. (Romanos 9:11-16)
Deus deixa claro que o critério da eleição não se baseia na prática de bem ou mal (obras), mas sim o Seu desejo (por aquele que chama). É dito claramente que Deus se compadece e tem misericórdia de quem Ele quer. A conclusão é óbvia: a salvação não depende quem quer ou de quem corre, mas sim em usar Deus a Sua misericórdia.

O mesmo pode ser dito do novo nascimento. O nascimento físico é uma obra dos pais, os filhos não possuem qualquer poder sobre a data ou qualquer outra circunstância de seu nascimento. De igual modo, os seres humanos não têm poder algum sobre o seu nascimento espiritual. Apenas o Progenitor (Deus) pode decidir e tornar real a regeneração:
Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. (João 1:12-13)
E com esse versículo, podemos fazer um pequeno sumário:

1) A salvação não pode ser produzida pela vontade da carne ou pela vontade humana;
2) É preciso que Deus intervenha na vida humana para que a salvação aconteça. Essa intervenção acontece no novo nascimento;
3) O novo nascimento, a salvação e a fé provém de Deus, e não do homem (só é possível crer no nome de Jesus se o novo nascimento acontece, essa ideia e implícita em João 1);
4) Deus escolhe intervir ou não na vida de seres humanos, produzindo o novo nascimento, baseado apenas em Sua vontade, e não na vontade humana ou em qualquer outra obra ou característica.

Assim sendo, o ensino da eleição incondicional revela-se como sendo o único que reflete de modo pleno e absoluto o ensino bíblico de que a salvação é pela graça, e não por obras ou esforços humanos. E, ao invés de retratar um Deus mau, mostra sim um Deus gracioso e misericordioso.

Duas palavras finais. Para saber porque Deus não elege a todos, leia os posts anteriores dessa série. Agora, se você tem fé em Deus, de fato o reconhece como Senhor de todas as coisas e quer viver uma vida de real obediência ao Senhor, então é extremamente provável que você é um eleito. Se você ainda não tem essa fé, mas deseja ser salvo, reconhece que seus pecados são abomináveis aos olhos de Cristo e deseja que Deus mude a sua vida, então deposite sua fé em Jesus. É muito provável que você seja um eleito. Mas, por outro lado, se você zomba das doutrinas divinas e do próprio Deus vivo e de Sua Palavra e acha que seus pecados não são nada demais, então, cuidado. Pode ser que você se arrependa e receba a salvação, revelando-se um eleito. Mas advirto que esse tipo de atitude é a de quem está morto em delitos e pecados, e não vivo em Cristo Jesus.

Soli Deo Gloria!

Leia o próximo post da série clicando aqui.

Helder Nozima é pastor presbiteriano, blogueiro do Reforma e Carisma e escreve às quartas-feiras no  5 Calvinistas.

Um comentário:

  1. Helder, sua postagem é bastante esclarecedor, simples e profundo.

    Bom artigo.

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