7 de dezembro de 2009

O que é o calvinismo

Tendo alguns irmãos empreendido e estando ainda envolvidos na tarefa de fazer uma exposição clara do calvinismo e de suas doutrinas distintivas, resolvi também contribuir com um texto para este objetivo. Nunca é demais esclarecer esta posição teológica, vítima das piores caricaturizações e deformações dos anti-calvinistas, que agem de má fé ou sofrem de má informação.

O calvinismo é uma maneira de ver o mundo a partir do ponto de vista bíblico. Hoje tem grande rejeição no meio evangélico, mas foi a posição preponderante entre os reformadores, e ao longo da história da igreja seus maiores vultos foram calvinistas, salvo raras exceções. É difícil falar do calvinismo como um todo, pois ele é melhor compreendido quando analisado em seus diversos aspectos. Vou me referir rapidamente a dois: a doutrina da providência e a doutrina da salvação, mas fique à vontade para perguntar sobre outros aspectos. Antes porém, permita-me adiantar que ser arminiano ou ser calvinista não implica salvação, mas tem grande impacto na vida cristã e na forma como o crente entende a realidade.

A providência

Nós calvinistas cremos na soberania de Deus na criação e na história. Os arminianos dirão que também crêem na soberania divina, mas convém notar que há uma diferença no conceito de soberania nos dois sistemas teológicos. Para o calvinista, a soberania de Deus é limitada apenas pela Sua natureza, ou seja, nada fora do ser essencial de Deus o impede de fazer o que Ele quer. Na verdade, Ele faz tudo o que quer, e quer tudo o que faz. Para o arminiano, a soberania de Deus não é absoluta (ou voluntarista), mas é limitada (ou auto-limitada, como preferem dizer) pelo livre arbítrio do homem. Enquanto que para o calvinista Deus faz tudo o que quer, para o arminiano Deus pode fazer tudo o que quer, mas não o faz.

Nós cremos que Deus quando criou os céus, a terra e seus habitantes, não o fez por nenhuma necessidade. Ele poderia criar e ou não criar, e nada lhe seria acrescentado ou lhe faria falta. Mas Ele criou. E criou conforme à Sua vontade: os minerais inertes, os vegetais imóveis, os animais amorais e os homens morais. Além de criar porque quis e como quis, Ele preserva todas as coisas segundo o seu poder. É Ele que faz a grama crescer, o sol nascer e se pôr, a chuva cair e tudo o mais que observamos. Deus não deu corda no mundo e o deixou funcionando sob leis fixas, enquanto ia cuidar de outras coisas. Deus, ainda que essencialmente separado da criação, envolve-se ativamente nela, sustentando-a e preservando-a. Até este ponto os arminianos caminham mais ou menos juntos com o calvinista, mas o passo seguinte relutam em dar (na verdade, não dão).

O calvinismo sustenta que Deus é o Senhor da história, ou seja, que nenhum evento acontece à parte da vontade de Deus. Deus não apenas prevê, mas decreta tudo o que acontece, não apenas de forma geral, mas de forma específica e detalhada, inclusive os chamados eventos fortuitos. Nem um átomo sequer tem a órbita de seus elétrons fora da trajetória definida por Deus. Para o calvinista, ou Deus é Deus sobre tudo, ou Ele não é Deus coisa nenhuma. Parece forte demais? Pois é o que nós concluímos quando deixamos a Bíblia falar: nela encontramos Deus controlando detalhes como o crescimento da grama, a trajetória de uma flecha lançada ao acaso, elevando ou destronando reis, alimentando pardais, manobrando anjos ao seu bel prazer, controlando os passos dos homens e inclinando o coração dos reis. O fato dos homens em geral repudiarem a idéia calvinista da providência deveria levar crentes a se perguntar o porquê. A resposta é "não queremos que este reine sobre nós".

Mas se a idéia do controle providencial de todas as coisas, bíblica de Gênesis a Apocalipse, causa aversão até mesmo em crentes que tem a Bíblia como única regra de fé, a visão calvinista da salvação causa oposição tal que alguns a chamam de diabólica. Vejamos o que ela ensina.

A doutrina da salvação

O calvinismo é chamado de monergista, ou seja, crê que a salvação é obra exclusiva de Deus e que a participação do homem nela é apenas exercício da fé e arrependimento dados pelo próprio Deus. No dizer de Agostinho, "o que pedes de nós, que já não nos tenha dado?". O arminianismo, porém, é sinergista, ao afirmar que o homem coopera com a graça de Deus para sua salvação. Em última análise, salva-se não quem Deus quer, mas aquele que faz bom uso da graça dada a todos. Segue-se que a glória é tanto de Deus que oferece, como do homem que faz bom uso.

Convém falar também que "as antigas doutrinas da graça" não são palatáveis ao homem de hoje, tão afeito àquilo que lhe afaga o ego. Sim, a doutrina calvinista da salvação não deixa nenhuma margem para que o homem venha a se gloriar, e isto é algo que não administramos muito bem, em nossa sociedade pautada pelo mérito. Minha experiência, do meu arminianismo natural até minha rendição à convicção de que não posso merecer, me apropriar ou manter minha salvação foi uma luta interior tremenda. Hoje eu amo essas "antigas doutrinas", mas já vivi tempos em que eu dizia ser capaz de crer nelas, mas amá-las estava além de minha capacidade. Por isto, não tente assimilar de uma vez, nem ponha de lado por ser difícil, apenas comprometa-se de investigá-las à luz da Bíblia, com honestidade diante do Espírito Santo.

A doutrina calvinista da salvação pode ser apresentada em cinco pontos.

O primeiro deles diz que todos os homens são completa e absolutamente incapazes de operar sua salvação ou mesmo se preparar para ela. Depois da queda, o homem não está ferido ou doente, mas morto, de modo que não pode e não quer buscar a Deus e receber dele a salvação. Da mesma forma que uma canção bonita não faz um defunto levantar e dançar, toda persuasão humana é vã para fazer o homem desejar a salvação. E esta condição atinge a todos os homens, sem nenhuma exceção.

O segundo ponto diz que de todos os perdidos, Deus escolheu um número definido e fixo de pessoas, para neles exercer sua misericórdia, livrando-os da perdição eterna. Esta escolha não se deu por nada que Deus tenha visto ou antevisto neles, tais como resposta positiva, fé operante, boas obras ou perseverança. Os eleitos não atraíram a atenção de Deus por sua bondade ou maldade, ninguém era amável ou elegível. As causas da eleição não estão no homem, mas escondidas na pessoa de Deus.

O terceiro ponto diz que Deus enviou Seu filho com o propósito de resgatar para Si aqueles que Ele escolheu na eternidade. Embora a morte de Jesus fosse de valor infinito, portanto suficiente para salvar a todos, ela foi designada para salvar os que foram dados pelo Pai a Jesus. Numa frase, a morte de Jesus é suficiente para todos, mas eficiente para os eleitos, e o que confere essa suficiência não é a vontade do homem, mas a escolha divina.

O quarto ponto trata da operação do Espírito Santo naqueles que foram eleitos pelo Pai e comprados pelo Filho. Esta operação é dita eficaz porque sempre alcança o resultado planejado, ou seja, muda a vontade do homem, que de indisposto a todo bem, alegre e voluntariamente vai a Cristo. É uma operação sobrenatural, instantânea e irreversível, chamada de novo nascimento e que é manifestada externamente pela conversão.

Finalmente, o quinto ponto afirma que aqueles pecadores que foram eleitos, remidos e regenerados são de uma vez por todas justificados e para sempre são seguros pela mão forte do Pai. Podem cair eventualmente, se desviar temporariamente, mas jamais se apostatarão final e completamente, pois a sua segurança não está neles, mas em Deus que continua fiel mesmo quando somos infiéis. Por isso podem viver felizes e se alegrar na salvação de Deus, pois já nenhuma condenação há para eles.

Este é um resumo, um tanto longo, do que crêem esses crentes esquisitos que pregam a predestinação. Pode-se perguntar se há uma resposta arminiana para esses cinco pontos? A bem da verdade, esses cinco pontos são uma resposta aos "cinco artigos da remonstrância", o libelo arminiano. O calvinismo tem um só ponto: Deus é soberano! Sua soberania na salvação pode ser expressa na frase: Deus salva pecadores. Mas o arminianismo rebate os cinco pontos afirmando o seguinte: Primeiro, que embora o homem tenha sido "afetado" pelo pecado, restou nele luz suficiente para compreender o evangelho, força suficiente para estender sua mão, pegar e beber o remédio que precisa (a graça). Segundo, que a eleição, ainda que eterna, tem como causa a presciência divina, que sabia de antemão quem iria crer. Terceiro, que Jesus morreu por todos, mas que tal morte só é tornada eficaz com o concurso da vontade do homem. Quarto, que a graça de Deus é resistível e que o Espírito Santo pode ser vencido em seu esforço de convencer o pecador. E quinto, o homem pode cair da graça e mesmo tendo sido regenerado e justificado pode ir para o inferno para sempre.

Em resposta a estas proposições arminianas, pode ser dito que não se sustentam biblicamente, trazem conseqüências lógicas absurdas e, mal dos males, reduzem a glória de Deus a pó. Pois embora Deus queira salvar a todos, Jesus tenha morrido para salvar a todos e o Espírito Santo esteja dando o melhor de Si para salvar a todos... poucos se salvam. Logo, o Pai está contrariado, o Filho frustrado e o Espírito Santo derrotado. Isto não é o que a Bíblia revela em cada uma de suas páginas! A Bíblia ensina que há um Deus soberano sobre a criação, a história e o destino eterno dos homens. Crer nisto, é ser calvinista. Ser calvinista, é confessar o que a Bíblia ensina.

Clóvis Gonçalves é blogueiro do Cinco Solas e escreve no 5 Calvinistas às segundas-feiras.

3 comentários:

  1. Clóvis, vc disse:

    “Para o calvinista, a soberania de Deus é limitada apenas pela Sua natureza, ou seja, nada fora do ser essencial de Deus o impede de fazer o que Ele quer.”

    Então me explique, no caso da eleição, o fato de Deus tratar de modo diferentes pessoas na mesma condição, ou seja, tratar uns com misericórdia e outros com justiça. Isso não estaria infringindo a sua natureza? Sei que Deus faz o que quer, mas justamente por ser Deus é impossível que ele faça distinção de pessoas simplesmente por fazer. Outra coisa, como fica a responsabilidade do homem perante a sua vida aqui nesse mundo? O que viemos fazer aqui nesse mundo? Qual o propósito da vida do réprobo? Porque precisamos passar por tudo aqui, nesse mundo, se tudo já esta definido? O que Deus ganha com isso? E o homem, o que ganha? Vivendo aqui nesse mundo, quero dizer.

    Teimoso

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  2. Teimoso,

    Antes de mais nada, a diretriz deste blog é de não publicar comentários anônimos. Ficaria muito agradecido se você declinasse seu nome, pode ficar tranquilo, não usaremos seu nome para nenhum fim questionável.

    Suas perguntas são mais filosóficas do que teológicas ou bíblicas. E é bom sabermos que chega um ponto que não convém teimar com o que a Bíblia diz, especialmente no que respeita aos aspectos não revelados da eleição.

    Sua dúvida se o fato de Deus usar de misericórdia com uns e reservar sua justiça a outros não contraria a natureza divina perde a razão de ser para quem aceita o testemunho bíblico. Deus diz "usarei de misericórdia com quem eu quiser e endurecerei quem eu quiser" e isto basta para mim e espero que baste para você. Teimar comigo é uma coisa, até gosto do embate, mas teimar com Deus pode resultar em anzol no nariz e cerviz quebrada.

    Sobre responsabilidade humana, já escrevi mais de um post no Cinco Solas e não vou repisá-los aqui. Sugiro uma busca por "responsabilidade" e se suas dúvidas persistirem formule uma pergunta objetiva.

    Quanto ao sentido ou propósito da vida, as principais Confissões de Fé e Catecismos o revelam na primeira pergunta: o dever de todo homem é glorificar a Deus e ter prazer nEle.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  3. Qual seia o proposito de Deus já saber quem está punido criar estes então?

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