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Quando os evangélicos falam sobre salvação, dois desejos, aparentemente contraditórios, perturbam os corações e as mentes. Um é o desejo de que todos os seres humanos sejam salvos e rumem para o céu. O outro é o desejo de mostrar que Deus é justo por não fazer isso, afinal, o inferno e a condenação dos ímpios são dados como certos na Bíblia.
Quando os evangélicos falam sobre salvação, dois desejos, aparentemente contraditórios, perturbam os corações e as mentes. Um é o desejo de que todos os seres humanos sejam salvos e rumem para o céu. O outro é o desejo de mostrar que Deus é justo por não fazer isso, afinal, o inferno e a condenação dos ímpios são dados como certos na Bíblia.
Os arminianos buscam conciliar esses desejos com o ensino do livre-arbítrio, ou seja, os homens têm o poder de, voluntariamente, sem nenhuma ação divina direta sobre sua vontade, escolher a Deus. Em nome da liberdade, pessoas são condenadas. Os calvinistas, por outro lado, dizem que Deus salva ou não a quem Ele quer, e que isso é feito por causa de Sua glória, por ser o único caminho pelo qual tanto o amor como a ira de Deus pudessem ser plenamente manifestos. Em nome da glória de Deus, pessoas são condenadas.
Tudo isso, no entanto, provoca um dilema quando se pensa no sacrifício expiatório de Jesus. Expiação é uma pena, um trabalho ou sacrifício usado para purificar alguém de seus pecados ou culpas. O ensino bíblico é o de que a salvação acontece porque Jesus Cristo sofre, no nosso lugar, a culpa que nós deveríamos sofrer:
Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito... (1 Pedro 3:18)
Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. (Isaías 53:5)
O dilema começa quando se vai definir esse "nós". Os arminianos e não calvinistas dizem que Jesus morreu no lugar de todo ser humano que vive, viveu ou viverá sobre a face da terra, incluindo aqueles que serão condenados ao inferno. Os calvinistas ou reformados afirmam o contrário, que Jesus Cristo morreu apenas pelos seres humanos que foram escolhidos para a salvação. É o que ficou conhecido como o terceiro ponto do calvinismo, a expiação limitada.
Diante desse ensino, os não calvinistas acusam os reformados de fazerem de Deus um injusto e de limitarem o sacrifício remidor de Cristo Jesus. Como pode Cristo não ter se sacrificado em favor de todos os homens?
Sei que este ponto é o mais controverso de todos e o que causa o maior número de reações emocionais. Mas gostaria de pedir que a questão seja analisada do ponto de vista da Bíblia, e não da moral ou lógica humana. Não é nosso papel questionar se a Bíblia está ou não certa, se ela está sendo justa ou injusta, porque esse simples questionamento seria dirigido a Deus, que foi o Autor, e não ao livro sagrado. O que cabe a investigação humana é analisar o que a Bíblia diz sobre o assunto.
Magnificat
O pensamento cristão tradicional coloca o nascimento de Jesus como uma bênção para toda a humanidade. O Natal simbolizaria a esperança de salvação para todas as pessoas.
Contudo, quando Jesus nasce, os Evangelhos ensinam algo diferente. Jesus é bênção sim, para uns...mas, para outros, a vinda dele é um sinal do Juízo de Deus. Quando Maria visita a Isabel e entoa o Magnificat, ela estabelece um contraste entre aqueles que serão alvo da misericórdia de Deus e aqueles que seão castigados pelo Senhor:
A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem.
Agiu com o seu braço valorosamente;
dispersou os que, no coração,
alimentavam pensamentos soberbos.
Derrubou do seu trono os poderosos
e exaltou os humildes.
Encheu de bens os famintos
e despediu vazios os ricos
Amparou a Israel, seu servo,
a fim de lembrar-se da sua misericórdia
a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre,
como prometera aos nossos pais. (Lucas 1:50-55)
A misericórdia é para os que temem ao Senhor e para a descendência de Abraão. Segundo o apóstolo Paulo, os verdadeiros filhos de Abraão e herdeiros da salvação são os que creem:
E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa. (Romanos 9:6-8)
Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. (Gálatas 3:7)
Por outro lado, Maria diz que os soberbos serão dispersos, os poderosos humilhados e os ricos, deixados vazios. Os humildes e famintos, enfim, os verdadeiros descendentes de Abraão, os que temem a Deus, estes é que são alvo da misericórdia de Deus.
Benedictus
O sacerdote Zacarias, pai de João Batista, também entoa um cãntico de louvor, com referências ao ministério de Jesus. No Benedictus, ele também faz um contraste entre aqueles que receberão a misericórdia de Deus e aqueles que sofrerão oposição de Jesus:
...para nos libertar dos nossos inimigos
e das mãos de todos os que nos odeiam;
para usar de misericórdia com nossos pais
e lembrar-se da sua santa aliança
e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai,
de conceder-nos que, livres das mãos de inimigos,
o adorássemos sem temor... (Lucas 1:71-74)
Para os descendentes de Abraão, a vinda de Jesus é a misericórdia de Deus, o cumprimento da aliança. Mas, para os inimigos dessa descendência, Jesus é aquele que vai se opor a eles para libertar o Seu povo. Interessante notar que, ainda no Benedictus, Zacarias destaca que João Batista deve dar ao povo de Deus o conhecimento da salvação. Os inimigos de Israel não são, em momento algum, alvo da misericórdia divina nesse cântico:
Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-lhe os caminhos, para dar ao seu povo conhecimento da salvação, no redimi-lo dos seus pecados... (Lucas 1:76-77)
Os mais puristas talvez desdenhem da explicação dizendo que Zacarias refere-se a João Batista, e que este ministério era mesmo junto aos judeus. Mas, ao falar com José, o anjo Gabriel se refere especificamente ao ministério de Jesus e faz a mesma particularização:
Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele savará o seu povo dos pecados deles. (Lucas 1:31)
Se Jesus tivesse vindo salvar a toda a humanidade, não faria sentido o anjo dizer que Cristo veio salvar um povo. A humanidade não é um único povo, mas sim uma multidão deles. Mas, faz todo o sentido pensar neste povo que é salvo como sendo a igreja, os eleitos, porque Deus sempre fala dos salvos como sendo um povo à parte dos demais:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que antes, não éreis povo, mas agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1 Pedro 2:9-10)
E aqui temos uma prova irrefutável de que Jesus não veio morrer em favor de todos os homens. Vejam, tanto Maria como Zacarias deixam claro que a misericórdia alcança os descendentes de Abraão, que, segundo Paulo, são os salvos apenas. O anjo Gabriel diz que Jesus vem salvar o seu povo. Pedro reconhece que há um povo de Deus e que há pessoas que não são povo, e que os salvos são uma raça eleita, uma nação santa, um povo de propriedade exclusiva de Deus e que, por essa razão, alcança a misericórdia de Deus. Olhando o contexto do capítulo, especialmente os versículos 7 e 8, fica claro que Pedro excluí os descrentes. Portanto, Jesus veio salvar apenas os eleitos, aqueles que crerão em Seu nome.
A bem-aventurança dos anjos
A expiação limitada também pode ser observada na visão dos pastores sobre o nascimento de Jesus. Os anjos anunciam que a vinda de Jesus será uma boa-nova de grande alegria para todo o povo (Lucas 9:10), mas quando louvam a Deus, fazem uma restrição:
Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem. (Lucas 2:14)
O nascimento de Jesus pode sim ser visto como um evento que trará paz aos homens. Mas não a todos, e sim àqueles a quem o Senhor quer bem.
Para aqueles apologistas que acham que a palavra "todo" e variantes, sempre significa "todas as pessoas", como é o caso do Pr. Ciro Zibordi, vale lembrar que nem todas as pessoas da Judéia encararam o nascimento de Jesus como uma boa-nova. Herodes alarmou-se quando os magos vieram adorar o novo Rei dos judeus (Mateus 2:3) e, de fato, um anjo precisou avisar a José para que ele fugisse:
Tendo eles partido, eis que apareceu um anjo do Senhor a José, em sonho, e disse: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito e permanece lá até que eu te avise; porque Herodes há de procurar o menino para o matar. (Mateus 2:13)
E parece que Herodes não era o único:
Dispõe-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino. (Mateus 2:20)
Quando a Bíblia fala em "todos", "todo" e similares, é preciso ver, pelo contexto, se a referência é, de fato, a todas as pessoas, sem exceção, ou se é dita de modo vago, como quando dizemos que todo mundo já tomou Coca-Cola (o que, sabemos, não é verdade para todas as pessoas da face da terra).
A profecia de Simeão
Que o nascimento de Jesus significa redenção para uns e juízo para outros é indicado de modo mais claro na profecia de Simeão. Ao ver o menino Jesus, ele profetiza palavras perturbadoras a Maria:
Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (também uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os pensamentos de muitos corações. (Lucas 2:34-35)
Jesus não vem salvar a todos, ele vem levantar a muitos...e arruinar a muitos também.
E aqui podemos fazer uma reflexão bíblica sobre o verdadeiro sentido do Natal. Jesus veio, e sua presença não pode ser ignorada indefinidamente pelas pessoas. Para os que depositarem sua fé em Deus, para os que se arrependem de seus pecados e decidem temer ao Senhor, o Natal é o símbolo da libertação da opressão, da misericórdia de Deus, da paz que enche o coração, do levantamento com o qual tanto sonhamos!
Mas, para os que desdenham da Palavra do Senhor, para os que são inimigos do povo de Deus, para os que oprimem ao próximo, o Natal é o lembrete de que Herodes morreu, mas Cristo vive. É o sinal de que, se persistirem em suas maldades, estarão provando para si mesmos que não foram eleitos por Deus, e se encontrarão com o Juiz Jesus Cristo, que os humilhará no último dia.
Mas, se houver arrependimento, então eles mostrarão que Cristo os escolheu, e experimentarão com os salvos as glórias do Deus vivo!
Semana que vem eu não postarei no 5 Calvinistas porque estarei descansando um imerecido recesso (obrigado, Senhor, por mais essa dádiva que não mereço!), mas volto em 2010 com outros versículos sobre a expiação limitada.
Feliz Natal a todos e, que em 2010, todos nós possamos dizer e viver, de fato o último Sola da Reforma:
Uau!
ResponderExcluirGostei do presente de natal :-)
Clóvis
Helder,
ResponderExcluirSinceramente, meu caro, li vários ´bons artigos seus, mas este é um dos melhores!
Grande abraço, no Senhor,
Roberto
Reverendo Helder Nozima,
ResponderExcluirSinceramente seu texto foi um presente de natal, Base Biblica é tudo e deixa claro sobre a expeiação Limitado, otimas linhas deixando a Pr. Ciro sem Palavras no seu Blog.
Soli Deo Gloria
www.alexandrelopesdovalle.blogspot.com
Helder,
ResponderExcluirNão sei o que dizer diante de um texto tão belo (e oportno!) quanto esse. Obrigado por nos fazer refletir sobre o real sentido do natal, e que muitos possam ser edificados com a leitura dessa pérola que você escreveu.
Abraços!
Clóvis, Roberto, Alexandre e Leonardo,
ResponderExcluirObrigado pelas palavras e pelo incentivo. É interessante notar como a expiação limitada aparece de forma abundante na Escritura, mas é tão facilmente ignorada. Abraços!