Dizem-nos que as questões de fé são “de foro íntimo”. Não podemos nos expressar quanto ao que cremos publicamente, mas apenas em particular. A “era das luzes” empurra a fé para um canto escondido da experiência humana enquanto grita aos quatro ventos que é a razão, e com ela a ciência, que é a experiência universal (e pública) por excelência.
O erro deste pensamento é extremamente pernicioso, fazendo uma dicotomia entre o sagrado e o profano, entre o público e o privado. Nosso século é tão influenciado por esta dicotomia, e esta não se refere apenas às questões de fé, que as pessoas se tornam incapazes de ter uma visão unificada do mundo e de si mesmas.
Assim, elas se dividem entre suas vidas: há uma que é profissional, outra acadêmica, ainda outra pessoal e sei lá mais quantas ela possa inventar. Crêem haver uma forma de se comportar no trabalho e outra em casa. Uma forma de pensar na academia (seja na que se estuda, seja na que se malha) e outra na igreja. Esquecem-se que há um único “eu” em todas estas atividades, unificando o sentido de todas as suas experiências.
Em outras palavras, não há integridade em suas vidas.
Todo cristão, ao contrário, deveria perceber que todas e cada uma de suas experiências estão diante dele como uma ocasião para revelar para onde se inclina seu coração. É na sua integridade que ele revela o caráter de sua vontade redimida. Mas, infelizmente, este século está de tal forma comprometido com este pensamento, que, infelizmente, a dicotomia faz sentir sua influência também entre nós.
Assim é que muitos cristãos não conseguem sequer imaginar o viver um verdadeiro Soli Deo Gloria. Eles imaginam que podem viver momentos “na presença de Deus”. Mas não atinam com uma vida toda e cada momento dela diante da Presença.
Ora, para onde poderíamos fugir dEla se Deus é onipresente? Não é, entretanto, de um determinado atributo divino que devemos falar agora. Deixemos de lado a tentação de mais uma digressão e sigamos para o nosso objetivo aqui. E para tal, precisamos falar da finalidade do homem. E eu não me canso de repetir: nosso fim é doxológico.
“Qual é o fim supremo e principal do homem?”, pergunta o Catecismo Maior de Westminster. E a resposta é “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (I Co 10.31). “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.36).
Mas, infelizmente, nem todo cristão é confessional, pelo que Westminster provavelmente não lhes dirá muita coisa. E, pior, para muitos que se denominam cristãos, parece que textos bíblicos já não são suficientes para os convencer.
Então, certa vez, li um texto em algum blog de um destes que se denominam cristãos, um muito esperto e deveras sábio não-reformado que com palavras irônicas, semelhantes a estas (seus termos não eram nada polidos), zombava das Escrituras:
Será que fazemos tudo para a glória de Deus? E isto intencionalmente? Será que fazemos amor para a glória de Deus? Será que vamos ao banheiro para a glória de Deus? Será que Deus é glorificado quando fazemos sexo? Será que Deus se satisfaz com nossas necessidades (fisiológicas)?
É triste saber que isso ofende a muitos ouvidos, sensíveis por demais, mas a resposta a estas perguntas, que se pretendem difíceis, uma resposta dada por aquele que entende ser a finalidade do homem o Soli Deo Gloria, é um convicto e sonoro SIM.
Aquele que tem o calvinismo por cosmovisão coloca o homem em seu lugar e entende seu significado coram Deo (diante de Deus). E, assim, sem a dicotomia sagrado/profano, público/privado, entende que tudo que faz, seja o uso natural, sadio e correto do seu corpo, seja o prazer do amor sob Sua benção, seja qualquer outra coisa, tudo é culto ao Criador, tudo é para a Sua glória!
Mas alguém ainda pode zombar mais:
E ao pecar, dará você glória a Deus? E Deus é assim que precise da glorificação do homem?
É bem verdade que o cristão, ainda preso a este corpo de morte, ainda vive em lutas e tropeça. Nestes momentos (considerados por si), em nada glorifica ao seu Deus. Porém, ao reconhecer sua miséria e arrepender-se, se de fato o fez e dEle é, recebe o perdão gratuito oferecido pela cruz e volta a prestar-lhe louvor. Louvor que é para Sua glória. Pois o Deus que o chamou é Aquele que o salvou de si mesmo e é capaz de tornar mal em bem!
Deus não é mesmo carente de qualquer glória que Lhe seja externa. Ele basta a Si mesmo. Porém Ele resolveu criar, segundo Seu conselho. Para revelar Sua glória na criação, para revelar Sua glória nos eleitos. O homem que O glorifica não Lhe acrescenta glória alguma, mas reconhece a glória que lhe é devida!
Assim, desde as menores coisas até as maiores, desde dádiva da vida até a promessa da eternidade, desde os dias simples e comuns ao Dia do Senhor, desde as bênçãos ao mal que é tornado em bem, desde a planta do pé ao último fio de cabelo, desde a alvorada até o fim do dia, desde ventre até o Jordão, em tudo darei glórias ao Deus da minha salvação!
E repetirei e repetirei em êxtase e gozo: SOLI DEO GLORIA!
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